Follow @luaem_escorpiao

sábado, 28 de abril de 2012

Hipátia de Alexandria


A morte de Hipátia de Alexandria, marca para alguns historiadores, o princípio do fim da escola neoplatónica. A bela Hipátia (o nome significa “a maior, a mais alta, a mais elevada") viveu entre (por volta de) 355 e  415 da era cristã e o seu brilhantismo no domínio da Matemática e da Filosofia resplandece até aos dias de hoje.

Em 2009, o realizador chileno-espanhol Alejandro Aménabar, lançou o filme “Ágora”, que conta a história de Hipátia de forma parcialmente ficcionada. Rachel Weisz não é na minha opinião totalmente convincente a representar a grande filósofa, faltando-lhe aquele magnetismo e carisma que lhe atribui a história.




Hipátia era filha de Théon, também ele filósofo, astrónomo e matemático, que acabou por contribuir fortemente para o germinar da semente da procura pela sabedoria em Hipátia, que haveria de se deslocar a Atenas para continuar os seus estudos com o líder da escola neoplatónica daquela cidade. Além do desenvolvimento intelectual, também dava prioridade à actividade física, praticando natação, remo e hipismo, entre outras modalidades.

Regressada a Alexandria e beneficiando de magníficos dotes oratórios, foi logo convidada a ensinar, tendo liderado a escola neoplatónica da famosa cidade.

Amónio Saccas iniciou a escola neoplatónica, depois continuada por Plotino, sendo Hipátia uma das suas continuadoras, a par de Jâmblico e Proclo, entre outros. Conforme refere José Manuel Anacleto na sua extensa obra “Alexandria e o Conhecimento Sagrado” (editada em 2008 pelo Centro Lusitano deUnificação Cultural), além do pensamento de Platão, o neoplatonismo contém “elementos da filosofia Pitagórica, Aristotélica e Estóica” e ainda “elementos das tradições religiosas e espirituais da Índia, Caldeia, Pérsia, Síria e até dos Druidas; elementos, em geral, dos Mistérios Egípcios e Gregos”. O livro de Anacleto contém muito mais material sobre esta escola e sobre os seus principais dinamizadores.

Segundo parece Hipátia conhecia e praticava a Teurgia, que é definida no Glossário Teosófico, como “a comunicação com os anjos e espíritos planetários e os meios para atraí-los para Terra”. Esta forma de magia (uma das três para além da magia natural e da Goecia ou magia negra) é desaconselhada pois devido à corrupção no mundo poderá se converter em Goecia. Hipátia era também versada em Geometria, Música e Poesia. A sua fama era tal que era conhecida como “a Filósofa” e as cartas eram-lhe dirigidas apenas com esta indicação.

Mas Hipátia não tinha só admiradores. Com efeito, os seus principais opositores e artífices da sua violentíssima morte foram os agentes de uma instituição que aparecia então com grande pujança, a Igreja. Entre os seus detractores destacava-se  o arcebispo de Alexandria, Cirilo. Apesar de Hipátia saber  que corria grande perigo, continuou ensinando os seus alunos (alguns vinham de distantes paragens), até que um dia um grupos de cristãos fanáticos, a atacou, rasgando-lhe as roupas e com conchas de abalone (um gastrópode), arrancaram-lhe a carne dos ossos. Os seus restos foram queimados e os seus trabalhos destruídos. Suspeita-se que a motivação para o seu assassinato seja de ordem política, pois Hipátia tinha influência junto do governador romano Orestes.

O bispo João de Nikiû, no séc. VII escrevia que Hipátia “era devotada à magia, aos astrolábios e aos instrumentos de música, e seduziu muitas pessoas por meio de ardis satânicos”. Este bispo dizia que ela tinha encantado muitas pessoas incluindo o governador de Alexandria. E assim justifica o seu assassinato às mãos de Pedro, o Leitor e da sua turba de fanáticos.

Resta dizer que Cirilo foi santificado.

Blavatsky menciona Hipátia nos seus escritos, referindo o seu brilhantismo e destino atroz em Ísis sem Véu (vol. III p.224-5, da edição em português).

sábado, 21 de abril de 2012

Instantes de Eternidade

Ao livro do Dr. Raymond Moody, Vida depois da Vida, amplamente divulgado, em que consta a sua investigação das chamadas Experiências de Quase Morte (EQM) conhecidas como “visões do leito de morte”, junta-se agora uma interessante publicação do mesmo autor, em conjunto com Paul Perry, com o título Instantes da Eternidade, traduzida e editada pela Pergaminho em 2011.


A nova abordagem enriquece-se com os testemunhos de familiares, amigos, e profissionais de saúde, que acompanharam os últimos instantes de vida de um moribundo, tendo presenciado diversos fenómenos de carácter espiritual. A estes relatos, presentes na obra mencionada, o Dr. Moody classificou de Experiências de Morte Partilhada.

 Estes mesmos fenómenos, vividos pelos acompanhantes, e não apenas pela pessoa que está a morrer, levantam questões inultrapassáveis sobre o mistério da morte, como período de transição para uma outra possível dimensão.

Como é mencionado no livro: “As experiências de morte partilhada, como actualmente se sabe, são visões do leito de morte simultaneamente testemunhadas pelas pessoas que estão presentes e pelo moribundo. Este tipo de experiência sempre foi enquadrado na categoria geral de visão do leito de morte, apesar de diferir muito das visões unilaterais, mais comuns.”

As explicações que pretendem reduzir as EQM a simples alucinações cerebrais de quem se encontra perto da morte não podem justificar, por si mesmas, as vivências aqui expostas. O interesse suscitado por estas experiências advém, precisamente, do facto de que os acompanhantes não se encontram às portas da morte, nem o seu cérebro está prestes a apagar-se. São histórias de pessoas que, por momentos, partilharam com o moribundo, ou falecido, fenómenos em alguns casos comuns aos já descritos nas EQM, confirmando as visões espirituais que já foram relatadas nestes casos.

Consciente do interesse, que o tema desperta, o autor optou por recolher diversos relatos, dessas mesmas experiências, tentando sistematizá-las e encontrar os seus pontos comuns. O próprio Dr. Moody foi testemunha de uma Experiência de Morte Partilhada, a qual foi vivenciada ainda por outros familiares próximos, no momento do falecimento da sua mãe.

A leitura do livro revela que existem cerca de sete elementos presentes nas Experiências de Morte Partilhada, e que são comuns aos diferentes relatos, embora não se encontrem todos, simultaneamente, em cada caso:

- Alterações à geometria do espaço. Os acompanhantes apercebem-se de uma mudança na forma do quarto, ou tomam consciência de uma espécie de abertura para outra realidade.

- A Luz Mística Uma Luz de Amor e Paz é comum nos relatos de EQM e mais uma vez também se encontra presente nestes casos.

- Música e sonoridades musicais Nos momentos finais é audível uma música proveniente de outra dimensão, que pode ser ouvida, inclusive, por mais do que uma pessoa presente no quarto.

- Saída do corpo físico. Sair do corpo físico é um dos elementos recorrentes do processo. Nos relatos expostos é comum que o acompanhante esteja conscientemente fora do corpo, e encontre o ser que acabou de falecer nas mesmas condições.

- Partilha da retrospectiva de vida do moribundo. Presente em muitas das EQM, é um outro elemento descrito por quem se encontra junto do moribundo.

- Acesso a dimensões espirituais. Mais de 50% das pessoas que vivenciam uma Experiência de Morte Partilhada referem a entrada num reino espiritual de uma outra dimensão. As descrições são semelhantes às relatadas nas EQM.

- Visão da névoa no momento da morte. Testemunhas relatam a presença de uma névoa que se desprende do corpo de quem está a morrer.

Os dados recolhidos abrem uma nova perspectiva perante a morte e tudo o que envolve esse momento de transição. É um livro que, no meu entender, vale bem a pena ser lido por quem se interessa, verdadeiramente, por estes temas.

sábado, 14 de abril de 2012

Afinal quem foi Jesus? (2ª parte)


Na 1ª parte, publicada no dia de Páscoa, vimos a história de Jesus segundo os registos dos judeus e a forma como difere do que podemos encontrar nos Evangelhos. Nesta 2ª e última parte decobriremos qual dessas versões é considerada mais fiável segundo a Teosofia original trazida ao mundo por HP Blavatsky com o auxílio dos Mestres de Sabedoria.

Um deles, o Mestre KH, na carta 38 (ML-90) a certa altura diz: “embora (...)  João Baptista nunca tenha ouvido falar de Jesus, que é uma abstracção espiritual e não foi um homem vivo naquela época”.

Noutro documento não tão conhecido, KH é ainda mais explícito. Numa tradução para um inglês de um texto de Eliphas Levi chamado “Os Paradoxos da Ciência Mais Elevada”, que se destinava a ser publicado na Revista da ST “O Teosofista”, surgiram umas notas assinadas por E.O (Eminente Ocultista), que era nada mais nada menos do que o Mestre KH. E é nestas notas que se encontra a referência mais explícita à história de Jehosuah. Na secção IV do texto, uma nota (ver a número 53 neste link) diz assim:
“Mas ele pregou um século antes do seu nascimento [referindo-se a Jesus]-E.O.”, ou seja, temos o próprio KH a fazer uma afirmação que confirma que Jesus viveu no período temporal mencionado nos documentos da religião judaica.

O tradutor do texto foi Allan Octavian Hume. Este inglês esteve envolvido com a Sociedade Teosófica durante um breve período, tendo trocado correspondência com os Mestres, exactamente na mesma altura que Alfred Percy Sinnett. O seu principal contributo foi o de fundador do Congresso Nacional Indiano, um partido político que teria um papel fundamental no movimento de independência indiano, que viria a triunfar em meados do século XX. Hume, que viveu entre 1829 e 1912 era também um ornitologista amador, algo que chegou-lhe a valer comentários bastantes irónicos por parte de um dos Mestres. Hume tinha um grande intelecto, mas era excessivamente céptico e algo arrogante. No fim acabou por se virar contra os Mestres (a quem chamou de "Asiáticos egoístas") e contra Helena Blavatsky. Tal como muitos personagens daquela época que estiveram ligadas à Sociedade Teosófica, na minha opinião, Allan Hume representa um grupo  de pessoas: o daqueles que por mais provas que tenham, acabam por procurar uma prova adicional que momentaneamente os parece satisfazer, mas passado algum tempo voltam ao início do ciclo.  Inevitavelmente acabam por se tornar cépticos e mesmo que continuem envolvidos com a Teosofia têm uma postura destrutiva.

O texto traduzido de Eliphas Levi, além das observações de KH, tinha as notas do tradutor Hume, sendo que HPB acrescentou também alguns pontos, com o intuito de corrigir Hume. Essas correcções podem ser encontrados num dos volumes dos seus Escritos Reunidos, aqui.

Depois da nota de KH, “Mas ele pregou um século antes do seu nascimento”, Hume escreve:
“Posso explicar porque é que a maior parte dos ocultistas eminentes consideram o Evangelho Cristão como algo idealista, baseado num Jesus que viveu um tempo considerável antes do Anno Domini. Este Jesus, Jeshu Ben Panthera, viveu entre 120 e 70 AC, foi um aluno do Rabi Joachim Ben Perachia, seu tio-avô, com quem, durante a perseguição aos Judeus por Alexandre Janeu, fugiu para Alexandria e foi iniciado nos Mistérios Egípcios ou magia. Ao regressar à Palestina, este Jesus foi acusado e condenado por heresia e feitiçaria (ele era inquestionavelmente um Adepto) e enforcado na árvore da infâmia (a cruz romana) do lado de fora da cidade de Lud ou Lydda. Este homem foi um personagem histórico, e a sua vida e morte estão indubitavelmente provadas. A razão porque eles [os ocultistas eminentes] olham para o Evangelho Cristão como um ideal, baseado na história de Jesus é porque não existem registos contemporâneos ou quase contemporâneos do Evangelho Cristão por parte de historiadores confiáveis. A única passagem em [Flávio] Josefo que se refere a Jesus Cristo é admitida por todos como sendo uma falsificação pura. Claramente Josefo nunca mencionou Cristo, e se as narrativas do Evangelho estivessem correctas ele tê-lo-ia feito. Uma vez mais, Fílon de Alexandria, o mais conhecedor dos historiadores, contemporâneo do Jesus dos Evangelhos, um homem cujo nascimento antecedeu e cuja morte sucedeu ao nascimento e morte de Jesus, respectivamente por dez e quinze anos; que visitou Jerusalém desde Alexandria várias vezes durante a sua longa carreira, e que deve ter estado em Jerusalém pouco tempo depois da crucificação; que, ao descrever as várias seitas religiosas, sociedades e corporações da Palestina, tem o maior cuidado em não omitir ninguém, reparando até nas mais insignificantes, nunca aparentemente ouviu nada (e certamente não menciona nada) sobre Cristo, a crucificação ou qualquer um dos factos celebrados nos Evangelhos. Mais, eles perguntam se Cristo realmente viveu no tempo que se alega, como é possível não existir nenhuma referência no Mishná. O Mishná foi fundado por Hilel, o Ancião em 40 AC e editado e amplificado (até ao início do Século III da nossa Era) em Tiberíades no mar da Galileia, o foco das acções dos apóstolos bíblicos e dos milagres de Cristo. O Mishná contém um registo ininterrupto de todos os heresiarcas e rebeldes contra a autoridade do Sinédrio Judeu e é um resumo diário das acções da sinagoga e uma história dos Fariseus, aqueles que foram acusados de levar Jesus à morte. Como é possível pergunta-se, que as narrativas do Evangelho sejam verdadeiras, e que os acontecimentos aí registados tivessem ocorrido na época alegada,  quando nenhuma referência se encontra para esta sucessão de acontecimentos decidadamente importantes (embora os Rabis acreditassem que Jesus era um impostor) nesta crónica muito elaborada, cujo principal objectivo era registar todas as heresias, divisões e assuntos que afectavam a religião ortodoxa judaica.
Agora perceber-se-á porque é que E.O. disse que Jesus pregou 100 anos antes de ter nascido -NT”.

Aqui está o link para a versão em pdf deste texto (em inglês).

Hume poder-se-á ter baseado num texto de HPB, chamado “ A Word with Zero”, que é uma resposta de HPB a alguém que tinha atacado os teosofistas num jornal indiano, acusando-os de desrespeitarem as figuras de Jesus e São Paulo. Este texto também está nos Escritos Reunidos e podem vê-lo aqui.  

É fácil perceber que muitos mitos foram associados a Jesus. Robert Zoller, na Lição Três do Curso Avançado em Astrologia Medieval refere paralelos no mito de Jesus com o do Deus Grego Adónis e na identificação de ambos com o Sol. Outra curiosidade de Jesus, tem a ver com a ligação à imagem do peixe (que identificava os primeiros cristãos). Ora Peixe deriva do grego ichtys que se escreve ixthus. É um anagrama de Jesus Christos Theos Unigenos Sator. Significa “Jesus (que se pronuncia Yesus) Cristo, salvador unigénito de Deus”.
A mitologia ligada a Jesus, é também focada na primeira parte do polémico filme Zeitgeist, que se tornou viral na internet. Aqui está o link para os primeiros dez minutos do filme, na versão com dobragem em português.

Para saber mais sobre este assunto – que raramente é abordado de frente pelos teosofistas, com medo de ferir suceptibilidades (quão afastado anda o espírito de Helena Blavatsky!), recomendo vivamente o livro de José Manuel Anacleto, “Cristo”, editado pelo Centro Lusitano de Unificação Cultural. A partir de uma série de artigos publicados na revista Biosofia em 2002 e 2003, Anacleto juntou mais material  e publicou um pequeno livro onde se pode encontrar, além desta mais confiável história de Jesus, o enquadramento histórico da falsificação que se produziu nos séculos seguintes à sua morte, referências a algumas das cenas negras que caracterizaram os primórdios da Igreja e o enquadramento do Cristianismo  no conjunto das grandes religiões e suas ligações a outras tradições.

A força do nome Jesus é muito grande no Mundo. Foi sem dúvida, um grande instrutor, o maior do seu tempo, como diz Blavatsky. Uma série de eventos conduziu a que a maior religião do nosso planeta esteja a ele ligada.
Nos momento de aflição é o seu nome que dizemos. Há dias contavam-me que o pêndulo (da radiestesia) responde lindamente a uma folha escrita com o nome Jesus...

Não se pretende aqui diminuir a figura de Jesus e só pensará dessa forma quem tiver a cabeça cheia de preconceitos. O ideal de Cristo tem inspirado uma grande parte da Humanidade, embora na minha opinião quem tem maiores responsabilidades em veicular correctamente esse ideal tem falhado rotundamente e arrastado a civilização ocidental para o materialismo atroz.

domingo, 8 de abril de 2012

Afinal quem foi Jesus? (1ª parte)


Jesus Cristo é uma figura de tal forma omnipresente, especialmente nas sociedades onde predomina a religião cristã, que o levantar de dúvidas sobre a sua história de vida provoca reacções às vezes primárias. Isto é natural, até porque praticamente toda a gente entra em contacto com crenças religiosas em criança e de uma forma bastante emocional, pelo que em muitas situações ninguém se atreve a questionar a veracidade da história convencional sobre Jesus Cristo.

Não me recordo se no ano passado se há dois anos, os coordenadores do site Filosofia Esotérica fizeram chegar a milhares de pessoas que estão nas suas listas de e-mail um texto de Eliphas Levi, com a versão dos judeus sobre a personagem de Jesus Cristo. Houve elogios pela coragem em enviar um texto tão polémico e que quebra imensas ideias relacionadas com aquele Iniciado, mas também alguma indignação e pedidos para não voltar a receber mais textos.

Não espero nem procuro tanta controvérsia, mas em tempo de Páscoa este parece-me um tema bastante a propósito. Julgo que o conjunto de fontes que reuni suscitará ao leitor alguma curiosidade em investigar mais sobre a matéria e também em reflectir sobre a força que o poder estabelecido (seja ele político, religioso ou cultural) tem, em nos inculcar uma determinada ideia.

Comecemos por falar um pouco sobre Eliphas Levi (um pseudónimo resultante da tradução do seu nome de baptismo para hebraico). Nascido em 1810 em Paris, com o nome Alphonse Louis Constant, foi durante algum tempo sacerdote da Igreja Católica Romana, ligação que perderia quando ganhou fama de cabalista. Publicou várias obras, onde interpretava doutrinas arcaicas e abordava temas relacionados com a cabala e com magia. Bastas vezes escrevia de forma cautelosa, para não causar ainda maior ira na estrutura eclesiástica, isto principalmente quando relacionava passagens da Bíblia com Ocultismo. Blavatsky chamou-o de “paradoxo encarnado”. Haveria de falecer em 1875, facto em relação ao qual já tinha sido avisado por um estranho visitante alguns anos antes. Esse episódio e mais detalhes sobre a vida de Levi podem ser lidos aqui. Podemos dizer que foi um percursor do trabalho de Helena Blavatsky e esse facto não terá sido por acaso.

No seu livro “A Ciência dos Espíritos” (Editora Pensamento), Levi diz que os Evangelhos não são para serem entendidos de forma literal e acrescenta que os apóstolos nunca esconderam esse facto (ver p.14 da op. cit.). Na página anterior ele afirma que a vida de Jesus é “a lenda ideal do homem perfeito” já antes esboçada na Índia, com a história de Krishna. De seguida (p.19) começa então o relato da “História de Jesus segundo os talmudistas” que tentarei resumir.

Na Judeia reinava Alexandre Janeu, nos inícios do século I A.C. Nas suas terras vivia um homem de má extirpe chamado José Panther, vizinho de Maria, que era cabeleireira de mulheres. Esta foi prometida em casamento a Joanan, homem modesto e religioso.
Panther ao passar na porta de casa de Maria agradou-se dela e incentivado pela própria mãe, vestiu-se como Joanan e entrou na casa de Maria com a cabeça coberta por um capuz. Abusou dela uma primeira e segunda vez. Maria ficou grávida e teve um filho chamado Jehosuah.
Dada a sua grande inteligência já em criança, Maria arranjou-lhe um mestre, de nome Elcanan, tendo mais tarde um rabino (Jehosuah, filho de Perachiah) o iniciado nos conhecimentos secretos. Mas Janeu massacrou os iniciados, fazendo com que Jehosuah fugisse para Alexandria. Este foi o massacre dos inocentes que se atribui incorrectamente a Herodes. Essa carnificina não foi dirigida a crianças de forma literalmente, mas aos nascidos de novo, os iniciados. E historicamente os dados apontam para Janeu e não para Herodes, pois no reino deste não existem relatos de assassinatos em massa.
Jehosuah, ou seja, Jesus trabalhou no Egipto como carpinteiro (onde aprendeu os Mistérios) tendo regressado à Judeia quando a perseguição terminou. É nessa altura que é elucidado dos factos que envolveram a sua concepção, algo que o perturba. O diálogo é elucidativo:
“- Acreditais que eu possa honrar este homem [José Panther] como meu pai?
- Não! Responderam eles [os discípulos] a uma voz.
- Acreditais que minha mãe seja impura?
- Não, responderam eles mais uma vez.
 Pois bem - disse Jesus - não tenho nenhum pai na terra, meu pai é Deus, que se encontra no céu. E, quanto à minha mãe, sua virgindade não pode ser maculada por um crime que ela não cometeu. Considero-a como sempre, virgem. Pensais como eu?
-Sim, responderam os discípulos.”
Jesus será vítima do ódio dos sacerdotes. Afinal ele transmitia ao povo um conhecimento que eles desejavam reservar apenas para si. Jesus tinha descoberto a teologia oculta de Israel e comparava-a com a sabedoria do Egipto e tentou fazer uma síntese religiosa universal (onde é que nós já ouvimos isto?). Então, os sacerdotes conceberam um plano para aniquilar Jesus, enviando para junto dele Judas Iscariotes, que provocou escândalo no Templo ao se prostrar diante de Jesus, dando a ideia que este queria ser adorado como Deus. Na confusão Jesus fugiu para o Jardim das Oliveiras onde foi capturado por guardas. Foi açoitado e apedrejado num sítio chamado Lud ou Lydda. Morreu numa cruz em forma de forcado. Foi retirado por discípulos que o puseram no fundo do leito de uma torrente, por isso o seu corpo nunca mais foi encontrado.

Eliphas Levi considera essa a narrativa fundamental, mas existem algumas variantes entre o Talmude e o Sepher Toldoth Jeshu (Eliphas acha a primeira fonte mais digna de confiança).
Alguns cristãos consideravam muito ofensiva esta versão e por isso os judeus ocultavam os livros que a continham. No entanto, é visível o respeito pelo carácter nobre de Jesus e pela pureza de Maria. E termino aqui a referência ao livro de Levi.

Curioso sem dúvida, é que no final do Século IV, Santo Epifânio, numa genealogia de Jesus, chama ao seu pai de José Ben Panthera...

Para quem conhece os Evangelhos muitos paralelos podem ser estabelecidos.
Refira-se que não existem provas nenhumas da existência de Jesus Cristo, sem ser nos livros sagrados e nestas obras do judaísmo. As referências encontrados em escritos do historiador romano Flávio Josefo são falsificações feitas pela mão de Eusébio de Cesareia e outros. Note-se que na altura o Cristianismo estava em fase de afirmação, e existia uma corrente (havia uma grande heterogeneidade entre os seguidores de Jesus) bastante fanática, que de minoritária, passou a maioritária e acabou por prevalecer. Estes acontecimentos estão descritos na obra de Elaine Pagels, “Os evangelhos gnósticos” (editada em Portugal pela Via Óptima). Pode surpreender saber que foi a linha radical que se sobrepôs dentro do Cristianismo. Quem visionar o filme "Ágora" de Alejandro Amenábar, que retrata a vida da filósofa Hipátia de Alexandria, não ficará com certeza tão surpreso.

Blavatsky nos seus Escritos Reunidos (Collected Writings) é taxativa:
"[Jesus] é uma personagem deificada, do tipo glorificado dos grandes Hierofantes dos templos, e a sua história, tal como é contada no Novo Testamento, é uma alegoria, que asseguradamente contém profundas verdades esotéricas, embora sejam uma alegoria...Cada acto de Jesus no Novo Testamento, cada palavra que lhe é atribuída, cada acontecimento relacionado com ele durante os três anos de missão, que se diz que terá cumprido, assenta no programa dos Ciclos de Iniciação, um ciclo baseado na Precessão dos Equinócios e nos Signos do Zodíaco”.

Na 2ª parte deste post, veremos o que tem mais a Teosofia a dizer sobre a biografia de Jesus.

domingo, 1 de abril de 2012

Qual o interesse da Astrologia para um teosofista?


Já várias vezes fiz a mim mesmo esta pergunta. Sabendo que a lei do Karma é algo inquestionável e conceito central na Teosofia, para quê perder tempo aprendendo um sem número de técnicas astrológicas, quando há incertezas em pontos chaves da Velha Arte como a divisão das casas e o tipo correcto de astrologia (a ocidental ou a védica)?

Robert Zoller na introdução ao “Curso de Astrologia Medieval” (DMA) comercializado pela New Library, Ltd elucida sobre a importância da Velha Arte e da relação da mesma com a filosofia/espiritualidade. Zoller a certa altura do texto diz que “é preferível aprender astrologia primeiro; filosofia/doutrinas espirituais depois ou pelo menos não em simultâneo”. “No entanto”, continua o credenciado astrólogo norte-americano, “por razões que serão claras a quem pratica Astrologia medieval, algum tipo de sistema espiritual é visto como essencial para a correcta prática de Astrologia. Isto acontece porque, enquanto à Astrologia per se falta uma doutrina espiritual própria, a sua prática leva, eventualmente, ao reconhecimento da necessidade de ter uma doutrina“. Mas Zoller não aponta um caminho concreto. Contudo refere que “embora, historicamente, a Astrologia medieval tenha as suas fundações filosóficas e metafísicas no Hermetismo, Neoplatonismo e Cabala, julgo não ser sensato perscrever e apoiar uma visão religiosa ou espiritual em detrimento de outras”. O único senão é que essa visão não pode excluir a Astrologia, senão a confusão é total. “O que cada um de nós necessita de um  caminho espiritual/filosófico”, diz Zoller, “é de um guia para a verdade eterna e universal e de métodos que nos permitam perceber o Bem e nos fazer encontrar com o nosso Eu verdadeiro”.

Zoller afirma inequivocamente que a Astrologia medieval é em grande medida fatalista. Existem condicionantes inultrapassáveis para o ser humano, uma realidade que a Astrologia Psicológica tem adocicado. Refere Zoller que, “só reconhecendo que estamos sujeitos às leis dos Céus poderemos escapar da nossa prisão astral e verdadeiramente começar a nossa aproximação à Sabedoria. Esta tem três requisitos: Medo de Deus, Conhecimento do Eu e Amor ao Próximo.

Medo de Deus é o reconhecimento de que estamos presos à nossa constelação astral.
O Conhecimento do Eu é a consciência imediata e duradoura daquela parte de nós que está acima da constelação astral e que é indeterminada [no sentido em que não está sujeita a um destino], universal, com capacidade de amar e livre.
O Amor ao Próximo assenta num relacionamento correcto, justiça, suporte mútuo e conhecimento de todas as coisas boas, vida longa e liberdade.

Os ensinamentos herméticos referem-se ao homem com um ser duplo. O seu lado material é governado pelo destino. O seu lado divino é livre. Aquele que quer ser livre do destino deve cultivar este último lado.(...) Através da Sabedoria, os sábios podem escapar ao horóscopo e ao destino. Devem contudo confrontar-se com os factos da sua existência física. O corpo continua sujeito às regras das estrelas. Mas, tendo atingido a Sabedoria, atingem também a liberdade. Sabem que não são os seus corpos e o que eles são é algo indeterminado e que não pode ser governado pelo destino”.

Zoller mais adiante acrescenta que ”a astrologia natal é o rés-do-chão da prisão que é a nossa constelação. Espiritualmente, tudo o que podemos esperar do rés-do-chão é o conhecimento de onde encontrar as saídas, as rotas de fuga.
A astrologia per se não tira ninguém da prisão. Essa é a função da religião, filosofia e das práticas espirituais (...). Sendo verdade que a astrologia conduz-nos à percepção da existência necessária de uma Inteligência superior, ela não pode por si própria, levar-nos através de um portal ao paraíso.
O que a astrologia pode fazer é descrever antecipadamente as características das nossas vidas. A delineação precisa da figura natal retrata a nossa realidade objectiva. Responde a questões tais como: Vou casar? Terei filhos? Que tipo de profissão terei? Como estarão as minhas Finanças este ano? Serei preso? Como está a minha saúde?

A Astrologia natal tem sido tradicionalmente usada de três modos: para descrever antecipadamente o que acontecerá nas nossas vidas, para manipular a realidade em que vivemos e para explicar as causas espirituais escondidas por trás dos fenómenos que se passam nas nossas vidas. Esta tentativa de manipulação da realidade equivale a magia e está cheia de dificuldades e de perigos escondidos. Muitos astrólogos têm tropeçado nessas armadilhas. São evitadas se a Astrologia for usada como o caminho filosófico que leva ao conhecimento do Um Universal, mais do que ao conhecimento do Eu idiossincrático”.

Pessoalmente uso a Teosofia como a tal fundação de que a Astrologia carece. A Velha Arte é uma óptima forma de reflectir sobre o funcionamento do Universo e sobre o percurso humano numa vida (ou até em várias, pois podemos intuir um pouco sobre a anterior e a próxima). Mas esta escolha deve ser individual. Ligações estreitas entre a Teosofia e  a Astrologia que se criaram nalgumas associações de praticantes de astrologia levaram depois a convulsões e cisões, como o caso do Astrological Lodge of London, que desde a morte do fundador, Alan Leo  viveu periodicamente alturas de confronto entre os astrólogos teosofistas e alguns dos restantes membros. Alguns desses episódios estão descritos aqui.

Para terminar uma frase interessante de Zoller. Diz o astrólogo que “Magia é a operação do espírito sobre o espírito. Astrologia é a operação do espírito sobre o corpo. Alquimia é a operação do corpo sobre o corpo”. As três artes são uma trindade do Oculto, que juntas revelam a foram de operar do Divino.