Follow @luaem_escorpiao
Mostrar mensagens com a etiqueta Blavatsky Study Center. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Blavatsky Study Center. Mostrar todas as mensagens

sábado, 6 de junho de 2015

O símbolo mais expressivo que já se imaginou (2ª parte)

Na 1ª parte deste artigo abordou-se a alegoria de Vishnu, Ananta, etc.. com base em informação disponível no site de Daniel Caldwell, o Blavatsky Study Center e mais algum material complementar que recebi por e-mail.

Para perceber o contexto e obter mais informações sobre Caldwell recomenda-se a leitura do post da semana passada.

Nesta segunda metade, abordaremos outro modo de representar a manifestação no Cosmos desta vez com recurso à geometria e a cosmogénese segundo a tradição do Egito, com o qual é fácil estabelecer paralelos com  a versão hindu.

Vejamos agora os círculos.


Reparem que a ilustração mostra os vários círculos…em movimento….

Na verdade é apenas um círculo…expandindo-se…crescendo…até o próximo círculo…um estádio fundindo-se no estádio seguinte…

“A primeira figura é um disco simples



A segunda é um disco com um ponto no centro




um símbolo arcaico que representa a primeira diferenciação nas manifestações periódicas da natureza sempre-eterna, destituída de sexo, e infinita de “Aditi NAQUILO” (Rig Veda). O ponto no círculo é o Espaço potencial no Espaço abstrato. 

No seu terceiro estádio, o ponto é transformado num diâmetro, assim: 


A figura agora simboliza uma Mãe-Natureza divina e imaculada, no Infinito absoluto que abrange todas as coisas. Quando a linha do diâmetro é atravessada por uma linha vertical, o símbolo torna-se a cruz do mundo. “ (“A Doutrina Secreta”, vol. I p.74) 


Na simbologia dos círculos, a linha emerge a partir do ponto.

Em geometria quando um ponto se move no espaço cria uma linha…esta linha na simbologia é…o caule, a haste a crescer…pois a palavra Brahma significa expandir, crescer…

Os vários círculos tentam expressar ideias “ocultas” na linguagem da geometria.

Um círculo negro representaria o Absoluto. Imaginemos a expansão deste círculo sempre e sempre….de facto conseguimos fazê-lo…até ao infinito.

O plano deste círculo negro representa o Absoluto…TREVAS ETERNAS…o plano sem limites de “A Doutrina Secreta”.

Agora naquele plano sem limites das TREVAS ETERNAS, simbolizado pelo círculo negro…naquele círculo surge um círculo branco mais pequeno, ou uma bolha branca ou um ponto branco.




Este círculo branco é o primeiro círculo na ilustração.

HPB descreve o surgimento deste círculo branco na TREVAS ETERNAS do círculo negro:

"Diante dos olhos da escritora está um Manuscrito Arcaico, uma coleção de folhas de palmeira que, devido a algum processo específico desconhecido, se tornaram imunes em relação a água, fogo e ar.

Na primeira página há um disco imaculadamente branco sobre um fundo preto embaçado"

Este “fundo preto embaçado” é a escuridão ou negrume do círculo negro que se expande até ao infinito…este é o plano sem limites no qual surgem incontáveis universos.

HPB prossegue:

H.P. Blavatsky

“Na página seguinte, aparece o mesmo disco [branco], mas com um ponto no centro.

Ela faz uma afirmação importante sobre o ponto no círculo branco:

“É o ponto dentro do Ovo do Mundo.”

No círculo branco que contém o ponto…o círculo branco representa o Ovo do Mundo. O ponto no ovo é a “semente” ou mónada que se tornará no universo manifestado.

Portanto imagine-se o PLANO SEM LIMITES do ESPAÇO…TREVAS ETERNAS…estendendo-se até ao infinito.

Escreve HPB:

A flor do Lótus, que na alegoria brota do umbigo de Vishnu (o Deus que, nas Águas do Espaço, repousa sobre a Serpente do Infinito) é o símbolo mais expressivo que já se imaginou: É o Universo que se desenvolve do (…) PONTO, o Germe sempre oculto. Lakshmi, que é o aspeto feminino de Vishnu, e é também chamado Padma, o Lótus (…) [flutua] igualmente sobre uma flor de Lótus. (p.87, vol.II)




O lótus, que contém Brahma, o Universo, é representado saindo do umbigo de Vishnu, o PONTO Central nas Águas do ESPAÇO infinito. (p.39, vol IV)

“A primeira imagem representa o Cosmos na Eternidade, antes do redespertar da Energia ainda adormecida; a emanação da Palavra segundo os sistemas posteriores.

O ponto no círculo até aqui imaculado - o Espaço e a Eternidade em Pralaya - simboliza a aurora da diferenciação. Este é o ponto no “Ovo do Mundo…é o germe dentro deste último, que se transformará no Universo, o TODO, o Cosmos cíclico e ilimitado. Este germe é latente e ativo, periódica e alternadamente. O círculo único é a Unidade divina, de onde tudo emerge, e para onde tudo retorna. A sua circunferência - símbolo necessariamente precário devido às limitações da mente humana - indica a PRESENÇA abstrata e eternamente incognoscível, e o seu plano indica a Alma Universal, embora os dois sejam um... É neste plano que começam as manifestações manvantáricas, nesta ALMA dorme, durante o Pralaya, o Pensamento Divino em que está oculto o plano de todas as futuras Cosmogonias e Teogonias.

É a VIDA UNA, eterna, invisível, e no entanto Omnipresente; sem princípio nem fim – mas periódica nas suas manifestações regulares (em cujos intervalos reina o profundo mistério do não-Ser); inconsciente - porém Consciência absoluta; incompreensível – mas a única realidade existente por si mesma; em suma, “um Caos para os sentidos, um Cosmos para a razão.

O seu único atributo absoluto, o Movimento eterno e incessante EM SI MESMO, é chamado, esotericamente, de “Grande Alento”, que consiste na movimentação perpétua do universo, no sentido de ESPAÇO sem limites e sempre presente. O que é destituído de movimento não é divino. Mas a verdade é que não há coisa alguma absolutamente imóvel dentro da alma universal. (p.72, vol.I)”


Imagem: universaltheosophy.com


Esta é A MATRIZ…

Note-se a definição de matriz: algo a partir do qual alguma coisa nasce, desenvolve-se ou toma forma

Ou

Um ambiente ou material no qual alguma coisa se desenvolve; um meio ou estrutura ambiente.

O plano sem limites das TREVAS ETERNAS, ESPAÇO é a Matriz ou Ventre no qual os ovos de Brahma são gerados…ficam em gestação…suportados...nutridos..

Portanto, na simbologia do círculo, o círculo branco fica RODEADO por e ENVOLVIDO nas TREVAS ETERNAS… a MATRIZ, O ABSOLUTO, ESPAÇO.

É dentro deste círculo branco, este OVO, que se encontra a semente “”ponto”, a mónada, o logos) que irá se tornar num universo manifestado…

Como se vê, podemos usar a LINGUAGEM matemática, especialmente da geometria…ou a LINGUAGEM da Biologia…ou a LINGUAGEM dos símbolos…para explicar estas verdades profundas.

É importante citar mais algumas das palavras de HPB:

O ESPAÇO é o recipiente absoluto de tudo o que é, seja manifestado ou não manifestado. (p.77, vol. I)

O ESPAÇO é a Unidade Única em toda a sua extensão infinita; nos seus abismos sem fundo, como na sua superfície ilusória, uma SUPERFÍCIE pontilhada de inumeráveis Universos fenomenais, de sistemas e de mundos semelhantes a miragens” (vol.II, p.327)




Este PLANO SEM LIMITES é periodicamente o “cenário de inumeráveis Universos, que se manifestam e desaparecem incessantemente” chamados “as centelhas da Eternidade”. (p.84)

Outras citações:

“Que é aquilo que sempre é?”

“O Espaço, o eterno Anupâdaka” (que não tem pais)”

“O que sempre é, é um e este é o Espaço.”

“ O UNO é um Círculo ininterrupto (Anel) e sem circunferência, porque não está em parte alguma e está em toda a parte.”

“O UNO é o PLANO SEM LIMITES do Círculo, que manifesta um diâmetro somente durante os períodos manvantáricos.” (p.79, vol.I)

O PONTO matemático (chamado de “semente Cósmica”, a Mónada) contém todo o Universo com a bolota contém o carvalho.

Esta é a primeira BOLHA na SUPERFÍCIE do ESPAÇO homogéneo sem limites, a bolha da diferenciação no seu estádio incipiente. É o princípio do Ovo de Brahma. (Instruções Esotéricas I)

Olhemos para a imagem novamente:


Na verdade, é possível estabelecer uma correspondência entre o último círculo do lado esquerdo  e imagem de Vishnu. Segundo, Daniel Caldwell, ambos representam uma etapa mais avançada da "criação". O teosofista norte-americano arrisca uma ligação entre cada círculo e uma potencial sequência temporal da imagem de Vishnu. Assim, ao primeiro círculo (que não contém o ponto)  corresponderia a serpente "Ananta" toda enrolada, sem que Vishnu apareça (ou poderia este estar junto com Ananta, também enrolado, como numa posição fetal, mas o seu umbigo não estaria visível).

Ao segundo círculo (aquele que contém um ponto), corresponderia Vishnu a despertar, observando-se agora o seu umbigo.

Ao terceiro círculo (atravessado por um diâmetro), equivaleria à projeção do caule do lótus a partir do umbigo de Vishnu. O botão da flor do lótus não será ainda por esta altura visível.

Ao quarto círculo (que integra uma cruz) corresponderia ao nascer do botão da flor de lótus, ou seja, a flor ainda não estará aberta.

E finalmente, no círculo número cinco, com a flor de lótus completamente aberta, Brahma está em manifestação, sentado na flor com as suas quatro faces, recitando os quatro Vedas. O universo em manifestação começa o seu desdobramento e desenvolvimento. O quinto círculo mostra as manifestações diversas do Universo.

O umbigo de Vishnu corresponde ao ponto no segundo círculo. Quando o caule do lótus emerge do seu umbigo isso corresponde ao diâmetro no terceiro círculo. O ponto ao mexer-se cria uma linha.


Correspondência com a cosmogonia egípcia


Daniel Caldwell enviou-me também um e-mail com algumas passagens referentes à alegoria egípcia da criação.

“Antes dos Deuses virem à existência havia apenas o escuro abismo das águas, chamado Nun, cujas energias caóticas continham as formas potenciais de todas as coisas vivas.” 

Nun
imagem: aulademitologia.wordpress.com


“O espírito do criador estava presente nessas águas primitivas mas não tinha modo de tomar forma. As forças destrutivas do caos foram personificadas pela grande serpente Apep ou Apophis.”

Inerte dentro do Mar Primordial (Nun) repousava o que “Tudo inclui” (Atum), que continha em si (o Uno) a infinito do Ser.”

A criação assume a forma da projeção [de Atum]…

Atum-Ra


Atum é descrito como “uma divindade criadora adorada em Heliópolis [cidade do Sol] que emergiu do caos primevo sob a forma de uma serpente, mas que era habitualmente representado na forma humana…Atum representava uma totalidade que continha quer o masculino quer o feminino [positivo e negativo]…”

“O acontecimento que marcou o início do tempo foi o emergir das primeiras terras das águas de Nun. Este monte primitivo providenciou o lugar onde a primeira divindade veio à existência. Ela às vezes tomava a forma de um [pequeno] pássaro…que pousava no monte”.

“Uma imagem alternativa da criação era a do lótus primitivo, que emergia das águas e se abria revelando um deus criança.”

“A primeira divindade tornou-se consciente que estava sozinha [o Uno, não-dualidade] e criou deuses e homens à sua própria imagem e um mundo para eles habitarem…"

“O poder da criação estava habitualmente ligado ao sol…"

Atum é descrito como um criador e um deus-sol. O seu nome, derivado do verbo “tem” pode ser traduzido como “aquele que ainda não veio a ser”

“Atum é considerado como o deus primitivo e que se fez sozinho da cosmogonia Heliopolitana…” 


Heliopolis
imagem:http://www.philipcoppens.com/


“O Livro dos Mortos apresenta Atum como o Deus que continuaria a existir depois da destruição do mundo.”

“…Ra-Atum…veio à existência no monte primevo e planeou a multiplicidade da criação no seu coração…”

“Ele provocou a primeira divisão…”

“As águas primitivas [Nun] continuaram [depois da criação] a envolver o cosmos [manifestado] da terra e dos céus.”

“Dos textos dos sarcófagos egípcios:

“Eu era as Águas Primordiais [Nun], aquele que não tinha companheiro quando o meu nome veio à existência.”

“A forma mais antiga na qual vim à existência foi como alguém submergido.”

“Eu fui aquele que veio à existência como um Círculo; aquele que morava no seu ovo.”

“Eu fui aquele que começou, o morador nas Águas Primordiais.”

“Primeiro Hahu [o Vento, MOVIMENTO] emergiu de mim e então comecei a mover-me.”

“Eu criei os meus membros na minha glória.”

“Fui o construtor de mim próprio, formei-me de acordo com o meu desejo e de acordo com o meu coração.”


Citações de:

WORLD MYTHOLOGY [Mitologia do Mundo], 1993, de Roy Wallis


THE ANCIENT GODS SPEAK: A Guide to Egyptian Religion, [OS DEUSES ANTIGOS FALAM: Um Guia para a Religião Egípcia], 2002, de Donald B. Redford

HAMMOND ATLAS OF THE WORLD'S RELIGIONS  [Atlas das Religiões do Mundo], 2009, de Frederick Denny e Ninian Smart

sábado, 14 de junho de 2014

A controvérsia em torno do Glossário Teosófico (2ª parte)

Nesta segunda parte, veremos a resposta daqueles que recusam a ideia do Glossário Teosófico ser uma obra a evitar, considerando ao mesmo tempo legítima a ideia de Blavatsky ser apresentada como autora da obra. É naturalmente imprescindível ler a primeira parte, publicada a semana passada.

A contestação às ideias de Aveline sobre o Glossário

Depois da distribuição do texto de Aveline pelos canais habituais usados pelo grupo de estudantes congregado pelo teosofista brasileiro, a resposta não se fez esperar. Vamos abordar aqui duas dessas reações, a de Daniel Caldwell e a de Matthew Webb.

Caldwell é um veterano estudante de Teosofia, que gere o portal mais completo sobre HPB, o Blavatsky Study Center. Já editou vários livros, um deles traduzido para português - “O Mundo Esotérico de Madame Blavatsky”, editado no Brasil pela Madras. Mais recentemente Caldwell, editou “Laura Holloway e os Mahatmas” e antes “The Esoteric Papers of Madame Blavatsky”, que contém fac-similes de diverso material importante na história do movimento. Há ainda uma compilação de Caldwell para introdução à Teosofia em forma de e-book.




Na sua argumentação, Caldwell junta a questão do Glossário com a controvérsia (mais uma!)  em relação ao terceiro volume de “A Doutrina Secreta” (que corresponde ao quinto e sexto volumes na edição em língua portuguesa), publicado também já depois da morte de Blavatsky e que alguns consideram ter sido um acrescento da exclusiva responsabilidade de Besant e Mead. Outras questões delicadas afligem essa edição, a partir do qual foi feita a única tradução para português hoje existente.  Mas cada coisa a seu tempo; essa história será aqui trazida oportunamente.

Em 1891, quer Olcott, quer Besant falavam da preparação de um glossário “com termos em Sânscrito e outros noutras línguas orientais”.


Annie Besant, Cel. Olcott (sentado) e WQ Judge


Blavatsky, no prefácio da 2ª edição em inglês de “A Chave para a Teosofia” (a edição em língua portuguesa foi feita a partir da 1ª edição e não tem Glossário) escreve que adicionou “um copioso Glossário de todos os termos técnicos encontrados [em “A Chave”]. A maior parte das definições e explicações são transcrições ou abreviaturas do “Glossário Teosófico” maior, que será em breve publicado”. Isto foi escrito no outono de 1890, mais de meio ano antes da morte de HPB. Um a um, Caldwell desmonta os argumentos de quem sustenta, a não responsabilidade de Blavatsky na edição do Glossário.

HPB foi acusada de plágio, tendo William Emmette Coleman sido um dos principais detratores do trabalho da Velha Senhora. Ele identificou mais de 1 000 dos cerca de 2 800 termos como sendo copiados de outros livros. Essa avaliação foi confirmada por Boris de Zirkoff, embora a contabilidade dos termos supostamente plagiados tenha sido menor. Contudo no próprio prefácio do Glossário são explicitamente citados esses livros como fontes. Somado a isso, há a referir que Blavatsky fez inúmeros acrescentos da sua própria autoria, a maior parte de natureza ocultista.


De Zirkoff na capa da última
"Theosophia" (Foto:TS wiki)

Caldwell prossegue na sua argumentação, demonstrando que algumas definições no Glossário consideradas erróneas surgem quer em “A Chave para a Teosofia”, quer em “A Voz do Silêncio”, concluindo as suas observações da seguinte forma:

“Na elaboração dos manuscritos do “Glossário Teosófico”, Madame Blavatsky compilou definições de termos de mais de uma dúzia de livros académicos. Em vários das entradas deste material compilado, HPB adicionou a sua “interpretação ocultista” ou ponto de vista esotérico.

Muitos dos erros encontrados no Glossário são derivados de erros nos livros a partir dos quais HPB extraiu as definições."



À luz do acima expresso, conclui Caldwell, não existem razões para acusar GRS Mead de adicionar material ao manuscrito do Glossário Teosófico depois da morte de HPB.

Matthew Webb, um associado britânico da Loja Unida de Teosofistas é menos argumentativo, mas mais duro na apreciação desta controvérsia.

Na primeira parte do seu artigo, Webb constata o óbvio: “a declaração de que HPB só viu ‘as primeiras trinta e duas páginas das provas tipográficas’ não é a mesma coisa que dizer que ela somente viu as primeiras trinta e duas páginas do livro de 389 páginas [na versão em inglês, em português são 777]. Está-se simplesmente a dizer que ela não teve a oportunidade de verificar tudo o que havia escrito de forma a confirmar que estava pronto para publicação, nem tão pouco completar o volume com a amplitude que ela originalmente pretendia.”


HP Blavatsky

Webb continua: “Portanto o Glossário Teosófico não é de modo algum completo ou exaustivo – embora contenha muitas entradas para cada letra, de A a Z – nem são todas as entradas necessariamente exatas como poderiam ser se HPB tivesse vivido mais tempo e tivesse sido capaz de supervisionar a publicação do trabalho ela própria, e estes são factos que nenhum teosofista alguma vez negou.

O que negamos, contudo, é a afirmação ridícula e sem fundamento (…) de que o livro não deve ter o nome H.P. Blavatsky como sua autora.”

Referindo não ser esta uma crítica pessoal , nem negar a boa fé dos que defendem a visão que Webb denuncia, ele acrescenta não existir  uma “lógica clara por trás dela. Inferir que GRS Mead era ele próprio responsável pela maior parte das entradas do Glossário é dar um ilógico e gigantesco salto das afirmações feitas e factos verificáveis para uma conclusão manifestamente errónea.


Uma biografia de Mead
existente em português


O teosofista britânico releva a utilidade do Glossário, sendo também da opinião que de Zirkoff foi precipitado nas suas conclusões e que não pode ser imputada a Blavatsky responsabilidades por erros que ela não teve a oportunidade de corrigir.

Webb termina o seu artigo, afirmando que algumas pessoas deixaram a Teosofia de lado depois de lerem discussões do género em fóruns de Teosofia na internet, discussões essas muitas vezes em tons exacerbados.

“Embora o conhecimento académico, história e a investigação todas tenham o seu lugar, fazemos bem em relembrar o que é a Teosofia e o movimento teosófico, e dessa forma menos tempo e energia será despendido em assuntos em última instância irrelevantes e mais bem investidos no verdadeiro auxílio e serviço ao sofrimento humano.

O que HPB escreveu na Introdução de “A Doutrina Secreta” pode ser aplicado ao trabalho dela  em geral, o de que “foi escrito para a instrução dos estudantes de Ocultismo e não para benefício dos filólogos.”

As alternativas

A verdade é que, embora não embarquem na teoria de que o nome de Blavatsky não deveria estar na capa do livro, grande parte dos teosofistas mais experientes é bastante cautelosa na abordagem ao Glossário, principalmente aqueles que têm conhecimentos de Sânscrito.

Existem contudo boas alternativas, que são também mencionadas no artigo de Aveline.

A principal será o Glossário Enciclopédico Teosófico [no original, Encyclopedic Theosophical Glossary], disponível no site da Sociedade Teosófica de Pasadena. Este Glossário é bastante maior que o editado por Mead, estando corrigido de muitos dos erros apontados ao Glossário original. O mesmo constitui uma expansão do Glossário do Oculto [Occult Glossary] publicado em 1933 por um respeitado líder da ST Pasadena, Gottfried de Purucker (GdeP), e que está disponível aqui. Contudo, em relação a este Glossário há quem também tenha as suas reservas, nomeadamente em relação a algumas “inovações” de GdeP, que se considera não estarem completamente em linha com a Teosofia de Blavatsky/Mestres.


Gottfried de Purucker

Contudo, tudo pesado, também da minha parte considero ser a melhor opção. Este Glossário só esta disponível online existindo uma  versão do mesmo em pdf que circula entre alguns estudantes.

Outra alternativa, embora não tão completa é a Enciclopédia Teosófica (ET), que está também disponível online, embora exista uma versão em livro que pode ser encomendada a partir da Secção das Filipinas da Sociedade Teosófica. Embora não tão rica em termos de terminologia como o Glossário da ST Pasadena, a Enciclopédia tem também várias entradas sobre os teosofistas mais conhecidas, bem como sobre pessoas influenciadas pela Sabedoria Perene. A ET resulta do esforço combinado de várias pessoas, entre as quais Vicente Hao Chin Jr. e John Algeo (editor geral).




Também acessível pela internet está a Wiki da Sociedade Teosófica, que seguindo aquele formato popularizado pela wikipedia, é atualizada com bastante frequência e progressivamente vai se tornando mais exaustiva. Existe um portal específico para as cartas dos Mahatmas e para HPB. É possível que esta wiki se venha a tornar num instrumento essencial para muitos estudantes de Teosofia, sendo admissível que surjam versões noutras línguas que não o inglês. Na verdade, em língua portuguesa, o único Glossário disponível é mesmo o editado por Mead, objeto da controvérsia que este post (e o da semana passada) deu a conhecer. 

sábado, 15 de março de 2014

Como uma borboleta na sua crisálida

Daniel Caldwell é um dos mais conhecidos investigadores no campo da Teosofia, particularmente de todo o universo relacionado com Helena Blavatsky. Conhece como poucos a vida de HPB e sabe imensos detalhes sobre as inúmeras controvérsias da história do movimento teosófico, as diferenças sobre edições de livros, as datas de certos acontecimentos, as diferentes perspetivas sobre determinado conceito, etc…uma verdadeira enciclopédia, vertida no seu Blavatsky Study Center, o portal existente com mais conteúdos sobre Teosofia e HPB. Tem tanto material que duvido que alguém o tenha explorado na sua totalidade. Será a porta de entrada mais provável para aqueles que procuram as primeiras informações sobre Teosofia e HPB (em língua inglesa, naturalmente).


Helena Blavatsky (1831-1891)


Caldwell já editou três livros, um deles traduzido para português, “O Mundo Esotérico de Madame Blavatsky” que foi um dos meus primeiros contactos com Blavatsky. Um livro que já reli e que permanece como um dos meus favoritos. No fundo, é uma espécie de biografia de Blavatsky com base numa série de relatos de quem a conheceu, quer daqueles que lhe eram mais próximos, quer de pessoas que só a viram por uma vez. Também há lugar para aqueles que não gostaram (e não gostavam) da Velha Senhora.

Nem todos são apreciadores do trabalho de Caldwell, que já se envolveu em várias polémicas na internet e que fez parte do grupo de trabalho envolvido na controversa edição do I volume das Cartas de HPB, liderado por John Algeo, cujas deficiências foram referidas num artigo da revista Biosofia. A publicação de textos críticos para com algumas das práticas da Loja Unida de Teosofistas (LUT), bem como algumas referências à história desta organização e aos seus líderes acarretaram uma ligação um pouco difícil com certos elementos desta estrutura. “O Mundo Esotérico de Madame Blavatsky” foi inclusive alvo de uma dura crítica de Jerome Wheeler, um decano da LUT, a meu ver um pouco exagerada, pois na altura em que li o livro fiquei com uma ideia de HPB que mantenho até hoje, a de uma mulher extraordinária, a quem o mundo muito deve.





Mais recentemente Caldwell, editou “Laura Holloway e os Mahatmas” e antes “The Esoteric Papers of Madame Blavatsky”, que contém fac-similes de diverso material importante na história do movimento, como sejam as regras e  as primeiras instruções para os membros da Secção Esotérica e transcrições das reuniões do Grupo Interno (Inner Group). Há ainda uma compilação de Caldwell para introdução à Teosofia em forma de e-book.


Esta introdução antecede a tradução de uma interessante subpágina do Blavatsky Study Center sob o processo pós-morte e que se intitula “Como uma borboleta na sua crisálida“. Caldwell autorizou a sua tradução para português, ficando aqui desde já o meu agradecimento.


Como uma borboleta na sua crisálida

As esferas intermediárias (…) são os grandes pontos de paragem, as estações nas quais são gerados os futuros Egos autoconscientes, a prole auto-engendrada dos Egos antigos e desencarnados no nosso planeta. Antes que a nova Fénix, renascida das cinzas dos seus pais, possa voar mais alto para um mundo melhor, mais espiritual e mais perfeito…tem que passar pelo processo de um novo nascimento...”


“(…) naquele mundo de sombras o Ego-feto, novo e ainda inconsciente, transforma-se na vítima merecida das transgressões do seu último Eu, cuja carma – mérito e demérito - criará sozinho o seu futuro destino. Naquele mundo (…) nós só encontramos máquinas ex-humanas, inconscientes e autómatas; almas em estado de transição, cujas faculdades e individualidades adormecidas estão como uma borboleta na sua crisálida; e os Espíritas esperam que elas falem com sensatez…!”

Mestre KH, [Cartas dos Mahatmas para A.P.Sinnett, carta 18 (por ordem cronológica), vol I, p.125 da edição em português]

Usando o ciclo de vida da borboleta-monarca, tentemos ilustrar as palavras do Mestre KH.


Imagens 1 e 2 : o Mundo Físico


1
2

A fase da lagarta representa o ser humano durante a sua vida no plano físico. É a nossa personalidade humana.

A lagarta da borboleta monarca tem um apetite voraz por serralha e passa a sua vida enquanto naquele estádio a se alimentar…da mesma forma que os seres humanos têm apetite por experiências – físicas, emocionais, mentais, etc…

Imagens 3 a 10: Kama-loka

Naquele mundo (...) nós só encontramos máquinas ex-humanas, inconscientes e autómatas, almas em estado de transição..." [op.cit, carta 18, vol. I, p.25]


3
4

Quando o ser humano morre de morte natural normal, a personalidade entra numa fase de casulo no Kama-loka. Tem lugar uma transformação e apenas as partes “superiores” da personalidade  são assimiladas pelo nosso “Deus” interior, ou seja, dá-se a “ressuscitação”…no Devachan…a fase da borboleta. As partes inferiores da nossa personalidade são descartadas…tornando-se uma casca.


5
6

Existem contudo exceções…vidas interrompidas pelo doença, acidentes, assassinatos, suicídios, abortos. Veja-se o que escreve Plutarco [também n'"A Chave para a Teosofia", p.94 a 96]


7

8

O Mestre KH escreve:

“Aquele que possui as chaves dos segredos da Morte é possuidor das chaves da Vida.” [Cartas dos Mahatmas para A.P.Sinnett , carta 136, vol II, p.315]

E o Mestre M escreve:

“O sr. Hume [no seu artigo “Fragmentos da Verdade Oculta”] definiu perfeitamente a diferença entre personalidade e individualidade. A primeira dificilmente sobrevive; a segunda, para percorrer com êxito os seus cursos setenários descendente e ascendente, tem de incorporar em si mesma a força vital eterna que reside somente no sétimo princípio e então unir os três (quarto, quinto e sétimo) num – o sexto. Os que chegam a fazê-lo convertem-se em Budas, Dhyan Chohans, etc…O propósito principal dos nossos esforços e iniciações é alcançar esta união enquanto estamos na Terra." [op.cit., carta 44, vol. I, p.205-6]


9

10


Ver aqui este texto em inglês com excertos de referências feitas por  HPB e pelos Mestres, bem como estas tabelas (1 e 2) do livro de Geoffrey Farthing, "When we die". Explicações sobre o Kama-loka e o Devachan podem ser encontradas em posts anteriores do Lua em Escorpião.

Imagens 11 e 12: Devachan


Uma vez acordadas do seu torpor pós-morte





A revitalização da consciência começa depois da luta no Kama-loka, às portas do Devachan e apenas depois do “período de gestação”.


11


“Do Kama-loka (…) uma vez despertadas do seu torpor pós-morte, as “Almas” recém-transladadas vão todas (exceto as cascas), de acordo com as suas atrações, ou para o Devachan, ou para o Avitchi [estado de maldade espiritual, a antítese do Devachan].” [op.cit., carta 104, vol.II, p.190]

“Quando o sexto [Buddhi] e sétimo [Atman] princípios tiverem ido, levando consigo as partes mais finas e espirituais daquilo que certa vez foi a consciência pessoal do quinto princípio [Manas], só então a casca gradualmente desenvolve uma espécie de vaga consciência própria a partir do que permanece na sombra da personalidade.” [op.cit, carta 93B, vol.II, p.141]



12


No chamado manuscrito de Wurzburg d’”A Doutrina Secreta” , HPB escreveu:

[Buddhi] é também o plano de existência no qual a individualidade espiritual evolui, e a partir do qual a personalidade é eliminada.”

Devemos portanto aprender a fazer de forma consciente nesta vida, aquilo que é feito automática e inconscientemente nos estados pós-morte.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Cascas, andarilhos terrestres e egrégoras (1ª parte)


Na sequência de dúvidas colocadas no theos-talk (um fórum de discussão de Teosofia), no passado mês de dezembro, sobre a disponibilidade na internet da obra (traduzida para inglês) de Alan Kardec - o pai do espiritismo moderno - sucederam-se em catadupa uma série de posts, com o objetivo de discernir três conceitos distintos: cascas, andarilhos terrestres e egrégoras.

Alan Kardec (1804-1869)


Como se sabe, a explicação que a Teosofia dá para os fenómenos mediúnicos é bem distinta daquela fornecida pelo Espiritismo, que considera as comunicações dos Espíritos como provenientes do “homem real” que desencarnou. A Teosofia, ao invés, diz que, salvo exceções, quem produz essas manifestações são cascas animadas pelo fluido vital dos médiuns ou por elementais brincalhões que usam as cascas como máscaras para representar pessoas mortas e enganar os crédulos.

No Glossário Teosófico temos definições que ajudam quem desconhece a terminologia:


Cascas - nome cabalístico dado aos fantasmas ou sombras dos mortos, os “espíritos” dos espíritas, que figuram entre os fenómenos físicos. São assim denominados por constituírem simples formas ilusórias, vazias dos seus princípios superiores. (Glossário Teosófico, Ed. Ground, p.102).

Elementários  - no que respeita a este conceito, é curioso notar que a definição que consta do Glossário Teosófico editado por GRS Mead (a participação de Blavatsky na sua elaboração foi muito limitada, devido ao seu falecimento inesperado) é bem divergente daquela que consta na versão da ST Pasadena, uma enciclopédia muito maior e aparentemente mais rigorosa (o Glossário de Mead é acusado por exemplo de ter muitas falhas na terminologia em sânscrito). De acordo com a definição desta enciclopédia teosófica, um “Elementário” é definido como uma casca ou cadáver astral em que predominam impulsos inferiores, negativos e nocivos. Às vezes, contudo, o termo "elementário" parece ser usado de certa forma como um sinónimo de casca. Outros teosofistas entendem por "elementário" uma casca animada por um elemental (cuja definição se encontra abaixo). Seja como for deverá de ser tida primordialmente em conta a definição do Glossário da ST Pasadena. O site Filosofia Esoterica, também descreve aqui um elementário como "casca ou cadáver astral em que predominam impulsos inferiores, negativos e nocivos". Outro texto muito interessante sobre este tema é este.

Elementais – Criaturas desenvolvidas nos quatro reinos ou elementos: terra, ar, fogo e água. São denominados pelos cabalistas de Gnomos (terra), Silfos (ar), Salamandras (fogo) e Ondinas (água). Exceto alguns poucos, que pertencem a espécies superiores e seus regentes, são antes forças da Natureza do que homens ou mulheres etéreos. Estas forças, como agentes servis dos ocultistas, podem produzir diversos efeitos; porém, se empregadas por “elementários” – em cujo caso escravizam os médiuns – enganarão às pessoas crédulas (Glossário Teosófico, p.163-4).

Para definições de Kama-loka e Kama-rûpa ver aqui. Este texto de Joaquim Soares também pode ser útil.

Daniel Caldwell, que administra o site Blavatsky Study Center e que publicou “O Mundo Esotérico de Madame Blavatsky” [editado no Brasil pela Madras] e mais recentemente “Laura Holloway e os Mahatmas”, foi o catalisador da discussão ocorrida no theos-talk.



Há uns anos Caldwell esteve ligado a uma enorme controvérsia relacionada com a publicação das Cartas de Helena Blavatsky, pois no primeiro volume constavam cartas espúrias escritas por grandes inimigos da Velha Senhora. Existe inclusive um artigo na revista Biosofia sobre esta matéria. A consulta de alguns números da revista Fohat permite observar com maior detalhe os argumentos da defesa e da acusação.



Sobre as cascas

Diz Blavatsky numa carta, escrita antes da fundação da Sociedade Teosófica, quando vivia nos EUA:

“Quanto mais sessões espíritas vejo neste berço e viveiro de Espiritismo e médiuns, mais claramente vejo como são perigosos para a humanidade. Os poetas falam de uma fina partição entre os dois mundos. Não existe nenhuma partição. As pessoas na sua cegueira imaginam obstáculos deste género porque os seus órgãos grosseiros de audição, visão e sensação não permitem à maior parte dessas pessoas penetrar na diferença de estados. Além disso, a Mãe-Natureza fez bem em dotar-nos com sentidos grosseiros, pois de outro modo a individualidade e a personalidade do homem seria impossível, porque os mortos estariam continuamente a se misturar com os vivos, e os vivos assimilar-se-iam com os mortos.(…)

De uma maneira ou de outra, não podemos evitar identificarmo-nos fisicamente e de um modo inconsciente com os mortos, absorvendo os átomos constituintes daquilo que viveu antes de nós. Em cada inspiração nós os inalamos e expiramos aquilo aquilo nutre essas criaturas sem forma, elementais flutuando no ar na expetativa de serem transformados em seres viventes. Isto não é apenas um processo físico, mas em parte também um processo moral. Nós assimilamos aqueles que nos precederam, gradualmente absorvendo as suas moléculas cerebrais e trocando auras mentais, ou seja, pensamentos, desejos e tendências. Este é um intercâmbio comum a toda a raça humana e a tudo o que vive. É um processo natural, resultado das leis de economia da natureza…Explica similaridades, externas e morais…”

“Mas existe outra lei absoluta, que se manifesta periódica e esporadicamente. (…) Durante epidemias deste género o reino dos mortos invade a região dos vivos, embora felizmente este tipo de resíduos esteja limitado à esfera de ação de quando estavam na Terra. E então, quando evocados pelos médiuns, eles não podem ultrapassar os limites e fronteiras onde agiam e viviam….E quanto mais abertas as portas estão a eles, mais se espalha a epidemia necromântica.“

“É lógico que estes resíduos terrestres, atraídos de forma irresistível para a Terra, não podem seguir a alma e o espírito, os princípios mais elevados do ser humano. Com horror e repulsa muitas vezes observei como uma sombra reanimada deste género se separou a partir do interior do médium e como se separando a partir do corpo astral dele e vestida com a roupagem de outra pessoa, fez-se passar por um conhecido de alguém, levando a pessoa a ficar extasiada e fazendo as pessoas abrir os seus corações a estas sombras que elas sinceramente acreditavam serem os seus queridos pais e irmãos, ressuscitados para convencê-los da vida eterna, e também para vê-los…Oh, se elas apenas soubessem a verdade, se acreditassem nela! Se elas vissem, como muitas vezes vi, uma criatura monstruosa, sem forma a agarrar alguém presente nestas feitiçarias espiritistas! Envolve o homem como se tivesse um manto negro e lentamente desaparece dentro dele como se fosse arrastado para dentro do corpo através de cada um dos seus poros.”

Continuamos na próxima semana, com excertos de textos sobre os andarilhos terrestres e as egrégoras.