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sábado, 26 de outubro de 2013

Dogmatismo na Teosofia

Ainda relacionado com o tema subjacente ao artigo cuja última parte foi colocada neste blog na semana passada (a imposição/discussão de pontos de vista, o dogmatismo, a proclamação de "verdades"...) o teosofista Carl Ek, da Sociedade Teosófica de Point Loma - Blavatsky House, recuperou o texto que abaixo se traduz e que foi escrito por um dos fundadores da Sociedade Teosófica, William Quan Judge.

Carl Ek

Nascido em Dublin em 1851, Judge correu sério perigo de vida quando tinha 7 anos, tendo chegado a ser dado como morto pelo médico. Milagrosamente recuperou e partir aí começou a se interessar por assuntos místicos. Uma explicação para o "milagre" é dado aqui (ver capítulo com o título "In a borrowed body", ou seja, "Num corpo emprestado"). Em 1864 a família emigra para os EUA e 10 anos depois Judge contrai matrimónio com uma metodista, que por essa razão era pouco amigável dos interesses do marido. Foi um casamento infeliz agravado pela morte da única filha, ainda em criança.

William Quan Judge

Foi também em 1874 que viria a conhecer Helena Blavatsky, através de Olcott e a 8 de setembro de 1875, Judge seria, junto com Olcott, Blavatsky e mais alguns elementos, um dos co-fundadores da Sociedade Teosófica (ST). Pouco depois Judge tornar-se-ia chela do mestre Morya e um dos grandes ajudantes de Blavatsky, principalmente no período em que esta viveu nos EUA. Em 1884, Judge terá sido iniciado pelo mestre M., aquando da sua visita à Índia. Regressou aos Estados Unidos onde com redrobrada energia continuou o trabalho de divulgar a Teosofia naquele vasto país. Em 1891 morre em Londres Helena Blavatsky, ficando Judge e Annie Besant como co-líderes da Secção Esotérica da ST. Em 1893, Judge publica a sua obra talvez mais conhecida, "O Oceano de Teosofia", uma explanação muito simples e clara dos princípios mais relevantes da Sabedoria Perene. No entanto, uma complicada série de acontecimentos e intrigas acabaria por conduzir a fortes desentendimentos entre Besant e Judge, acabando este em 1895 por autonimizar a Secção Americana da Sociedade Teosófica original. No ano seguinte, Judge acaba por falecer aos 44 anos de idade. As desavenças entre aqueles dois herdeiros de Blavatsky, são ainda alvo de discussão nos dias de hoje. Recordo aqui a visão de Brett Forray, que já deu azo a um post no Lua em Escorpião há cerca de um ano.

Esta resenha foi feita com base no texto sobre a vida de Judge que pode ser encontrada no site da Fundácion Blavatsky, de onde foram retiradas muitas das fotos que ilustram este texto. Um agradecimento também ao Ivan Silvestre que fez a revisão da tradução do texto abaixo.

Uma das edições em inglês de "O Oceano
 de Teosofia"



Dogmatismo na Teosofia, por William Quan Judge

A Sociedade Teosófica foi fundada para acabar com o dogmatismo. Este é um dos significados do primeiro objetivo – a Fraternidade Universal. O Coronel H.S. Olcott, no seu discurso inaugural em 1875, no Mott Memorial Hall, em Nova Iorque, disse que esse era o objetivo em vista, citando o mau efeito que a intolerância tinha tido no passado. Esse discurso foi visto pela Madame H.P. Blavatsky antes da sua leitura, ou os seus conteúdos foram-lhe comunicados, portanto teve a sua concordância, pois ela esteve presente quando foi lido.

Henry Steel Olcott


Na “Conclusão” de “A Chave para a Teosofia”, HPB refere-se novamente a este assunto e expressa a esperança de que a Sociedade não se venha a tornar, após a sua morte, dogmática ou cristalizada nalgum estágio de pensamento ou filosofia, mas que se possa manter livre e aberta, com membros sensatos e altruístas. Em todos os seus escritos e observações, privada ou publicamente, ela constantemente reiterou esta ideia. Sobre isto, o autor [NT: W.Q. Judge] tem evidências diretas pelas suas declarações em privado.
Se o nosso esforço é para ter êxito, devemos evitar o dogmatismo na Teosofia tanto como noutra coisa qualquer, pois ao dogmatizarmos e ao insistirmos na nossa construção de Teosofia, perdemos de vista a Fraternidade Universal e semeamos complicações futuras.

Há uma grande probabilidade de membros da Sociedade insistirem numa certa ortodoxia nas nossas fileiras. Já o têm feito aqui e ali, e isto é uma nota de aviso para os alertar para o perigo. Não existe ortodoxia na nossa Sociedade. Apesar de nove décimos dos membros acreditarem na reencarnação, no karma, na constituição setenária e em tudo o mais, e apesar de os mais proeminentes estarem envolvidos em promulgar estas e outras doutrinas, as fileiras da Sociedade devem ser sempre mantidas abertas e a ninguém deve ser dito que ele não é um ortodoxo ou um bom teosofista porque não acredita nestas doutrinas. Apenas é pedida a adesão de todos à Fraternidade Universal e à sua prática na procura pela verdade. Os esforços daqueles que estão desse modo a promulgar ideias específicas, são suportados pelo segundo objetivo da Sociedade, que qualquer um é livre de recusar ou de seguir, conforme preferir. Podemos negar – de modo não dogmático – a reencarnação e outras doutrinas, ou podemos afirmar a crença num Deus pessoal ou impessoal, e ainda sermos um bom membro da Sociedade, desde que a Fraternidade Universal seja subscrita e posta em prática.

Se um membro diz que ele quer enunciar a existência de um Deus, ou que não pode acreditar na reencarnação, nenhum outro deve condenar, estabelecer comparações ou apontar para os escritos de HPB ou de outrem para mostrar que esse membro é não-teosófico. As grandes mentes da Terra estão fascinadas por grandes ideias como estas, e mesmo assim, mantendo-as, podem ainda procurar pela verdade com os outros, num perfeito espírito de tolerância.

Mas ao mesmo tempo é óbvio que, entrando na Sociedade e então, sob o nosso fundamento prévio de tolerância, asseverar que a Teosofia não deve ser estudada, que o vasto conjunto de pensamento e filosofia oferecida na nossa literatura não deve ser investigado, é algo não teosófico, impraticável e absurdo, pois iria anular o próprio objetivo da nossa organização; é um dogmatismo que deriva da negação e indiferença. Devemos estudar a filosofia e as doutrinas que nos são oferecidas antes de estarmos numa posição de passar julgamento e dizer que não são verdade ou que deveriam ser rejeitadas. Julgar e rejeitar antes de analisar é típico das mentes tacanhas ou de dogmáticos preconceituosos.

E como o vasto conjunto de filosofia, ciência e ética que nos foi dada por H.P.Blavatsky e os seus instrutores tem sobre ele o carimbo da investigação, razoabilidade, antiguidade e sabedoria, exige a nossa melhor e prioritária consideração de modo a que possamos com aptidão, concluir sobre a sua aceitação ou rejeição.

Helena P. Blavatsky

Só então, um membro da Sociedade, independentemente da sua posição das nossas fileiras ser mais ou menos elevada, tem o direito de promulgar todas as ideias filosóficas e éticas encontradas na nossa literatura o melhor que conseguir, e ninguém tem o direito de se opor, desde que essa promulgação seja acompanhada de uma afirmação clara que não é autorizada ou considerada ortodoxa por qualquer declaração da estrutura da nossa S.T.. A nossa Sociedade deve permanecer livre e aberta, em qualquer circunstância, e porque nos recusamos a enunciar crenças como uma Sociedade, permanecemos poucos em número, mas podemos sempre ser fortes em influência.

Path, janeiro de 1892

sábado, 19 de outubro de 2013

O confronto de pontos de vista (3ª parte)

Concluímos hoje a publicação de um conjunto de excertos de mensagens do conhecido teosofista filipino, Vicente Hao Chin, Jr. em resposta ao grupo liderado por C.C. Aveline. Para perceber todo o contexto é imprescindível ler as mensagens anteriores, que podem ser acedidas aqui e aqui.

Vicente Hao Chin, Jr

No dia seguinte a ter colocado a mensagem que foi traduzida no post da semana passada, Hao Chin, Jr. prosseguiu na sua paciente “epístola”. O assunto é o mesmo, a cura, embora salpicado por um tema transversal a todas as mensagens - o modo correto de dialogar.

“Quando você faz um post para o grupo, assume-se que é para discussão, não uma afirmação unidirecional. Portanto, quando pedimos uma clarificação, você deseja se opor? Se você não quer que sejam colocadas questões, então não coloque mensagens aqui.

O tema da cura é significativo, pois muitos teosofistas estão envolvidos num ou noutro tipo de cura. Quando (…) se opõe às práticas de cura e alega que “a cura não é ensinada na teosofia” então ele deve defender isto, pois é um assunto de interesse central em termos teosóficos. Como se vê, é ele quem parece ter falhado no entendimento da teosofia de HPB e dos Mahatmas sobre a cura.

Helena P. Blavatsky 

Você declara que as curas de Olcott usavam  “o magnetismo direto dos Mestres”. Isto é, estou em crer, incorreto. Em primeiro lugar, o próprio Olcott fica fraco quando cura (Old Diary Leaves, III, 23), portanto é o seu próprio magnetismo [que usa]. Em segundo lugar, HPB explicitamente escreveu que quando uma pessoa pratica cura mesmérica é o magnetismo do operador que está sendo usado:

“Aqueles que podem…sentir um chamamento para curar os enfermos, devem ter presente que todo o magnetismo curativo que é conduzido pela vontade para os corpos dos seus pacientes, sai dos seus próprios sistemas. O que eles têm, podem dar; não mais do que isso.” (CW IV, 385).


(…) abordou a causa da doença, que é o karma. Não tenho problema com esta perspetiva e estou em concordância total com ela. Mas este é um tópico diferente e não obvia o facto de que ele tem uma noção errada da atitude da teosofia (HPB/Mahatmas) para com a cura.

No seu post, (…) [você] traz à luz outras coisas que não estão relacionadas à partida com este assunto. Dá-me a impressão que você está outra vez a mudar o tópico.(…)

 Para concluir: HPB e os Mahatmas claramente mostraram um interesse ativo em práticas de cura, particularmente na cura mesmérica, e de facto encorajaram pessoas a aprendê-la e assim a ajudar outros. Assim é incorreto (…) condenar radicalmente qualquer apoio dado à cura, como no caso de Hodson.
Quatro dias depois, Hao Chin prosseguiu, mas o tema desta vez era o ritualismo religioso…

“A própria citação que você fez das Cartas dos Mahatmas contém uma das respostas à sua questão sobre o porquê de algumas pessoas estarem ainda envolvidas em religião e cerimónias. Aqui está a citação completa de uma carta do Mahatma KH:

“Dentro de cerca de uma semana – novas cerimónias religiosas, novas bolhas resplandecentes para divertir os bebés, e mais uma vez estarei ocupado noite e dia, pela manhã, ao meio-dia e no início da noite. Às vezes sinto um sentimento passageiro de tristeza pelo facto de que os Chohans não tenham tido a feliz ideia de permitir-nos o “luxo” de possuir um pouco de tempo livre.” (Cartas dos Mahatmas, carta 68, Vol.I, p.317-8).



Esta passagem mostra que o próprio Mahatma KH está pessoalmente envolvido em tais cerimónias religiosas “para divertir os bebés”, e por causa disso ele estaria ocupado dia e noite. Precisamos de nos perguntar: para alguém que acabou de condenar a religião de modo tão veemente (Carta 88) porque está ele ainda envolvido em tais rituais religiosos? Porque ele não abole todos os rituais ou simplesmente se recusa a participar nos mesmos? As mesmas palavras que você usa para criticar Hodson relativamente ao envolvimento deste com o Cristianismo também se aplicam ao Mahatma KH. Está você preparado para dirigir a mesma crítica contra o Mahatma? Se não, porquê?

Eu tenho as minhas especulações sobre a razão pela qual o Mahatma KH ainda está envolvido com rituais externos e você poderá ter as suas, mas isto apenas mostra que devemos ser cuidadosos em não julgar ou condenar alguém precipitadamente, especialmente almas avançadas, que ainda podem estar envolvidas com a religião de uma forma ou de outra, seja no Tibete, Europa ou Índia.

O Mahachohan (assim como o Mahatma KH) escreveu que “a Sociedade Teosófica foi escolhida como a pedra angular, o alicerce da religião futura da humanidade”  (carta de 1900). Fortes e curiosas palavras. Significa que o que os Mahatmas tinham em mente não era a abolição da religião mas antes uma radical transformação daquilo que habitualmente chamamos de religião. Daquilo que eu entendo de outras partes da carta do Mahachohan, é uma religião mística que eles estão a defender, seja ela a do Cristianismo místico ou do Budismo místico (ver a carta do Mahachohan que eu citei antes). Isto era, como já referi antes, o que Hodson advogava no Cristianismo.”

Três dias depois, Hao Chin escreveu…

(…) Enquanto um Mahatma é tolerante em relação a cerimónias, [vocês] rapidamente rotulam as pessoas que se ocupam com cerimónias, de pseudo-teosofistas e de fraudes piedosas. Se são coerentes, então devem também rotular o Mahatma KH de pseudo-teosofista e fraude piedosa, algo que eu sei que vocês não se atrevem a fazer. Assim a vossa posição é contraditória e inconsistente. Quando algo é feito por alguém como Hodson, vocês dizem “fraude”, mas quando a mesma ação é feita por um Mahatma vocês dizem “não é fraude”. Isto é, claramente, preconceito.

Quadro do Mahatma KH pintado
por H. Schmiechen


Então o que podemos retirar daqui? Isto: cuidado ao chamar aqueles que discordam de você de “fraudes piedosas” ou “pseudo-teosofistas”, porque vocês estariam a incluir entre estas fraudes os Mahatmas (como já salientei a vocês diversas vezes). É o auge do dogmatismo e intolerância. Vocês estabeleceram-se como a autoridade para julgar sobre aquilo que é a verdadeira teosofia e o que não é. Este é precisamente o aviso de Judge contra alguém criar a ortodoxia teosófica [NT: Hao Chin refere-se a este texto, que está já traduzido para português e será colocado no blog na próxima semana]. O vosso grupo frequentemente acusa Adyar de ser um “papado” quando parece que o vossos grupo estabeleceu-se como um dos maiores “papados” no movimento teosófico.

Podemos entrar em desacordo, se tiver que ser. Mas vamos abster-nos de chamar uns aos outros de pseudo-teosofistas, fraudes ou falsos.  Temos discutido este ponto desde há um ano e nunca ninguém demonstrou que a palavra “fraude” fosse justificada – apenas [existem] erros. Vocês devem honrar as definições precisas destas duas palavras e não devem misturá-las, pois estarão cometendo uma injustiça. Um erro não é uma fraude. Vocês também têm feito erros nas vossas mensagens neste grupo, mas nenhum de nós os rotulou de fraudes.”

A tentativa de entrada de textos da mesma natureza no excelente fórum de discussão Theosophy Nexus também não teve grande sucesso, como se pode ver aqui. Gerry Kiffe escreveu: “Quanto ao destino de caluniar, podemos deixar isso ao cuidado do karma”.


No início de outubro, a insistência em misturar a política com a teosofia levou à expulsão de um dos colegas de C.C. Aveline do grupo "Theosophists Around the World". Esse teosofista, após ter sido explicitamente avisado para não colocar textos sobre a política interna e externa norte-americanas, desrespeitou a ordem dada pelo moderador, e consequentemente foi removido (repetindo assim a expulsão já verificado no grupo da ST Filipinas). Mais um episódio evitável.

Não tem qualquer ligação direta com estas discussões, mas para expressar a minha opinião sobre alguns aspetos do que foi partilhado com os leitores durante as últimas três semanas ficam duas mensagens colocadas não há muito tempo pelo perfil Biosofia CLUC, no Facebook, e que já tive oportunidade de partilhar nesta rede social.

“(…) as grandes referências foram, e são, os escritos de Helena P. Blavatsky e As Cartas dos Mahatmas. Nessas fontes se encontra uma síntese magistral e amplíssima da Sabedoria Eterna e Universal. Por outro lado, depois da morte de Helena Blavatsky, em 1891, tanto nas gerações seguintes de teósofos, como em outros movimentos “esotéricos”, houve equívocos, ilusões, desvios indesejáveis – é preciso reconhecê-lo e pela nossa parte o fazemos. Não podemos, por isso, acusar ninguém pessoalmente. O que está em causa são enganos, não são pessoas. Seria leviano ou pretensioso alguém dizer que, nas mesmas circunstâncias, não teria cometido esses ou outros erros; e não se pode esperar ou exigir perfeição ou infalibilidade de um estudante ou investigador de esoterismo (ou do que seja). Entretanto, persistir no erro ou recusar-se a admiti-lo ou corrigi-lo é que não tem sentido. Assim, preconizamos uma revisão e reavaliação criteriosa de tudo o que se sustentou depois de 1891. Não foi tudo mau; não houve só erros. E houve decerto boas intenções. Necessitamos, porém, de rejeitar o joio e eleger o trigo".


No CLUC [Centro Lusitano de Unificação Cultural, com sede em Lisboa e que dissemina Teosofia, entre outras atividades, ver o site aqui] sempre incentivámos a liberdade de buscar e investigar. Nunca escondemos obras ou autores de qualidade, antes os divulgamos quanto pudemos. Nunca quisemos fechar ninguém na nossa redoma, nem criar clima de venerações ou de condicionamentos que impeçam alguém de procurar e avaliar por si. Sempre defendemos e incentivámos a abertura de horizontes, em vez de especializações(zinhas)” .

Sábias palavras...

sábado, 12 de outubro de 2013

O confronto de pontos de vista (2ª parte)

A semana passada iniciámos a tradução de uma série de mensagens do respeitado teosofista Vicente Hao Chin, em resposta ao grupo liderado por C.C. Aveline. É fundamental, para perceber o contexto deste post, ler a mensagem da semana anterior.

Vicente Hao Chin, Jr. à direita de Tim Boyd, presidente da
Sociedade Teosófica na América

Dois dias depois da mensagem que Hao Chin havia dirigido ao grupo, ele acrescentou:

 “Meu amigo, se você não está em posição de defender as acusações que você faz contra alguém, então eu sugiro que não faça essas alegações e acusações. Tão simples quanto isso.

Não se pode acusar a plenos pulmões que alguém foi uma fraude, e quando o assunto é levado a tribunal, o acusador diz que não tem tempo e vai-se embora.

Não pode ser caro irmão. É injusto e indelicado. Não é teosófico. Você está prejudicando alguém, meu amigo, e a honorabilidade dita que você se defenda ou se retrate. (…) Um ponto adicional. Vocês acusam alguns “membros de Adyar” de serem centrados em personalidades. Isso é curioso, porque essa é a mesma ideia que tenho de você e de Carlos – vocês centram-se em personalidades muito mais do que em ideias. Em vez de olhar para provas a favor ou contra ideias ou escritos sobre teosofia, vocês parecem estar fixados em Leadbeater ou Besant. Tudo o que eles fazem é olhado como fraudulento ou falso, tendo eles se tornado no vosso constante e inconsciente saco de boxe. Tal obsessão em personalidades parece evitar que vejam as coisas de modo objetivo e justo.(…) Lembrem-se que um deles chegou a ser um chela do Mahatma Koot Hoomi e isso é informação suficiente para todos nós sermos cuidadosos sobre os nossos julgamentos (…).  

C.W. Leadbeater (1847? - 1934)

Seguiram-se mais dois meses de respostas e contra-respostas, até que o coordenador do grupo decidiu expulsar três elementos, na sequência da solicitação de vários membros do TS in Philippines. Entretanto, nessa altura já muitos teosofistas de fora das Filipinas se tinham juntado ao mesmo para acompanhar a discussão. A contínua colocação de textos considerados ofensivos e difamatórios levou a essa decisão radical.
Mas a discussão continuou no grupo “Universal Teachings” e a 18 de setembro, Hao Chin aborda o tema da cura.

“Desculpe, mas uma vez mais você não respondeu à minha questão. É difícil comunicar quando o nosso correspondente precisa de adivinhar o sentido da sua resposta.

Por exemplo, você simplesmente responde: “A cura não é ensinada na Teosofia”. O que você quer dizer com isto? Que os teosofistas não devem praticar a cura de todo?  E você se refere à Terceira Mensagem à [Convenção] Americana [da Sociedade Teosófica] onde HPB alertou as pessoas contra as emergentes práticas de cura na América. (…)

H.P. Blavatsky (1831-1891)

Se é isto que você quer dizer, então receio que possa ter interpretado mal o termo “teosofia” ou H.P. Blavatsky em relação a este assunto. O facto é que Blavatsky encorajou as lojas a estabelecerem ambulatórios onde se praticasse a cura mesmérica [sobre a origem do termo ver aqui ou um excelente texto da Biosofia, aqui]. HPB escreveu: “Se em cada uma das nossas extensões fossemos capazes de estabelecer um dispensário homeopático juntamente com a cura mesmérica, tal como já havia sido feito com grande sucesso em Bombaim, poderíamos contribuir no sentido de colocar a ciência da medicina neste país em bases mais sólidas, sendo um meio de benefício incalculável para o povo em geral (CW VI, 335-6).

HPB de facto referiu que Olcott ensinava o público sobre como fazer cura mesmérica:

“Enquanto curava os enfermos na sua volta por Bengala, o Cor. Olcott delineou o objetivo de ensinar publicamente o mesmerismo aos respeitados médicos e a outros membros das nossas várias Sociedades, e ainda instruiu naquela área qualificados outsiders.” (CW IV, 600).

H.S. Olcott (1832-1907)

Além do mais, Blavatsky salienta que a atividade curadora de Olcott foi levada a cabo por ordens do seu Mestre:  “O Cor. Olcott produziu várias maravilhosas curas de velhas paralisias, de forma instantânea, com simples passes mesméricos…Isto foi feito por ordem direta do seu Mestre.” (CW IV, 379).

O próprio Mahatma KH encorajou A.P. Sinnett a tentar curar, e até escreveu que o curador psíquico não precisa de ser “absolutamente puro”. (Cartas das Mahatmas, Carta 111, Vol.II, p.210, da edição em português).

E agora (…) você ainda diz que a cura não é promovida pela Sociedade Teosófica? Continua você a condenar as atividades de cura ou cura à distância de Hodson? Porque não chama Carlos de “iludida” a HPB também?

Portanto, assim se vê que as condenações radicais (…) de práticas de cura são injustificadas e não são suportadas [pelas afirmações] de Blavatsky, Olcott ou dos Mahatmas.

Mas eu concordo 100% que a cura deverá ser praticada com cuidado e que deve ser ligada à ética e espiritualidade. De facto gostaria de acrescentar que pessoalmente não subscrevo completamente as recomendações de HPB que cada loja teosófica deva praticar cura mesmérica em razão dos riscos e perigos colaterais da prática mesmérica, em relação aos quais ela própria escreveu noutros artigos. O problema tem apenas a ver parcialmente com a própria prática mesmérica, a outra parte tem a ver com os praticantes – quantos deles estarão mesmo prontos e qualificados para o fazer de forma segura? De facto, a cura à distância de Hodson é de longe mais segura que a cura mesmérica direta. “


Continua na próxima semana…

sábado, 5 de outubro de 2013

O confronto de pontos de vista (1ª parte)

O verão de 2013 foi animado nalguns grupos de discussão de teosofia no Facebook. O procedimento de um grupo de teosofistas de colocar mensagens em catadupa promovendo textos fortemente críticos, não raras vezes em tom acusatório, trouxe resistências que se foram intensificando até se ter chegado ao ponto de existirem expulsões por não cumprimento com as regras de discussão de um dos grupos. Contudo, muitas das discussões foram enriquecedoras, e naturalmente, ficámos a conhecer ambos os pontos de vista. Porém, para haver uma verdadeira discussão é necessário que ambos os lados estejam dispostos a dialogar, o que nem sempre aconteceu. Às vezes, quando a conversa segue caminhos inconvenientes, alega-se falta de tempo, foge-se à questão e continua-se no tom aborrecido de proclamações inconsequentes.

O enriquecimento das discussões a que aludi acima, deve-se em grande medida a Vicente Hao Chin, Jr. que foi presidente da Sociedade Teosófica (ST) das Filipinas, fundador e presidente do Golden Link College, autor de vários livros como a Enciclopédia Teosófica (agora disponível online) e a edição cronológica das Cartas dos Mahatmas (exatamente aquela a partir da qual foi feita a tradução para português).

Vicente Hao Chin, Jr.

Na sequência da observação de um amigo teosofista que me disse nunca ter aprendido tanto em tão pouco tempo, achei que, traduzir algumas das partes desta discussão, com particular enfoque nas contribuições do pacientíssimo Hao Chin, seria útil para o movimento teosófico de língua portuguesa, principalmente para aqueles que encontram na língua inglesa uma barreira difícil de ultrapassar. Os temas tratados foram vários. Não traduzi todas as mensagens e escolhi as partes que considerei mais relevantes. Quem quiser ver toda a discussão deve aceder aos grupos “Universal Theosophy” e “Theosophical Society in the Philippines”, até porque os excertos que vou apresentar dizem respeito apenas às opiniões expressas pelo respeitado teosofista filipino, estando no entanto implícitas as opiniões contrárias, pelo que não haverá dificuldade na interpretação do texto. De qualquer modo, as respostas dadas por Hao Chin têm a ver com este, este, este, este e um conjunto de textos atacando Geoffrey Hodson, um teosofista da linha da neo-teosofia, que podem ser encontrados neste perfil do Facebook.

Geoffrey Hodson (1886-1983)

Antes de começar, é de referir que as observações de Hao Chin (de quem obtive permissão expressa para fazer esta tradução) são dirigidas ao grupo de teosofistas liderado por C.C. Aveline. Ressalvo desde já que não se pretende de modo nenhum a minimização do extenso e em grande parte valoroso trabalho  deste e dos demais teosofistas que com ele colaboram (mormente as traduções para português de muita literatura teosófica).

Como este texto será partido em três partes, e para evitar equívocos lembro a minha posição, que sempre foi crítica de Besant e Leadbeater. Não tenho o hábito todavia de estar constantemente a repeti-la, nem de impô-la a ninguém, e tudo o que escreveu Hao Chin (e nalguns pontos não estou completamente de acordo) fez-me entender um pouco melhor a razão de tantos equívocos no período em que Besant foi presidente da ST Adyar. Estou-lhe por isso muito grato e não tenho dúvidas que é uma das pessoas mais esclarecidas e sábias no movimento teosófico.

C.C.Aveline (Foto: O Tempo de Belo Horizonte)

Segundo as minhas notas, a mensagem de Hao Chin que se encontra abaixo é de 26 de junho, mas a discussão já vinha longa… O tema central é a postura no âmbito de uma discussão de ideias.

“(…)  Você [dirigindo-se a um elemento do grupo a que acima me referi] transmite as opiniões de outras pessoas que repetem as mesmas coisas que já foram respondidas e refutadas, e que continuam por sua vez sem serem respondidas. Não existe uma discussão genuína. É apenas o “postar” e “repostar” de posições rígidas. Esta é a razão pela qual as descrevo como propaganda, uma palavra que usei com cuidado.

Além do mais, lamento dizê-lo e corrija-me se estiver enganado, parece-me que você e Carlos não estão realmente interessados em explorar, investigar e discutir. Parece-me que você apenas quer convencer-nos de uma opinião pré-determinada que possui. Mas como pode você convencer-nos quando nem responde aos pontos específicos que já levantei por diversas vezes em resposta aos vossos artigos e posts, e em resposta apenas recebo frases tipo slogan? Receio que isto não possa ser assim, caros irmãos. Sejamos razoáveis e discutamos como um grupo de adultos maduros. Pessoalmente estou disposto a mudar as minhas posições se me demonstrarem que as mesmas estão erradas.

Por exemplo vocês repetiram o que alegam ser as “óbvias” fabricações dos Mestres, retratos, etc…Já respondi a essas alegações. Eu questionei: quem entre nós indagou pessoalmente o Mahachohan para ser capaz de dizer que certo retrato é uma falsificação? Vocês responderam que é, porque a fonte é também ela falsa – Leadbeater. Eu respondi que Leadbeater, com os seus óbvios erros, também tinha observações clarividentes corretas, e dei exemplos específicos disso. Se essas observações são válidas, então as extensas acusações de que ele é uma fraude são alegações tendenciosas e injustas. E o que dizem vocês? Nada. Absolutamente nada. O que vocês fazem é apenas regressar ao vosso mantra que tal-e-tal é uma fraude. Desculpem, irmãos, mas não parece que estamos numa discussão.

Vic Hao Chin foi um dos
coordenadores desta publicação

Diz-se que Goebbels terá comentado que quando se repete vezes sem conta uma inverdade às pessoas, elas irão acreditar. Irmãos, nós somos exploradores da verdade, não propagandistas ou políticos. (…)

Em segundo lugar entendam que os vossos pontos de vista são apenas a vossa opinião. Outros poderão discordar dela. Isso significa que se eles não fizerem o que vocês lhes pedem ou se discordarem, vocês considerá-los-iam desonestos? Ou os chamaram de fraudes piedosas? Ou de desrespeitadores dos Mestres?

Eu recordo-me que num artigo, Carlos deplorava aquilo que chamava de papismo, ou seja, de atuar como a igreja [católica] romana, com um Papa infalível que tem praticamente poder absoluto. As afirmações que vocês estão a fazer agora parecem-me papismo, pois vocês não me parecem ser tolerantes nos desacordos e estão prontos a imputar desonestidade quando alguém não vê as coisas da mesma maneira que vocês. (…) a Sociedade Teosófica leva a sério os princípios de liberdade de pensamento e de investigação. Você pode não acreditar na existência dos Mahatmas e de qualquer outros “ensinamentos” teosóficos, exceto a fraternidade universal, e ainda ser um respeitado membro e irmão. Ficam desconfortáveis com isto? Se sim, então este é o desacordo básico (…) a Sociedade Teosófica não subscreve tal conformismo [de opiniões]. A procura pela verdade deverá estar sempre assente na liberdade genuína.

As coisas que vocês mencionaram em relação às quais os teosofistas deveriam ser “libertados” não são sequer importantes para a ST em geral. Vocês parecem estar mais preocupados com as crenças particulares de alguns indivíduos (…) do que com a fraternidade universal, vida espiritual, formação de caráter, popularização da teosofia, etc… O destino do movimento teosófico dificilmente assenta em coisas insignificantes. Para quê estar tão agarrado ou preocupado com assuntos que ninguém pode comprovar ou refutar, ou com obscuras cerimónias privadas [NT: aqui Hao Chin refere-se ao Rito Egípcio, referido aqui. Num post mais antigo, os argumentos que constam deste texto foram rebatidos um por um] de que virtualmente ninguém sabe ou viu? Como irá isto afetar a missão teosófica (…)? Porquê fazer uma montanha de um montinho de areia?

Eu não aprecio o hábito de alguns participantes carregarem um artigo controverso e depois não responderem aos nossos comentários e refutações. É como semear a discórdia sem provar a vossa tese ou sem entabularem uma discussão. É injustamente destrutivo. (…)  escolheram este espaço [o grupo do Facebook TS in the Philippines] como veículo para a vossa propaganda, e isso não é útil para aqueles que são recém-chegados à teosofia.”


Continua na próxima semana.