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sábado, 25 de maio de 2013

Râja e Hatha Ioga (2ª parte)


Continuamos nesta semana, com a tradução do texto de Barend Voorham, "Raja and Hatha Ioga", publicado na revista Lucifer, editada pela Theosophical Society Point Loma - Blavatsky House.



"Os exercícios de ioga devem permear todas as atividades da nossa vida diária, incluindo os nossos deveres sociais e cívicos, que variam conforme o tipo específico da consciência de cada indivíduo. O Ioga, na antiga Índia não significava apenas a execução de alguns exercícios para a obtenção de paz mental, mas estava completamente integrado na vida quotidiana.

Hierarquia do Hindustão




Se homens e mulheres cumprissem os seus deveres sociais e responsabilidades através da disciplina do ioga que correspondesse com o seu estado individual de consciência, existiria uma sociedade ideal.

Assinale-se que a qualidade da consciência individual não passa automaticamente de pais para filhos, como supõe o atual sistema de castas indiano. A ideia original deste sistema está ligada na verdade aos quatro tipos de consciência principais, mas ao pensarem erradamente que uma criança vai herdar a qualidade da consciência dos seus pais, esta ideia eventualmente degenerou num horrível sistema de divisão, exploração e injustiça. A verdadeira ideia dos quatro tipos de consciência formarem a estrutura de uma sociedade justa também pode ser encontrada na “Politeia” de Platão.

União - com quê?

Se o propósito do Ioga é procurar a união através da prática da disciplina, a questão óbvia é: ”união com quê?” Alguém que acredita em Deus pode pensar numa união com Deus. Mas na filosofia do Ioga não pode ser este o caso. Todas as antigas escolas hindus ensinam a natureza composta do homem. A consciência do homem pode ser dividida em diferentes camadas, diferentes planos, que estão inter-relacionados de modo hierárquico. Cada escola tem o seu próprio sistema. Na essência a ideia é a mesma, mas algumas escolas podem ser mais detalhadas na divisão do que outras. Todas as escolas partilham a ideia de uma base e de um topo. A base é o corpo, que tem a função de veículo. O topo é a raíz da nossa consciência, fonte a partir da qual os outros princípios abaixo fluem para a manifestação. O objetivo do ioga é a união do homem pessoal – o tipo de consciência que a maioria das pessoas expressa na vida quotidiana – com aquele princípio mais elevado da sua natureza composta. Em sânscrito, esta raíz do nosso próprio eu chama-se Âtman, uma palavra que se pode traduzir como Eu [Self, no original]. Não se deve pensar neste Eu como um princípio ou fim absolutos, mas sim como um horizonte relativo para nós próprios, seres humanos. Ainda não temos a capacidade de olhar para lá dele. Âtman é a nossa principal ligação com o ilimitado. O homem pessoal deve abrir a sua consciência interior ao ponto em que ele percecione em si próprio o aspeto Âtmico e se torne uno com ele. Então ele perceberá que é uma parte do ilimitado, do infinito.

Entre Âtman, este topo relativo e o corpo físico existem diferentes etapas ou graus, que diferem entre si nas características. Quanto mais perto está a etapa ou o grau de Âtman, mais intensa será a consciência da unidade de toda a vida e mais sublime será esta característica. Neste artigo nós assumimos os seguintes graus: o divino, o espiritual, a mente, os desejos, a vitalidade, o astral e o físico.



Corrente de consciência

Também se pode olhar para o homem como uma corrente de consciência. Nessa corrente, o raio divino atravessa etapas, níveis ou graus de consciência e a cada nível transforma-se numa força ativa. Conjugadas, estas forças ativas formam uma hierarquia de consciência, em que os graus de desenvolvimento mais elevados funcionam como uma comporta num canal, adequando a corrente de consciência para um grau menos desenvolvido.

Cada um destes pontos de transformação é um ser vivo com uma característica específica. Podemos chamá-la de Ego (um “Eu”). Em essência cada Ego contém as mesmas qualidades que Âtman, o Ego Divino, a fonte a partir do qual ele flui, da mesma forma que um raio de sol possui dentro de si tudo o que é do Sol.

Portanto todo o ser humano é uma composição de diferentes forças, energias e egos. Existe uma contante interação e troca de todas estas forças. A vida corre continuamente entre essas diferentes entidades ou “transformadores” vivos.


Continua na próxima semana.

sábado, 18 de maio de 2013

Râja e Hatha Ioga (1ª parte)


Tem sido prática do Lua em Escorpião publicar textos de teosofistas ligados às diferentes tradições, ou seja, das ramificações que resultaram da Sociedade Teosófica (ST) matriz, fundada por Olcott, Blavatsky e Judge em 1875. Nos arquivos do blog encontrarão por exemplo textos de David Pratt (ST Pasadena), Odin Townley (Loja Unida de Teosofistas) e Pablo Sender (ST Adyar). Também já puderam aqui ler textos publicados em plataformas independentes, como o “Theosophy Forward” de Jan Kind.

Além da ST Adyar, ST Pasadena e LUT, existe uma outra organização que tem estado muito ativa na divulgação da Sabedoria Antiga. É a Theosophical Society Point Loma – Blavatsky House, que a partir de Haia na Holanda, além de organizar palestras e de difundir Teosofia através da sua página de internet, foi ainda responsável (através da ISIS Foundation) pela publicação recente dos Comentários da Doutrina Secreta, transcritos e anotados por Michael Gomes. Neste livro podem encontrar as atas das reuniões da Loja Blavatsky na sua forma mais original, sendo notórias as diferenças com a versão muito editada, publicado sob o título de “Transactions of the Blavatsky Lodge”. Essas atas foram descobertas no espólio de B. P. Wadia, um dos mais importantes líderes da LUT.



Mas a Blavatsky House também publica uma revista desde o final dos anos 70 chamada Lucifer, que a partir de 2013 passou também a ser editada em inglês. Foi na 1ª edição nesta língua que encontrei um texto bastante interessante intitulado “Râja and Hatha Yoga” da autoria de Barend Voorham. É esse artigo que durante as próximas quatro semanas será postado no Lua em Escorpião.

Barend Voorham

Uma nota final para referir que com a publicação deste texto da Lucifer (quem está a ler estes posts, com certeza já sabe que nada há de demoníaco neste nome, bem pelo contrário, significa portador de luz), o Lua em Escorpião, em cerca de um ano conseguiu publicar textos das várias tradições, provando assim que é possível encontrar nas diferentes sociedades e fora delas artigos de valor, que estão em concordância com a Sabedoria Perene. Não há pois razão, para atitudes exclusivistas, de altivez e de intolerância que certos “donos da verdade” gostam de manifestar.



Râja e Hatha Ioga, por Barend Voorham




Para a maior parte das pessoas no mundo ocidental a prática do ioga é uma forma popular de exercício físico e de controlo da respiração. Este sistema particular de ioga é conhecido como Hatha Ioga. Contudo, existem muitos outros sistemas de ioga, como o Râja Ioga. Este artigo debruça-se especialmente sobre estes dois – por vezes contraditórios – sistemas de ioga.

Muitas pessoas, neste mundo caótico, estão à procura de paz e tranquilidade na sua vida. Elas necessitam de tranquilidade mental e emocional para manterem o controlo sobre a sua vida turbulenta.

Por essa razão, a prática do ioga tem sido popular entre os ocidentais desde há muitos anos. Em quase todas as cidades ou vilas podemos fazer um curso de ioga. Existem milhões de pessoas que praticam ioga. Mas será que os instrutores destes cursos e os seus próprios alunos compreendem o propósito essencial do ioga e que energias todas estas disciplinas físicas podem evocar?

O que é o ioga?

Ioga é uma palavra sânscrita que se tornou parte do vocabulário de quase todas as línguas modernas, mas a explicação nos dicionários está na maior parte dos casos limitada a um único sistema de ioga: o Hatha Ioga. Contudo na antiga Índia um grande número de outros sistemas de ioga sempre existiram. No Bhagavad-Gitâ – uma escritura sagrada que é muito prezada no Oriente e Ocidente, e cujo conteúdo é quase totalmente sobre ioga – vários sistemas de ioga são descritos.

Literalmente ioga significa “jugo”. Metaforicamente significa disciplina, portanto praticar ioga significa seguir uma disciplina. Um jugo, contudo, une dois bois para funcionarem como um. É por isto que o ioga pode ser explicado como união. Ao praticar um tipo de disciplina nós atingimos a união.

Na Índia antiga a escola de Ioga era uma das seis escolas filosóficas ou Darsanas. Acredita-se que esta escola foi fundada pelo sábio Patanjali. Tal como qualquer outra escola, a escola de Ioga não poderia existir sem instrutores ou gurus. As pessoas tinham permissão para praticar os exercícios de ioga apenas sob instrução de um guru. Isto é de grande importância, pois, como já se referiu antes, existem vários sistemas de ioga, e apenas um verdadeiro instrutor é capaz de reconhecer o método correto para cada um dos seus alunos.

Bhagavad-Gitâ: Diferentes formas de ioga

O Bhagavad-Gitâ explica claramente estes vários sistema de ioga. Dos dezoito capítulos, dezasseis deles (as exceções são os capítulos um e onze) lidam com os vários sistemas de ioga. Embora as diferenças entre todas estas práticas de ioga sejam muito subtis para o ocidental, elas são sem dúvida mais do que contorção do corpo, posturas e exercícios respiratórios. Dificilmente encontraremos qualquer referência a exercício físico no Bhagavad-Gitâ. Na antiga Índia, os caminhos do ioga estavam associados com os quatros tipos principais de consciência humana. Ao praticar um tipo específico de ioga, que corresponda ao seu estado de consciência no momento, o iogue atinge a união.

A forma mais simples de ioga é o Karma Ioga, que tem como objetivo atingir a união pela ação. Devemos agir apenas por uma questão de correção da ação em si e não pelo resultado. As pessoas que praticam Karma Ioga ficarão perto da união ao servirem altruisticamente para aliviar o sofrimento, sem terem a esperança ou expetativa de receber algo em troca.

Bhakti Ioga é a prática do ioga através da devoção. Embora hoje em dia, na Índia, a devoção seja direcionada para deuses antropomórficos pessoais externos ao homem, o Bhagavad-Gitâ ensina de forma clara a concentrar a nossa devoção no nosso deus interior (representado por Krishna) e no nosso ideal espiritual. No capítulo 10, sloka 20, do Gitâ, Krishna diz: ”Eu sou Atman, Eu sou o Eu [I am the Self, no original]. O meu lugar é no coração de todos os seres”.

A prática do Raja Ioga resulta no domínio completo de todos os poderes inatos no homem, com o objetivo de usá-los para o benefício da humanidade.

Finalmente, o Jñâna Ioga tem como objetivo a união pela prática da sabedoria em cada situação.
Estes quatros sistemas por ordem consecutiva, requerem do iogue uma disciplina crescente. O Brâhmana, o tipo mais elevado de consciência, não deve por exemplo, apenas praticar Jñâna Ioga, assumindo-se que domina as outras três formas de ioga como pré-requisito. A forma mais elevada de ioga é uma combinação de todos os quatro tipos das disciplinas de ioga.

Continua na próxima semana.

sábado, 11 de maio de 2013

Discutindo Teosofia na Internet


No passado mês de Dezembro, o teosofista holandês Jan Kind – editor da revista Theosophy Forward e responsável pelo site com o mesmo nome – escreveu um editorial bastante interessante sobre a problemática da discussão de Teosofia nas comunidades da internet.

Jan Kind

O Lua em Escorpião pediu a devida autorização para a tradução desse texto, que foi amavelmente concedida, e agradece desde já ao editor da Theosophy Forward.

Segue-se o editorial escrito por Jan Kind.

“Parece-me que algumas redes sociais sobre Teosofia estão a experienciar uma crise de identidade. Nunca devemos generalizar, existem naturalmente exceções, mas alguns moderadores estão claramente se colocando numa posição de autoproclamada superioridade e também se têm tornado progressivamente intolerantes com aqueles que têm perspetivas diferentes das deles. Os participantes são banidos, ridicularizados ou mesmo demonizados se as suas perspetivas não estiverem em consonância com as dos moderadores. Onde para a liberdade de pensamento, a Teosofia e os seus princípios?

Não é certamente minha intenção contribuir também para a aparente confusão, acrescentando ainda mais uma perspetiva pessoal. O que se tem contudo tornado evidente, é que alguns, ao mesmo tempo que designam os seus sites de teosóficos ou usam a palavra Teosofia, efetivamente aboliram H.P. Blavatsky. Segundo eles, ela, com toda a sua produção literária, entendeu tudo errado, e pior do que tudo, pode ter sido, no fim de contas, uma fraude. O que nós chamamos hoje de Teosofia precisa de ser completamente redefinido ou reformulado e não deveria circunscrever-se exclusivamente ao relacionado com ela.

É-nos dito até, que quem quiser conhecer a Teosofia, deve evitar as Sociedades Teosóficas de HPB, que no seu presente estado são inconsistentes, diluídas, criadoras de dogmas, transformando a Teosofia numa religião. Somos prevenidos especialmente sobre os seguidores de HPB: estes de acordo com alguns comentadores, estão obcecados, agarrando-se a crenças vagas e a fantasiosos mestres invisíveis. HPB e as suas ideias não se adequam ao século XXI. Ela limita a criatividade e bloqueia o progresso. Os blavatskyanos são um verdadeiro perigo para a raça humana. Vocês estão avisados!

Eu posso ter estado enganado, mas nunca acreditei que Helena Blavatsky fosse a mensageira suprema, mas do meu ponto de vista limitado, acho que ela chegou contudo bem perto. Portanto, afirmar que aqueles que optam por estudar exclusivamente o seu trabalho estão a se autolimitar, que são rígidos e completamente tolos, não é simplesmente correto.

Eu sempre achei difícil discutir os conceitos teosóficos típicos e profundos com outros, quanto mais falar sobre Teosofia através da internet. É uma experiência tão pessoal, a qual sou forçado a partilhar quando estou na internet, ou talvez eu seja demasiado tímido. Isto conduz-nos a uma questão subtil. Será que as redes sociais teosóficas sobreviveram a si mesmas? Terão elas realmente uma função? Serão capazes de fazer transmitir algo? Poderão os ensinamentos teosóficos ser discutidos na internet e será possível apreender completamente a magnitude deste fenomenal sistema de pensamento enquanto se olha para o monitor do nosso computador?

Eu não tenho a resposta, mas sei que a internet oferece muita coisa, embora ao mesmo tempo tenha um número de limitações e muitas vezes os diálogos na rede terminem em combates descontrolados de “a favor ou contra”, onde todos perdem. Talvez por essa razão, a Sociedade Teosófica na América (Adyar) decidiu encerrar o seu site Ning, o que é por um lado lamentável, mas por outro lado, compreensível.

Não há muito tempo, os participantes noutro site, passaram muito tempo discutindo ardentemente, as provas recém-descobertas de que Albert Einstein tinha efetivamente uma cópia d’ “A Doutrina Secreta” na sua secretária. Eu não subestimo a importância de uma prova definitiva dessas, mas foi impressionante ver o quão excitados alguns estavam. Em vez de se falar sobre o que “A Doutrina Secreta” tem para oferecer ao mundo, não se passou do habitual bate-papo típico das redes sociais e de alegadas possibilidades. Ou estarei enganado?

Serei um pouco antiquado? Mas sim, eu creio que a questão crucial não deveria ser o que a Teosofia pode fazer por nós, como se fossemos capazes de consumi-la, mas o que nós podemos fazer pela Teosofia. A este respeito, eu creio que as ações, tal como o estudo profundo podem ajudar-nos. Podemos ler diferentes livros e seguir diferentes linhas de pensamento. Talvez possamos visitar vários sites de internet e dar o nosso contributo se quisermos, mas ao fim do dia, apenas os nossos atos contam e nada mais.

Então em vez de intimidar os outros, ou de lhes dizer o que pensar ou não, deveríamos dedicar-nos em ajudar de modo humilde e incondicional este problemático planeta. Então pergunto, o que fizeste hoje…?

Aqui estão alguns sites para visitarem:

(altamente recomendado)

(não concordo com os moderadores, mas de qualquer modo é de leitura interessante)

http://groups.yahoo.com/group/theos-talk
(um site criado por Eldon Tucker, mas presentemente gerido por outra pessoa)”

sábado, 4 de maio de 2013

Revelação ou Realização: O Conflito na Teosofia (5ª parte)


Esta é a última parte da palestra de J. J. van der Leeuw, o holandês que alinhou as suas ideias com as de Krishnamurti na altura em que este quebrou a sua ligação com a  Sociedade Teosófica (ST), repudiando a revelação em detrimento da realização pessoal. Van der Leeuw faz um diagnóstico bastante extenso das fragilidades da ST, diagnóstico esse, que na opinião de alguns teosofistas, ainda se mantém atual.

Um vez mais remeto para a 1ª parte, onde são feitas uma série de considerações que contextualizam a intervenção de van der Leeuw. 

Do seu vasto conteúdo, chamo a atenção no alerta que o texto faz para algumas situações que ainda se veem: o papaguear de textos teosóficos, sem a mínima compreensão do que lá está e as atitudes de guru (no pior sentido da palavra) de alguns responsáveis de organizações teosóficas, que decretam o que deve ou não ser lido e o que pode ou não ser discutido. 

O equilíbrio entre a literatura (somada à orientação recebida por parte de outrem, caso exista) e o desenvolvimento do caminho individual deve ser encontrado. Por essa razão e conforme já expressei anteriormente, não concordo com algumas das conclusões do teosofista holandês, sendo que nesta 5ª parte em particular, tenho as maiores reservas sobre as afirmações que são feitas sobre a relação entre a Teosofia e a Ciência. No entanto, é sempre preciso recordar a altura e o contexto em que van der Leeuw se pronunciou. 

Lembre-se que, conforme diz Jerry Hejka-Ekins na introdução, van der Leeuw pagou caro por esta sua intervenção, perdendo a sua posição dentro da ST. No fundo, mais uma prova de que o que ele havia dito... era mesmo verdade!

Segue-se então o final da palestra de van der Leeuw, que encerra com uma frase marcante.

"Eu desejo tornar perfeitamente claro que não estou de modo algum negando a existência dos Mestres ou a possibilidade de comunhão com eles. Se eu pensar que o Mestre falou comigo, este facto não implica revelação, mas apenas experiência: eu tenho uma experiência que pode ou não ser de valor para mim.  A revelação apenas começa quando eu transmito aos outros as mensagens assim recebidas, como vindas de uma autoridade invisível. Eu gostaria de sugerir que aqueles que pensam que receberam uma mensagem de um Mestre ou de uma autoridade superior devem primeiro ver se concordam com ela, se desperta uma resposta na sua própria alma. Se sim, deixem-no, quando fala sobre isso aos outros, falar em seu próprio nome e dizer: “Eu penso isto e vou fazer isto”. Mas nunca o deixem dizer: “O Mestre pensa assim ou o Mestre quer assim”. Caso ele próprio não concorde com a comunicação recebida, que não diga nada. Mas nunca o deixem falar em nome de uma autoridade invisível. A revelação é ainda mais funesta quando interfere com a vida do indivíduo e tenta guiar a sua vida, dizer-lhe o que fazer ou onde ele se encontra. Tem sido costume nos centros teosóficos olhar para alguns com sendo capazes de dizer a outros onde se encontram em termos da sua evolução espiritual, se deram ou não um passo em frente. Assim o progresso espiritual fica dependente da revelação, e dado poder a alguns de dizer a outros onde se encontram. As consequências disto são sempre funestas. O absurdo da situação fica claro quando nós pensamos que se estas poucas pessoas, supostamente capazes de nos dizer onde nos encontramos, morressem, ficaríamos perdidos na incerteza. Uma vez mais, se os canais designados discordassem entre si, como já aconteceu no passado, teríamos de escolher entre quem acreditamos e quem não! É inevitável que, nos casos em que tanto poder está nas mãos de uns poucos, os seus gostos e aversões pessoais inconscientemente influenciem a posição oculta em que eles colocam os restantes. Estes, por sua vez, poderão ter medo de contradizer ou de se opor a alguém que tem o poder de conceder ou recusar etapas, mas tentarão manter boa impressão, e fazer tudo o que lhe é pedido. Assim, surgem uma série de testes espirituais, prejudiciais para o indivíduo e para a causa que ele serve. Mas acima de tudo, permanece o facto de que é impossível, em qualquer altura, seja para quem for, dizer a outro onde ele está em termos de progresso espiritual. Ninguém nos pode revelar isso, a não ser a vida que está em nós. Cada indivíduo é como um raio que parte do centro de um círculo. Ele só pode entrar no centro da vida juntamente com o raio, que é o seu próprio ser, nunca através de outro. A vida expressa-se em cada um de nós, num modo em que nós, sozinhos, e mais ninguém, podemos conhecer. Existe um santuário de vida em cada um de nós, no qual apenas nós podemos entrar e ouvir a sua voz. Não podemos entrar nesse santuário através da porta clandestina da revelação. Só existe a verdadeira estrada da nossa experiência diária. Ninguém nos pode dizer o que fazer na vida, que trabalho abraçar, se não a voz da vida que está dentro de nós, a nossa vocação interior, a nossa singularidade individual. Ir até outro e perguntar-lhe o que devemos fazer ou onde nós nos encontramos é violar a vida que está em nós, e desligarmo-nos dela.

Eu gostava de enfatizar que não nego a existência do caminho oculto ou de degraus nele como o discipulado ou a iniciação. A sua existência ou não-existência encontra-se fora do assunto que estou a tratar. O elemento da revelação só entra quando alguém, em nome de uma autoridade inacessível e invisível diz a outros onde eles se encontram e que passos eles tomaram, e ninguém terá dado um passo, a menos que um dos poucos canais de revelação tenha afirmado que ele o tenha feito.

Nada se perderia se esta prática com as suas consequências funestas fosse descontinuada. Se dar um passo traduz-se por uma expansão da vida interior, essa expansão é real e manifestar-se-á quer alguém diga que demos um passo ou não. De que nos valeria se todos reconhecessem que demos o passo e a expansão de vida não estivesse dentro de nós? E pelo contrário, que perderíamos se todos concordassem em que não demos o passo apesar da nossa expansão de vida, demonstrada de forma evidente no nosso quotidiano? O dizer ou não dizer é completamente acessório e totalmente pernicioso nas suas consequências. É snobismo espiritual, onde os eleitos sentam-se nos lugares de honra, enquanto o rebanho é menosprezado.

Apesar dos resultados da revelação serem sempre funestos e opostos ao espírito da Teosofia - que é a realização – os mesmos são especialmente perigosos quando interferem com as vidas das pessoas e quando as conduz a deixar de fazer o trabalho que elas estão a fazer e a levar a cabo trabalho que elas não têm intenção de fazer. Especialmente quando estão envolvidos jovens essa interferência é indesculpável. Eu conheço casos, onde, com base na revelação, jovens têm abandonado os seus estudos universitários para que se possam dedicar à “Obra”. Como se a “Obra” de cada um não fosse aquilo que a vida lhe pede para fazer, em vez da revelação vinda de outrem! Na educação moderna, especialmente no método Montessori, é claramente reconhecido que o caminho de vida é o caminho da realização. A criança é rodeada de material didático, o único propósito do qual é fazer brotar as suas faculdades e permitir-lhe aprender por experiência. Deste modo, a criança irá espontaneamente se tornar naquilo que a vida interior quer que ela seja.

Em oposição a este espírito da vida está o espírito rígido onde as ordens vêm do alto e têm de ser obedecidas sem discussão ou demora. É este espírito que inevitavelmente acompanha a revelação, a hierarquia espiritual é como um exército espiritual onde as ordens devem ser obedecidas e não questionadas. Neste exército espiritual, a singularidade individual e o génio criativo são esmagados.  Nós não podemos portanto nos interrogar porque tem havido tão pouco trabalho criativo na Sociedade Teosófica. É porque o ideal do “grupo de servidores” tem sido obediência à revelação e não autoexpressão através da realização.

Não há razão nenhuma pela qual não deva alguém ocasionalmente de pedir conselho àqueles mais sábios do que ele próprio, e discutir com eles as suas dificuldades. Não há razão pela qual não se deva tentar aprender tanto quanto possível de instrutores e livros, desde que se perceba que temos de tomar as nossas decisões em nosso próprio nome e que é uma fraqueza deslocar a responsabilidade para os outros. Nós não devemos ter medo de guiar as nossas próprias vidas. Melhor cair nessa tentativa do que seguir com segurança no caminho de outro.

Não há futuro na Sociedade Teosófica a menos que se livre para sempre do mal da revelação. É completamente incompatível com a Teosofia, que é essencialmente a experiência do Divino, ou realização. Não é outro “caminho” ou “aspeto”, pois a superstição não é um caminho, mas um erro. Existe uma pseudo-tolerância que concorda com as visões mais conflituantes, considerando-as todas de forma imparcial, e tentando retirar “algo de bom de cada uma”. Esta tolerância é na realidade falta de coluna vertebral, uma ausência de vigor.

Que ninguém ouse dizer que no meu discurso eu neguei o ocultismo. Existe um futuro para o ocultismo se se adequar estritamente aos métodos científicos e submetê-los a testes e provas. Só se pode desenvolver se renunciar inteiramente a todas as reivindicações espirituais ou religiosas. Tem tão pouco a ver com estas como a ciência corrente. Tal como a ciência não se pode desenvolver até se ter livrado do fascínio místico e espiritual na qual foi envolta na Idade Média, assim também a condição de progresso para o ocultismo como uma ciência é descartar o halo de mistério na qual está envolta.

Quando a questão é colocada, “tem a Sociedade Teosófica futuro?” eu só posso responder que não sei. Mas o que posso dizer com toda a certeza é que não tem nenhum futuro a menos que se liberte da mentalidade antiquada que ainda a impregna e nasça de novo no espírito da nova era. Que o espírito seja de amor da vida em vez de medo da vida, um onde a vida seja bem-vinda, apesar dela poder destruir as crenças onde nós encontrámos refúgio até agora.

A Teosofia deve deixar de ser uma filosofia do Além, deve conquistar a dualidade onde está enraizada e perceber que a porta aberta da realidade fica aqui e agora, na efetiva experiência diária do homem e não nalgum mundo superior ou futuro distante. Ninguém pode abrir esta porta para nós e ninguém pode fechá-la. Não é uma experiência mística para uns poucos, é para todos e é apenas o nosso medo da vida que nos torna incapazes de vê-la.

A Teosofia tem de perceber que a sua alegação de ser um sistema filosófico, explicando os problemas da vida, não tem qualquer apelo ao homem moderno que sabe que a vida não é um problema a ser resolvido, mas que é uma procura e uma experiência em crescendo.

A Sociedade deve deixar de ser uma fraternidade com a exclusão dos irmãos menos desejados, deve quebrar as barreiras que tornam possível falar de um “mundo exterior” e criar uma nova forma de filiação que não envolva alianças sectárias.

Acima de tudo, os teosofistas devem aprender a reconhecer o conflito que tem sido inerente à Teosofia desde início, aquele entre a revelação e a realização. A Teosofia, como a realização da vida por cada homem na sua consciência, é incompatível com um sistema hierárquico de revelação, onde a verdade e a iluminação vêm a nós através dos outros e onde a orientação das nossas vidas assenta em ordens recebidas de superiores.

O homem moderno não mais deseja um abrigo ou um refúgio, consolação ou segurança. Mais do que estagnar na falsa tranquilidade ou felicidade que estes possam dar, ele vai à luta sozinho e enfrentar a tempestade da vida com as suas forças.

O objetivo da Teosofia é criar, não fracos, mas fortes homens."