Nesta segunda parte, veremos a resposta daqueles que recusam
a ideia do Glossário Teosófico ser uma obra a evitar, considerando ao mesmo tempo legítima
a ideia de Blavatsky ser apresentada como autora da obra. É naturalmente
imprescindível ler a primeira parte, publicada a semana passada.
A contestação às
ideias de Aveline sobre o Glossário
Depois da distribuição do texto de Aveline pelos canais
habituais usados pelo grupo de estudantes congregado pelo teosofista
brasileiro, a resposta não se fez esperar. Vamos abordar aqui duas dessas
reações, a de Daniel Caldwell e a de Matthew Webb.
Caldwell é um veterano estudante de Teosofia, que gere o
portal mais completo sobre HPB, o Blavatsky Study Center. Já editou vários
livros, um deles traduzido para português - “O Mundo Esotérico de Madame
Blavatsky”, editado no Brasil pela Madras. Mais recentemente Caldwell, editou “Laura Holloway e os Mahatmas” e antes “The Esoteric Papers of Madame Blavatsky”, que contém fac-similes de diverso
material importante na história do movimento. Há ainda uma compilação de
Caldwell para introdução à Teosofia em forma de e-book.
Na sua argumentação,
Caldwell junta a questão do Glossário com a controvérsia (mais uma!) em relação ao terceiro volume de “A Doutrina
Secreta” (que corresponde ao quinto e sexto volumes na edição em língua
portuguesa), publicado também já depois da morte de Blavatsky e que alguns
consideram ter sido um acrescento da exclusiva responsabilidade de Besant e
Mead. Outras questões delicadas afligem essa edição, a partir do qual foi feita
a única tradução para português hoje existente.
Mas cada coisa a seu tempo; essa história será aqui trazida
oportunamente.
Em 1891, quer Olcott, quer Besant falavam da preparação de
um glossário “com termos em Sânscrito e outros noutras línguas orientais”.
Annie Besant, Cel. Olcott (sentado) e WQ Judge |
Blavatsky, no prefácio da 2ª edição em inglês de “A Chave
para a Teosofia” (a edição em língua portuguesa foi feita a partir da 1ª edição
e não tem Glossário) escreve que adicionou “um copioso Glossário de todos os
termos técnicos encontrados [em “A Chave”]. A maior parte das definições e
explicações são transcrições ou abreviaturas do “Glossário Teosófico” maior,
que será em breve publicado”. Isto foi escrito no outono de 1890, mais de meio
ano antes da morte de HPB. Um a um, Caldwell desmonta os
argumentos de quem sustenta, a não responsabilidade de Blavatsky na edição do
Glossário.
HPB foi acusada de plágio, tendo William Emmette Coleman
sido um dos principais detratores do trabalho da Velha Senhora. Ele identificou
mais de 1 000 dos cerca de 2 800 termos como sendo copiados de outros livros.
Essa avaliação foi confirmada por Boris de Zirkoff, embora a contabilidade dos
termos supostamente plagiados tenha sido menor. Contudo no próprio prefácio do
Glossário são explicitamente citados esses livros como fontes. Somado a isso,
há a referir que Blavatsky fez inúmeros acrescentos da sua própria autoria, a
maior parte de natureza ocultista.
De Zirkoff na capa da última "Theosophia" (Foto:TS wiki) |
Caldwell prossegue na sua argumentação, demonstrando que
algumas definições no Glossário consideradas erróneas surgem quer em “A Chave
para a Teosofia”, quer em “A Voz do Silêncio”, concluindo as suas observações
da seguinte forma:
“Na elaboração dos manuscritos do “Glossário Teosófico”,
Madame Blavatsky compilou definições de termos de mais de uma dúzia de livros
académicos. Em vários das entradas deste material compilado, HPB adicionou a
sua “interpretação ocultista” ou ponto de vista esotérico.
Muitos dos erros encontrados no Glossário são derivados de
erros nos livros a partir dos quais HPB extraiu as definições."
À luz do acima expresso, conclui Caldwell, não existem
razões para acusar GRS Mead de adicionar material ao manuscrito do Glossário
Teosófico depois da morte de HPB.
Matthew Webb, um associado britânico da Loja Unida de
Teosofistas é menos argumentativo, mas mais duro na apreciação
desta controvérsia.
Na primeira parte do seu artigo, Webb constata o óbvio: “a
declaração de que HPB só viu ‘as primeiras trinta e duas páginas das provas
tipográficas’ não é a mesma coisa que dizer que ela somente viu as primeiras trinta e duas páginas
do livro de 389 páginas [na versão em inglês, em português são 777]. Está-se
simplesmente a dizer que ela não teve a oportunidade de verificar tudo o que
havia escrito de forma a confirmar que estava pronto para publicação, nem tão
pouco completar o volume com a amplitude que ela originalmente pretendia.”
HP Blavatsky |
Webb continua: “Portanto o Glossário Teosófico não é de modo
algum completo ou exaustivo – embora contenha muitas entradas para cada letra,
de A a Z – nem são todas as entradas necessariamente exatas como poderiam ser
se HPB tivesse vivido mais tempo e tivesse sido capaz de supervisionar a
publicação do trabalho ela própria, e estes são factos que nenhum teosofista
alguma vez negou.
O que negamos, contudo, é a afirmação ridícula e sem
fundamento (…) de que o livro não deve ter o nome H.P. Blavatsky como sua autora.”
Referindo não ser esta uma crítica pessoal , nem negar a boa
fé dos que defendem a visão que Webb denuncia, ele acrescenta não existir uma “lógica clara por trás dela. Inferir que
GRS Mead era ele próprio responsável pela maior parte das entradas do Glossário
é dar um ilógico e gigantesco salto das afirmações feitas e factos verificáveis
para uma conclusão manifestamente errónea.
O teosofista britânico releva a utilidade do Glossário, sendo também da opinião que de Zirkoff foi precipitado nas suas conclusões e que não pode ser imputada a Blavatsky responsabilidades por erros que ela não teve a oportunidade de corrigir.
Webb termina o seu artigo, afirmando que algumas pessoas
deixaram a Teosofia de lado depois de lerem discussões do género em fóruns de
Teosofia na internet, discussões essas muitas vezes em tons exacerbados.
“Embora o conhecimento académico, história e a investigação
todas tenham o seu lugar, fazemos bem em relembrar o que é a Teosofia e o
movimento teosófico, e dessa forma menos tempo e energia será despendido em
assuntos em última instância irrelevantes e mais bem investidos no verdadeiro
auxílio e serviço ao sofrimento humano.
O que HPB escreveu na Introdução de “A Doutrina Secreta”
pode ser aplicado ao trabalho dela em
geral, o de que “foi escrito para a instrução dos estudantes de Ocultismo e não para benefício dos filólogos.”
As alternativas
A verdade é que, embora não embarquem na teoria de que o
nome de Blavatsky não deveria estar na capa do livro, grande parte dos
teosofistas mais experientes é bastante cautelosa na abordagem ao Glossário,
principalmente aqueles que têm conhecimentos de Sânscrito.
Existem contudo boas alternativas, que são também
mencionadas no artigo de Aveline.
A principal será o Glossário Enciclopédico Teosófico [no
original, Encyclopedic Theosophical Glossary], disponível no site da Sociedade
Teosófica de Pasadena. Este Glossário é bastante maior que o editado por Mead,
estando corrigido de muitos dos erros apontados ao Glossário original. O mesmo
constitui uma expansão do Glossário do Oculto [Occult Glossary] publicado em
1933 por um respeitado líder da ST Pasadena, Gottfried de Purucker (GdeP), e
que está disponível aqui.
Contudo, em relação a este Glossário há quem também tenha as suas reservas,
nomeadamente em relação a algumas “inovações” de GdeP, que se considera não
estarem completamente em linha com a Teosofia de Blavatsky/Mestres.
Gottfried de Purucker |
Contudo, tudo pesado, também da minha parte considero ser a
melhor opção. Este Glossário só esta disponível online
existindo uma versão do mesmo em pdf que
circula entre alguns estudantes.
Outra alternativa, embora não tão completa é a Enciclopédia
Teosófica (ET), que está também disponível online,
embora exista uma versão em livro que pode ser encomendada a partir da Secção
das Filipinas da Sociedade Teosófica. Embora não tão rica em termos de
terminologia como o Glossário da ST Pasadena, a Enciclopédia tem também várias
entradas sobre os teosofistas mais conhecidas, bem como sobre pessoas
influenciadas pela Sabedoria Perene. A ET resulta do esforço combinado de
várias pessoas, entre as quais Vicente Hao Chin Jr. e John Algeo (editor geral).
Também acessível pela internet está a Wiki da
Sociedade Teosófica, que seguindo aquele formato popularizado pela wikipedia, é
atualizada com bastante frequência e progressivamente vai se tornando mais
exaustiva. Existe um portal específico para as cartas dos Mahatmas e para HPB.
É possível que esta wiki se venha a tornar num instrumento essencial para muitos
estudantes de Teosofia, sendo admissível que surjam versões noutras línguas que
não o inglês. Na verdade, em língua portuguesa, o único Glossário disponível é
mesmo o editado por Mead, objeto da controvérsia que este post (e o da semana
passada) deu a conhecer.
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