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sábado, 29 de agosto de 2015

Três níveis de recordação: instinto, consciência e intuição (5ª parte)

Com esta quinta parte, terminamos a tradução do artigo de Barend Voorham "Três níveis de recordação: instinto, consciência e intuição" retirado do nº3 da revista Lucifer de 2014. Recomenda-se a leitura da introdução publicada na parte 1.

Intuição

Quando estes aspetos superiores da consciência aparecem espontaneamente, sem raciocínio intelectual, designamos isso por intuição. Intuição também é uma espécie de lembrança. Os tipos de consciência mais espirituais têm as suas próprias experiências e impressões ao seu nível, também. Essas marcas estão igualmente registadas na natureza akáshica. E nós, vivendo na consciência pessoal, também temos acesso a isso. Podemos contemplá-las. A intuição é a perceção imediata da verdade. É sabedoria espiritual e manifesta-se como uma visão direta e impessoal.

Podemos pensar: “Estas não podem ser as minhas marcas. O alcance da consciência está confinado ao pessoal. Posso na melhor das hipóteses atingir a minha consciência e já é suficientemente difícil ouvi-la continuamente.” Recorde-se porém, que não há separatividade na natureza. Tudo está interligado. Também somos estas consciências superiores, se nos identificarmos com elas.

Aprender, dizia Platão, é recordar. Isto significa que podemos ativar as experiências espirituais a partir da corrente de consciência que somos. Tornamo-nos conscientes delas.


Busto de Platão

Em “Fédon”, Platão descreve uma história mítica sobre como as almas humanas vivem no mundo dos Deuses antes de nascerem. Aí veem as verdadeiras Ideias. Mas, quando nascem, têm de beber água do Rio Lete, o rio do esquecimento e esquecem-se daquilo que viram. As almas que beberam bastante lembram-se de muito pouco e as almas que beberam pouco lembram-se de bastante. Mas, cada alma está familiarizada com essa realidade espiritual, e quando olhamos de perto para dentro de nós próprios e ouvimos com atenção, sabemos disto.

Podemos, autoconscientemente tentar despertar esta memória divina em nós próprios. É possível treinar a intuição. Podemos aprender a focarmo-nos no que é verdadeiramente humano, espiritual, mesmo na consciência divina em nós. Como? Buscando por este tipo de memória que Blavatsky chama de “reminiscência”; ativamente recordando estas imagens espirituais (3).

Do pensamento cerebral ao pensamento universal

Como fazê-lo? Como nos conectamos com estas influências espirituais? Como nos sintonizamos com a “oitava do nosso piano”, a nossa consciência pessoal, de modo a nos identificarmos com a verdade e compaixão da nossa consciência superior em nós?

Helena Blavatsky

Primeiro, devemos nos esvaziar. Não devemos dar lugar a quaisquer pensamentos pessoais. Podemos nos perguntar quantos pensamentos reservamos todos os dias para assuntos que, à luz da espiritualidade, não têm importância alguma. Olhemos por exemplo para o que a televisão tem para oferecer e perceberemos como o nosso aspeto de pensamento inferior é estimulado por todo o tipo de informação e sensações desnecessárias. Quantas vezes nos preocupamos com a nossa prosperidade, sobre aquilo que pode correr mal, com possíveis doenças ou com a própria morte? Se nos esvaziarmos destas preocupações diárias, afinamos a nossa oitava num tom diferente e os pensamentos espirituais virão até nós naturalmente.

Não raras vezes atribuímos um nível de realidade ao mundo externo e ilusório, que o mesmo não merece. Podemos perceber contudo, que a nossa felicidade não depende de ilusões.  Entender que estávamos preocupados com nada de importante dá-nos um sentido de liberdade e espaço para perceções novas e mais abrangentes.

Há que reconhecer estas novas perceções e alimentá-las. Podemos fazer isto focando a nossa atenção. Meditando nas ideias universais. Criando uma imagem de pessoas compassivas, de um mundo onde as pessoas trabalham em conjunto e se ajudam mutuamente na prática. Pensemos de modo amplo e impessoal. Vivamos o ideal mais elevado que possamos imaginar.

A tónica espiritual irá alterar inclusive os nossos pensamentos quotidianos. Claro que ainda teremos que ir pôr o lixo e ir às compras para satisfazer as nossas necessidades diárias, mas mesmo os pensamentos necessários para estas atividades simples serão iluminados se pensarmos nelas com um Ideal mais alargado de compaixão. Assim enobrecemos o eu pessoal  e também o eu animal e o eu físico. No fim de contas, o nosso cérebro será igualmente iluminado.

Não devemos apenas pensar com o nosso cérebro. Devemos pensar a partir do ponto de vista maior, universal.


Somos uma corrente de consciência. Os nossos aspetos superiores residem nos planos espirituais. Tenhamos isso presente. Imaginemos um mundo justo e equitativo, onde a ajuda e cooperação mútuas não são a exceção, mas a norma. Imaginemo-lo de forma tão nítida e clara, de modo a recordarmos esta imagem no nosso dia-a-dia, em cada ação que empreendemos e em cada pensamento que temos. É esta memória que a humanidade em sofrimento necessita acima de tudo.

3. H.P. Blavatsky, The Key to Theosophy. Theosophical University Press, Pasadena 1985, Chapter 8.

sábado, 22 de agosto de 2015

Três níveis de recordação: instinto, consciência e intuição (4ª parte)

Continuamos a tradução do artigo de Barend Voorham "Três níveis de recordação: instinto, consciência e intuição" retirado do nº3 da revista Lucifer de 2014. Recomenda-se a leitura da introdução publicada na parte 1.

Pensamento pessoal

A consciência instintiva do ser humano tornou-se no que atualmente é durante incontáveis fases de desenvolvimento, ou pelo menos no que deveria ser: um veículo apto para a verdadeira consciência humana. Mas, a consciência pensante passou ela própria por várias experiências, que estão nela armazenadas.

Contudo, as experiências do dia-a-dia não têm um caráter sustentável. São experiências pessoais, facilmente esquecidas. É por isso que a memória das experiências pessoais é realmente falível. Como a consciência pessoal normalmente dá crédito à realidade do mundo externo em contínua mudança, as suas impressões, são na maior parte das vezes de uma natureza transitória. Um ser humano não tem simplesmente capacidade para ver as suas experiências a partir de uma perspetiva correta.


Barend Voorham

Façamos a comparação com uma equipa de futebol que ganhou um jogo. Cada jogador recordar-se-á do jogo da sua própria perspetiva. O guarda-redes sabe que falhou na tentativa de evitar um golo e o avançado sabe que marcou. Contudo, o enquadramento mais abrangente está faltando. O treinador que estava junto à linha lateral tem uma visão mais geral. A sua memória parece ser mais exata. Neste exemplo, o treinador é a consciência humana superior e cada jogador representa a consciência pessoal.

Caraterísticas das memórias pessoais

Muitas vezes as pessoas dizem que a memória é falível. Isto é verdade quando falamos de impressões pessoais. Também sucede que a consciência pessoal está muitas vezes cega em relação ao seu próprio comportamento. Recordemos o caso da rapariga sonâmbula: ela fez algo de que a consciência pessoal nunca se recordou. Apenas quando ela se tornou idosa e pouco antes de falecer, quando a sua consciência pessoal se uniu temporariamente à sua consciência humana superior, é que se recordou subitamente do que havia feito. Reparem, a consciência superior é muito mais capaz de perceber essas impressões e de compreender a sua verdadeira importância.

Quando o homem pessoal se lembra de algo, dá um colorido a essas memórias consoante a consciência que desenvolveu até esse momento. Imagine que passou umas férias maravilhosas com um amigo, e que esse amigo maltrata-o posteriormente. A sua memória das férias será agora colorida com as desagradáveis experiências posteriores.

As impressões do homem pessoal não sobreviverão à morte. Dissolver-se-ão quando a consciência se retirar. Em cada novo nascimento uma nova personalidade será construída. Isto acontecerá com base nas qualidades que foram desenvolvidas nas vidas anteriores. Porém, estas impressões pessoais particulares de vidas anteriores não podem ser encontradas na nova personalidade. Com cada nova vida um novo cérebro é formado. Este cérebro, tal como o restante corpo físico, tem de praticar novamente, antes que possa funcionar de forma otimizada como um instrumento para pensar. Essa é a razão pela qual não se consegue rastrear as vidas passadas no cérebro nem na consciência pessoal.

Uma exceção a isto acontece quando uma pessoa morre na infância, pelo facto de não existirem experiências espirituais que pudessem ser processadas no Devachan. A personalidade de uma criança não se desintegrará e rapidamente encontrará uma nova oportunidade, com novos pais, para se manifestar. Essa é a razão por que em todo o mundo existem pessoas que morreram na sua infância na vida anterior e conseguem recordar-se dela. (2)

O prof. Ian Stevenson considerou
a hipótese da reencarnação como
explicação possível para as
memórias de vidas passadas.


Consciência

Felizmente, o homem pessoal também tem pensamentos espirituais. Ele tem interesses e ideais impessoais. Ele pensa sobre como viver a sua vida de uma boa maneira. Estes pensamentos também provocam impressões, que ele retém de uma vida para outra, e que assim é capaz de recordar.

Como nos lembramos deles? Quando estamos prestes a fazer alguma coisa que não devíamos. O nosso sentido ético alerta-nos nesse momento.

Estas memórias são chamadas de consciência. A nossa consciência compreende as experiências éticas e espirituais da nossa vida atual e das anteriores, das quais nos recordamos se pretendermos agir de um modo que estas experiências nos ensinaram a não fazê-lo. Portanto, a nossa consciência nunca nos aconselha de um modo afirmativo. Nunca nos diz o que fazer. Avisa-nos quando estamos prestes a fazer algo eticamente irresponsável.

A consciência é a qualidade mais nobre que o ser humano desenvolveu até ao presente. Tem vindo a ser formada pelas suas impressões mais sublimes. Reparem, não é o mais nobre que ele é, mas o que de mais nobre experienciou até ao momento. Podemos conceber a consciência como a ponte entre as consciências humanas pessoal e superior.

A nossa consciência não é infalível, pois a nossa experiência espiritual é limitada. Por vezes deparamo-nos com uma questão ética em relação à qual nunca nos confrontamos anteriormente e sobre a qual nunca refletimos. Consequentemente a nossa consciência permanecerá em silêncio. Se fizermos a escolha certa, então teremos somado uma experiência espiritual, mas se fizermos a escolha errada e experienciarmos as consequências que daí advêm, também aprenderemos uma lição ética. É através de novas experiências espirituais que a nossa consciência irá crescer.

Escutando a consciência

Diz-se que as pessoas cruéis não têm consciência. Julgo que elas têm consciência; simplesmente não a ouvem. Tornar-se surdo em relação à voz da nossa consciência é um processo gradual. Quando temos que fazer uma escolha ética e não escutamos a nossa consciência, ouvi-la-emos num tom mais baixo quando estivermos numa situação semelhante novamente. Se fizermos isso consecutivamente, a voz da nossa consciência irá se desvanecer até parecer que não existe.

A educação desempenha um papel importante nisto. Os pais podem estimular ou reprimir a consciência da criança. Uma vez ouvi um rapazinho dizer à sua mãe: “Olha o que eu roubei”, sem que a mãe desse uma resposta negativa de qualquer género. Não foi propriamente um incentivo a aprender a ouvir a consciência. Também conheço um caso de uma mãe que deixou o seu filho devolver um brinquedo que havia roubado. Esse é um modo de estimular a consciência da criança. Quando alguém age contra a sua consciência, irá se arrepender na primeira vez. Mas, quando ignoram esse remorso, a voz da consciência vai se tornando mais fraca, ou melhor, a sua voz ouve-se cada vez menos.

É isto que ouvimos em relação aos assassinos e criminosos; depois do seu primeiro crime a sua consciência entra em jogo. Eles não dormem, mas sofrem. Mas, depois da segunda, terceira ou quarta vez, torna-se um hábito. Eles não mais escutam a sua consciência a falar. É uma situação temporária, porque eles serão confrontados com as suas ações a certa altura.


A lição que se pode aprender daqui é a de escutar a consciência. Nós somos a nossa consciência. A nossa consciência é o portal para os aspetos superiores de nós próprios. Se não a escutarmos, fechamos o portal.


(2).  I. Stevenson, Reincarnation and Biology: A Contribution to the Etiology of Birthmarks and Birth Defects. Vol I and II. Praeger Publishers, Highlands Ranch (US) 1997. And: H. van der Pol, “Wetenschappelijk onderzoek vindt bewijzen voor reincarnatie” (“Scientific researchers find evidences for reincarnation”). Article in Lucifer, Vol. 27, October 2005, no. 5, p. 87.

Continuamos na próxima semana.

sábado, 15 de agosto de 2015

Três níveis de recordação: instinto, consciência e intuição (3ª parte)

Continuamos a tradução do artigo de Barend Voorham "Três níveis de recordação: instinto, consciência e intuição" retirado do nº3 da revista Lucifer de 2014. Recomenda-se a leitura da introdução publicada na parte 1.

Âkâśa

O espaço onde todas essas camadas de consciência permaneciam e residiam não está vazio, mas cheio daquilo que em Sânscrito se chama Âkâśa: substância viva universal. O Âkâśa é esse espaço.

Portanto, Âkâśa estende-se dos domínios muito divinos e espirituais aos domínios físicos. Quando Âkâśa está próximo dos reinos mais densos também é chamado de plano astral ou de Luz Astral. Esta Luz Astral é um domínio que é de estrutura mais etérica que o nosso mundo físico, e é por isso que não é percetível aos nossos sentidos.

A Luz Astral regista infalivelmente o que acontece na Terra. Neste contexto o termo “galeria de imagens” é por vezes usado. Todos os pensamentos, emoções e desejos são gravados aqui.


Barend Voorham

O Domínio Astral não está separado de nós. Somos parte dele. Na nossa natureza emocional e animal somos parte do astral. Nadamos, por assim dizer, através deste domínio, pois somos parte dele como um peixe é parte do mar. Constantemente produzimos novas impressões nele. Frequentemente percecionamos velhas impressões. Quando isto acontece dizemos que nos lembramos.

Mas estas impressões não têm de ser feitas por nós. Podem ser feitas originalmente por outros seres, ou por nós em vidas anteriores. Certamente temos, embora vaga, uma conexão a elas, porque de outro modo nós não as percecionaríamos.

Âkâśa superior e âkâśa inferior

De modo similar somos uma parte integral do Âkâśa nos nossos aspetos superiores de consciência. Não notamos isto habitualmente, porque ainda não aprendemos como nos focar neste estado de consciência. Como já ouviram o Ruud Melieste dizer, o estado superior de consciência é como um sono sem sonhos para nós. Temos ainda pouca afinidade com ele.

Como podemos apenas percecionar com a nossa própria consciência, é o nosso caráter – aquilo que somos – que determina se nós percecionamos as regiões inferiores no domínio astral ou o mais elevado do Âkâśa. É por isso que um ser apenas pode percecionar impressões que se encaixem na sua própria consciência desenvolvida. Um animal não se pode lembrar de pensamentos humanos, porque não pode ainda pensar e consequentemente não teve experiências com eles. Da mesma forma, um ser humano não pode se lembrar de assuntos divinos, isto é: ainda não. Primeiro ele deve aprender como fazê-lo.


Ovo Áurico

Todas as partes da nossa consciência estão envolvidas num veículo correspondente. A consciência física envolve-se num corpo de matéria física, que é de facto a forma inferior do astral. A consciência animal e pessoal molda-se ao veículo astral correspondente, enquanto as formas superiores da nossa consciência revestem-se nas camadas mais etéreas do Âkâśa. Todos estes diferentes veículos formam no seu conjunto um agregado, algo a que chamamos de Ovo Áurico. Este Ovo Áurico é onde estão contidas todas estas diferentes formas de consciência. Porque é que às vezes precisamos de muito esforço para nos lembrarmos de determinada coisa, enquanto outras vezes isso é feito sem esforço? Se a impressão é feita mais próxima do nosso próprio Ovo Áurico, podemos alcançá-la mais facilmente e recordaremos a impressão na nossa consciência mais rapidamente. Mas, algumas impressões são apenas sinais vagos que captamos de outros seres. Estas impressões dificilmente são feitas dentro de nós. São muito difíceis de lembrar.

Devemos olhar para isto desta maneira: todas as experiências sobre as quais refletimos, que se encaixam no nosso conhecimento e experiências, e sobre as quais pensamos regularmente, tornam-se parte do nosso Ovo Áurico, a nossa própria natureza. Todas as outras experiências, já não. Deixarão contudo, também uma marca, mas será necessário muito mais esforço da nossa parte para seguir a marca e rastrear a origem.



Recordando em muitos níveis

De facto, a vida é uma recordação constante: recuperar impressões para o nosso campo de perceção. Aprender é recordar. Crescer é recordar. A nossa consciência pessoal aprende quando ativa as perspetivas e o conhecimento que flui das formas mais elevadas de consciência. Ativamo-las e desenvolvemo-las – desdobramo-las – o que significa: lembramo-nos delas. O crescimento vem de dentro. Mesmo fisicamente, uma planta ou uma flor cresce de dentro para fora. Um corpo humano cresce da mesma maneira. Isto aplica-se também à consciência. Todas as capacidades e faculdades estão no interior, mas têm de fluir para o exterior.

Instinto

Como foi referido, experienciamos impressões em todas as camadas da nossa consciência composta, sejam elas feitas por nós próprios ou por outros seres. À memória da nossa natureza veicular, à consciência física e animal chamamos de instinto.

Os biólogos descrevem o instinto como um padrão de comportamento gravado, que ocorre sem que este comportamento tenha sido aprendido ou experienciado antes. É suposto ter sido herdado geneticamente. O instinto é encontrado tanto em seres humanos como em animais. Pense-se, por exemplo, nos movimentos reflexos.

Também dizemos que o instinto é herdado, contudo, não dos nossos antepassados mas de nós próprios. As experiências ganhas neste nível animal em vidas passadas não se perdem quando morremos. Contudo, não levamos estas experiências para o Devachan connosco, porque como Bouke van den Noort vos disse, naquele estado de consciência apenas revivemos e processamos as nossas experiências espirituais. Quando a consciência se manifesta novamente e começa a construir um corpo físico, todos os agregados de qualidades ganhos no passado tornar-se-ão ativos novamente.

Isso pode explicar as capacidades miraculosas dos animais. Um belo exemplo é a borboleta monarca. Durante várias gerações essas borboletas migram do México para o Canadá. As borboletas que emergem no Canadá voltam de volta para o local do México onde os seus bisavôs tinham nascido. Onde obtiveram o conhecimento para fazer essa enorme viagem? Para aquele local específico? Da sua consciência, onde as experiências de encarnações anteriores são preservadas.

A completa consciência física e instintiva do ser humano é de facto a memória das experiências ganhas e anteriormente processadas. Estas variam das atividades físicas específicas, como o batimento cardíaco e a respiração, às reações instintivas e aos estímulos sensoriais. Para nós, pensadores, estes são processos que acontecem automaticamente. Mas, somos incapazes de influenciá-los com os nossos pensamentos.


Podemos, quando pensamos de modo desarmonioso, até perturbar esses processos. Também podemos pôr essa nossa consciência animal em uso. Podemos treiná-la. Podemos disciplinar a nossa consciência instintiva de um modo tal, que nos seja possível, por exemplo, digitar com dez dedos. Podemos concentrar-nos totalmente nos pensamentos e palavras que queremos usar, enquanto nos nossos dedos encontram automaticamente as teclas certas no teclado.

Continua na próxima semana.

sábado, 8 de agosto de 2015

Três níveis de recordação: instinto, consciência e intuição (2ª parte)

Continuamos a tradução do artigo de Barend Voorham "Três níveis de recordação: instinto, consciência e intuição" retirado do nº3 da revista Lucifer de 2014. Recomenda-se a leitura da introdução publicada a semana passada.

O que é lembrar?

O que é, então, lembrar?

Significa: recordar-se de uma impressão que foi produzida na nossa consciência. Estamos a recuperar uma sensação, um pensamento ou uma visão para a consciência que perceciona.

Lembrar-se é trazer algo para o alcance da nossa perceção outra vez: as perceções físicas, emocionais, mentais ou impessoais.


Barend Voorham

Memória: a capacidade de recordar imagens na nossa consciência

À capacidade para lembrar chamamos de “memória”. Uma pessoa com uma boa memória pode lembrar-se das coisas facilmente.

Como todos sabemos, existem certas coisas das quais nos lembramos bem e outras que não. Existem crianças que podem facilmente distinguir dezenas de marcas de automóveis com base apenas nos faróis da frente, mas que não conseguem memorizar verbos irregulares do Francês.

Isto está tudo relacionado com aquilo que nos interessa ou atrai. O nosso foco é aquele onde as impressões são produzidas mais profundamente. A nossa consciência está treinada para estar ativa nesse plano, para que possa se recordar mais facilmente de determinadas impressões feitas nesse mesmo plano. Indivíduos fortemente emocionais têm uma maior propensão para recordar um insulto ocorrido há anos, enquanto uma pessoa intelectual esquecê-lo-á numa semana. Podemos portanto receber, de forma autoconsciente, na nossa perceção, impressões particulares que estão numa das camadas da nossa consciência. Recuperamos a capacidade de raciocínio matemático, recordamo-nos de um nome, de um acontecimento ou da caracterização física de um determinado local.


Memória: o local onde as impressões são feitas

No uso corrente da linguagem também consideramos a “memória” como o local onde determinada informação é guardada; a memória como o “arquivo da consciência”. A isto, o materialista associaria de imediato o cérebro. O cérebro é frequentemente comparado com um computador, porque no mundo digital as pessoas também falam sobre memória, que é então expressa em kilo, mega, giga e terabytes. Serão os nossos cérebros algum tipo de supercomputador?

Imagem da capa da revista Lucifer (nº3/2014)


Cérebros: repositórios de informação?

Como ouvimos ontem [NT: este texto resulta de uma palestra intitulada “Como a nossa consciência muda o nosso cérebro?” no âmbito do simpósio da ISIS Foundation - International Study-centre for Independent Search for truth] o cérebro é composto por dezenas de milhares de milhões de neurónios ou células nervosas. Todas estas células têm ligações com outras células. Estas ligações também se desconectam frequentemente. Isto tudo acontece num processo muito complexo e dinâmico, muito mais dinâmico e complicado do que o nosso computador pessoal. O modo como onde e quando esta informação poderia ser guardada neste sistema complexo e dinâmico que é o cérebro, é algo completamente desconhecido.

Em geral é assumido que a informação é transferida de um lado do cérebro para o outro lado. Neste contexto poder-se-ia falar de memória de curto e longo prazo. Dizem que tudo aquilo que experienciamos ou aprendemos será gravado primeiro na memória de curto prazo e depois na memória de longo prazo. Mas como pode a informação ser gravada nas células cerebrais que mudam constantemente, que constroem e quebram ligações constantemente – sinapses – entre si? Como podem estes neurónios conter as nossas memórias? Pensamos que esta teoria não é lógica e portanto que a memória não está localizada no nosso cérebro.

O cérebro é o instrumento dos pensamentos inferiores, portanto é o instrumento da nossa memória, especialmente nos seus aspetos inferiores. Nós, seres humanos, pensadores, lembramo-nos dos nossos pensamentos. Pelo facto de vivermos neste mundo material precisamos de um cérebro para moldar os nossos pensamentos inferiores e para traduzi-los para o domínio exterior. Mas, assumir que a memória reside no cérebro é acreditar que a música reside no rádio.


Herman Vermeulen é o líder da ST Point Loma


A memória está em todo o lado

Mas se a memória não reside no cérebro, onde poderia estar? A nossa resposta é: onde não poderia? A memória está em todo o lado.

Se lembrar significa ter a capacidade de trazer de volta impressões particulares à nossa perceção, então toda a natureza visível e invisível pode permitir lembrar-nos dessas impressões. Provavelmente já experienciámos isto.

Por exemplo, depois de muitos anos, regressamos a um local que visitámos de férias quando éramos jovens. Quando lá chegamos, recordar-nos-emos de forma precisa de todas as pessoas que vimos, do que elas fizeram e do que nós fizemos. Outro exemplo: ouvimos uma velha canção na rádio e lembramo-nos de certas ideias idealistas da nossa juventude. O local das nossas férias e a canção são na verdade os lugares onde as nossas memórias permanecem escondidas. Mas nunca conseguimos desconectar estas circunstâncias da nossa própria consciência. Existe algo na nossa consciência que se identifica com aquela canção e com aquele lugar em particular. Por causa deles lembramo-nos novamente de certos pensamentos e sentimentos.

Tudo está interligado

Isto pode ser clarificado pelo facto de existir uma Unidade essencial subjacente a toda a Natureza. Tudo está ligado. Não estamos separados de nada. As nossas experiências, não são portanto, nossa propriedade privada. Não estão armazenadas num arquivo privado do qual só nós temos a chave. Na verdade todos têm acesso a elas.


Isto dever-nos-ia fazer perceber a ampla responsabilidade que temos em relação à vida no nosso planeta. Por simplesmente termos um pensamento, deixamos uma marca na Natureza viva. Podemos reencontrar essa marca mais tarde – lembramo-nos – mas também é possível que outras pessoas a atraiam para o seu campo de perceção. E, por Natureza, não se entenda apenas a mera natureza visível, mas a totalidade da vida. Mais tarde isso será explicado.

Continua na próxima semana.

sábado, 1 de agosto de 2015

Três níveis de recordação: instinto, consciência e intuição (1ª parte)

O texto de que hoje se publica a primeira de cinco partes estava inicialmente reservada para outubro. Nesta altura do ano, o Lua em Escorpião costuma lançar um texto mais longo, tal como sucedeu o ano passado com "A Teosofia e as Sociedades Teosóficas" e há dois anos com "Mitos e Verdades do Conde de Saint-Germain". Infelizmente, por razões profissionais, não houve tempo para terminar a revisão final do texto (que será o mais longo desde que o blog foi criado) pelo que a sua publicação ficará adiada possivelmente para o início de outubro.

Em maio de 2014, a ISIS Foundation - ligada à Sociedade Teosófica de Point Loma - organizou um simpósio intitulado "Como a consciência muda o nosso cérebro". Os videos ainda estão disponíveis aqui.

As apresentações feitas no simpósio foram depois compiladas numa edição da excelente revista Lucifer, editada também pela ISIS Foundation (ISIS é a sigla para International Study-centre for Independent Search for truth) onde encontrei o artigo de Barend Voorham. Na verdade toda a revista merecia ser traduzida, mas é-me manifestamente impossível fazê-lo. De qualquer modo é altamente provável que muito proximamente o Lua em Escorpião publique mais textos dos teosofistas da Sociedade Teosófica Point Loma - BlavatskyHouse, uma das organizações mais ativas do movimento teosófico nos dias que correm.



Avancemos então para o texto:

Três níveis de recordação: instinto, consciência e intuição

por Barend Voorham

Uma vez ouvi uma menina perguntar à sua mãe se ela já alguma vez havia visto um carro branco. “Sim, já vi”, respondeu a mãe. “Eu também”, disse a menina, “mas foi há tanto tempo que já não me lembro”. Talvez esteja pensando, “ que curioso, como é possível se saber uma coisa da qual não nos recordamos?”

Porém, é possível! Existem casos que não conseguimos recordar, mas dos quais sabemos certamente alguma coisa. Bouke van den Noort contou-nos sobre um homem da Flandres que falou em Flamengo pela última vez quando tinha dois anos de idade, mas que se recordava deste idioma no leito da morte. Este caso foi relatado por um médico francês do século XIX.

Ele descreve uma história ainda mais notável: uma certa mulher à beira da morte costumava ser sonâmbula quando era uma menina. Era filha de um notário. Uma vez roubou um importante documento do seu pai enquanto estava sonâmbula e escondeu-o algures no escritório. O seu pai sofreu muitas perdas devido a isto. No leito da morte, a mulher subitamente gritou: “Eu roubei-o!” e recordou-se onde havia estado o documento durante todo esse tempo. Enquanto dormia, retirou o documento e escondeu-o, mas na sua consciência quotidiana, a mulher não tinha noção alguma do que havia feito. À beira da morte, ela subitamente recordou-se. (1)

A lucidez terminal é um daqueles mistérios da memória, que não pode ser explicada pela crença generalizada de que a memória está alojada no cérebro. Pelo contrário, só é possível clarificar estes casos notáveis se olharmos para os seres humanos como consciências compostas. Tentaremos elucidar.


  

Transmitindo e recebendo sinais que se imprimem na nossa consciência

A nossa consciência transmite sinais dos diferentes aspetos, ou “níveis” ou “camadas”, da sua natureza composta. Também recebe sinais. Está em sintonia com todos os tipos de seres conscientes e leva todos os outros seres conscientes a vibrar.

O que, por exemplo, observamos com os nossos sentidos – como imagens ou sons – provoca uma impressão no nosso corpo físico. Estes sinais são reencaminhados para os outros níveis da nossa consciência, mas primeiro afetam o corpo físico. Até a comida que comemos tem um efeito. Podemos nos recordar de todas estas impressões. Por exemplo, lembro-me sempre do cheiro do metropolitano quando penso em Paris.

Um desejo ou uma tendência produz uma impressão na nossa natureza animal. Por vezes esta impressão é tão poderosa que só muito dificilmente nos livramos dela. É o caso de um vício, por exemplo. A ideia de um cigarro pode ser muito forte; pode ser difícil tirá-la da cabeça.
Da mesma forma, pensamentos pessoais produzem uma impressão na consciência humana pessoal. Muitas vezes esquecemo-nos destas impressões inferiores.

As perceções e os pensamentos impessoais, que produzem uma impressão na nossa consciência humana superior são mais difíceis de experienciar porque não estamos frequentemente no estado de consciência superior. Por exemplo, quando compreendemos uma determinada lei matemática, essa perceção é impressa na nossa consciência.

As visões, a efetiva compreensão e a inspiração produzem impressões na nossa consciência espiritual. Por exemplo, se percebermos que matéria e consciência são em essência exatamente o mesmo, então este conceito fica gravado na nossa consciência espiritual. Na verdade já lá está – como se explicará mais adiante – mas a consciência humana pessoal consegue agora se sintonizar e observá-lo.


Finalmente existe a consciência divina que reverbera com as experiências de unidade. A maior parte das pessoas não teve estas experiências, mas se alguma vez tiver nunca mais a esquecerá.

(1) 1.  H.P. Blavatsky, “Memory in the dying”. H.P. Blavatsky Collected Writings. The Theosophical Publishing House, Wheaton 1990, Vol. 11, p. 446.

Continua na próxima semana.