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sábado, 27 de outubro de 2012

Reencarnação - A explosão populacional e o intervalo entre vidas (3ª parte)


Com o post desta semana conclui-se a tradução do capítulo “Reencarnação e a explosão populacional” retirado do livro da autoria de Sylvia Cranston e Carey Williams, intitulado “Reincarnation – A New Horizon in Science, Religion and Society”.

“Quantas pessoas já viveram na Terra? Não há dúvidas de que a população cresceu enormemente durante o século XX e portanto o argumento levantado por Tertuliano contra a reencarnação, sobre de onde vinha esta população extra, parece à primeira vista ser válido. O Dr. Ian Stevenson, na sua investigação na área da reencarnação, abordou uma vez este problema. Isso aconteceu em 1974, antes da tendência decrescente na população mundial se ter tornado evidente. Ele escreveu o seguinte em resposta à questão “Se a reencarnação existe, como se explica a “explosão populacional?”:

“Dado que várias pessoas parecem ter ideias equivocadas sobre o número de seres humanos que já viveu na Terra, justifica-se que eu aprofunde esta questão. O recente grande aumento da população mundial, caso continue, pode trazer dificuldades para a hipótese da reencarnação, mas isso não acontece para já. Para além disso, só existem estimativas toscas do número de seres humanos que já viveram na terra desde a origem do Homem.”

Esses cálculos, diz Stevenson, dependem de vários pressupostos, tal como estimativas da data da origem do homem. Até há pouco tempo, as datas desse acontecimento variavam entre 600 mil e os 1,6 milhões de anos. Contudo, devido a descobertas surpreendentes em 1976 o número cresceu até 3,75 milhões de anos, mas escavações subsequentes feitas em 1984 por uma expedição patrocinada pela Universidade de Harvard e os Museus Nacionais do Quénia, revelaram que os nossos remotos ancestrais viveram há 5 milhões de anos e existem projecções que apontam para que oito milhões de anos seja a data mais provável.

[NT: Com efeito, nos anos 90 foi descoberto um hominídeo com 4,2 milhões de anos, em 2000 um com 6 milhões e em 2001 uma caveira do que se supõe ser um antepassado do homem  moderno (por ser bípede) com 7,2 milhões de anos!]

Quem pois pode dizer com certeza quantas pessoas viveram durante um tão grande intervalo de tempo? Grandes civilizações têm-se erguido e caído, sem que tenham deixado registos sobre estatísticas populacionais. “Temos pouca informação fiável sobre taxas de crescimento da população para períodos antes do início da demografia moderna nos séculos XVII e XVIII”, nota Stevenson.”E quanto mais distante é o alvo da nossa indagação-o passado remoto e proto-histórico-mais substituímos os factos por suposições.” Os demógrafos têm produzido estimativas da população mundial total [NT: isto é, desde a origem do Homem] que variam entre os 69 mil milhões (Keyfitz, 1966) e os 96 mil milhões (Wellemeyer et al., 1962). [NT:Cada  estudo, dá um número diferente, este por exemplo aponta para os 108 mil milhões.]

Prof. Ian Stevenson


Para efeitos de debate, Stevenson traça uma média entre estes dois números e usa uma estimativa conservadora de 80 mil milhões. Ele escreve:

“A população mundial de hoje é de cerca de 4 mil milhões. Portanto, assumindo de forma conservadora 80 milhões de vidas humanas no total, cada alma humana (para usar uma expressão conveniente) pode ter tido, em média, a oportunidade de encarnar 20 vezes. A estimativa atrás mencionada - terrivelmente crua como é - assume de forma bastante injustificada que o intervalo entre a morte e a renascimento se tem mantido constante ao longo da existência humana. Mas talvez o intervalo entre vidas já tenha sido muito maior do que é hoje em dia. Nessa altura muitas almas existiriam no estado (seja qual ele for) entre vidas na Terra e poucas estariam encarnadas. Nos séculos mais recentes as condições podem se ter alterado, por forma a que mais almas estejam encarnadas e menos permaneçam na condição de desencarnadas.”

“Desta forma”, diz Stevenson, “nós podemos, se quisermos, pensar num número finito de almas” com ligação à Terra, “que estão agora a reencarnar mais rapidamente depois da morte, do que anteriormente”.

Que o intervalo entre vidas era antes mais comprido, é algo que está de acordo com os pontos de vistas dos antigos. Platão assevera no “Fedro” que salvo certas excepções, “muitas eras” se sucedem entre vidas. N’ “A República” ele menciona um ciclo entre encarnações de mil anos. Virgílio faz o mesmo na “Eneida”. Krishna no “Bhagavad-Gita” também fala numa “imensidão de anos” entre vidas. A vida diária naqueles primeiros tempos corria a uma velocidade menor do que hoje em dia. Tudo está acelerado no nosso mundo moderno. Até as crianças amadurecem mais depressa. Talvez seja pois natural que o tempo entre encarnações seja menor que anteriormente.

Mas este tipo de especulações não esgota as possibilidades, pois tal como aponta Stevenson: ”podemos ao menos conceber que as almas humanas evoluíram de animais sub-humanos para corpos humanos, apesar de não termos provas que suportem directamente esta conjectura.  Finalmente - e aqui aproximamo-nos da ficção científica - almas humanas podem ter migrado de outros sistemas solares para o nosso planeta.”

Um factor ainda a ser mencionado deve ser considerado como contribuindo para o recente crescimento populacional: as pessoas estão a viver mais tempo na Terra do que no passado. Um texto da UPI [NT:United Press International] informava que “a esperança de vida média nos Estados Unidos aumentou 26 anos neste século [NT:século XX] de 47 para 73 anos. As estatísticas de esperança de vida ao longo das últimas oito décadas indicam que por volta do ano 2000 a esperança média de vida será de 82,4 anos. (The New York Times, 18 de Julho de 1980). [NT: As estatísticas mais recentes mostram que outros países até já superam a esperança média de vida de 82,4 anos, mas não os Estados Unidos que no ranking mundial estão imediatamente atrás de Cuba e à frente de Portugal com 78,2 anos.]

Há alguma inteligência por trás do nivelamento do crescimento populacional ? Um relatório relacionado com “a espantosa reviravolta nos destinos da demografia mundial,” cita Jonas Salk que refere que a nova tendência pode ser o resultado de um novo imperativo evolutivo. Ele deu como exemplo as moscas da fruta cujas populações disparam a uma taxa exponencial, mas que depois se equilibram. (The Saturday Review, 3 de Março de 1979). 

Se as moscas podem fazer isto, não será razoável pensar que na evolução humana haverá um nivelamento semelhante?

Que possa existir algum factor regulatório inteligente nos nascimentos de seres humanos que previna os excessos extraordinários, é algo que pode ser inferido do facto detectado pelos demógrafos nos países em que no pós-guerra, onde nascem mais bebés masculinos que femininos. Normalmente acontece ao contrário. 

“Estes números”, diz Stevenson, “podem ser interpretados como um indicador da capacidade da Natureza de compensar o aumento do número de homens que morrem durante as guerras." "O conceito de reencarnação fornece uma explicação de como um tal processo pode funcionar através do facto de mais personalidades masculinas quererem encarnar depois de guerras onde morreram mais homens que mulheres”, acrescenta Stevenson."

sábado, 20 de outubro de 2012

Reencarnação - A explosão populacional e o intervalo entre vidas (2ª parte)


Depois de uma pequena introdução na semana passada ao livro de Sylvia Cranston e Carey Williams, “Reincarnation – A New Horizon in Science, Religion and Society”, acrescida de uma nota biográfica sobre a autora avançamos para a tradução do capítulo “Reencarnação e a explosão populacional”, que consta da secção IV do referido livro.

“Desde a Roma Antiga, o espectro de um mundo com demasiada gente – demasiadas bocas para alimentar, vestir e abrigar – tem assombrado as mentes das pessoas da Terra. O pai da igreja Tertuliano ficava perturbado com o aumento alarmante de população nas zonas de influência de Roma nos primeiros séculos da era cristã. Por essa razão, nos seus argumentos contra a reencarnação, ele desconsiderava a doutrina porque ela não conseguia explicar de onde aquele acréscimo de população provinha. Ele não se deveria ter preocupado com o problema da população, pois durante a Idade Média, a população na Europa diminuiu para um nível inferior.

Nos anos mais recentes, os demógrafos têm vindo a projectar cenários desastrosos de aumentos populacionais assombrosos. Isto cada vez mais parece um falso alarme. Com base nas estatísticas presentes, o colunista Ben Wattenberg do New York Post, intitulou a sua coluna do dia 28 de Abril de 1991, “Boom populacional está em falência” e escreve:

“Trezentos milhões de pessoas desapareceram durante a última década. A maior parte dessas pessoas era de países pobres. Desapareceram. Perdidas para sempre.

Estas pessoas não foram vítimas de uma fome cruel nem da repressão de um tirano, mas de taxas de natalidade em queda. Os trezentos milhões de indivíduos do Terceiro Mundo em falta são obviamente um artefacto estatístico. São pessoas que, em 1968 os demógrafos das Nações Unidas previram que nasceriam por volta do ano 2000. Mas em 1970, com os nascimentos em queda, os mesmos demógrafos previram que esses 300 milhões de pessoas não nasceriam na mudança de século.

Estas alterações de projecções apontam para um facto dos tempos modernos que tem recebido pouca atenção. É que a chamada “explosão populacional” está a regredir e de forma muito rápida na maior parte dos sítios…O bizarro “Global 2000 Report” da responsabilidade do Presidente Carter menciona uma projecção leviana de uma população mundial de quase 30 mil milhões nos próximos 120 anos [NT: até 2100, portanto]. Hoje, o valor inferior dos intervalos de projecções moderadas é de 10 mil milhões, embora alguns demógrafos dêem ainda valores mais baixos, na ordem dos 8 mil milhões…

[NT: Este recente relatório das Nações Unidas confirma o cenário dos valores inferiores, estimando-se uma população de 9 mil milhões em 2100. A população deverá começar a diminuir já a partir de 2075. Seja como for é praticamente adivinhação fazer  uma previsão a 90 anos…mas o  mesmo estudo aponta para uma população em 2300 semelhante à de 2100!]

O que vemos portanto é um padrão que é observável noutros domínios da nossa sociedade: o de darmos brado e politizar tendências negativas que podem até não ser más ou que podem nem ser tendências.”

Um artigo do New York Times intitulado “Fertilidade mundial em rápido declínio de acordo com novo e extensivo estudo” informa sobre os resultados do “Estudo Mundial sobre a Fertilidade”, uma iniciativa multinacional iniciada em 1972 e já reconhecida como o maior projecto de investigação de ciências sociais jamais lançado”. O NY Times escreve que o estudo concluiu que “a inquirição de 400 mil mulheres em 61 países mostra que a explosão populacional que afectou grande parte do nosso planeta está aliviando. A fertilidade e a taxa de natalidade nos países do terceiro mundo e nas nações mais desenvolvidas tem diminuído de forma significativa na última década, conclui o estudo “ (15 de Julho de 1980).

O editor de ciência do New York Daily News, Edward Edelson, escreve que nos Estados Unidos “o declínio da taxa de natalidade nos anos mais recentes é uma das tendências mais marcantes na história americana” (10 de Maio de 1980).

Dois anos antes, o Serviço de Censos dos EUA publicou um relatório (19 de Novembro de 1978) onde se refere que a tendência de crescimento da população mundial inverteu-se, numa reviravolta sem precedentes. Embora a população esteja ainda a aumentar, a taxa de crescimento decresceu substancialmente. No Fundo das Nações Unidas para Actividades  Populacionais, um porta-voz disse que os novos números mostram que “a tendência decrescente é suficientemente impressionante para eliminar qualquer dúvida de que a fertilidade está a cair acentuadamente”. Os demógrafos dizem que não existe uma explicação clara para a inversão da taxa de crescimento. “Ninguém realmente sabe a razão”, diz o director de informação do fundo, Trazie Vittachi. Ele acrescenta que “ninguém deve pressupor que o problema populacional está resolvido. Continua a ser uma questão de repartição dos recursos mundiais. Mas existe uma luz ao fundo do túnel” (The Star-Ledger, 2 de Novembro de 1978).

Continuaremos na próxima semana, com a terceira e última parte onde se discutirão algumas hipóteses sobre a duração do intervalo entre vidas.

sábado, 13 de outubro de 2012

Reencarnação - A explosão populacional e o intervalo entre vidas (1ª parte)


Publicado em 1984, “Reincarnation – A New Horizon in Science, Religion and Society” é um livro que continua a ser fundamental, apesar de conter alguns dados datados (como seja em relação a sondagens à população sobre a crença na reencarnação, embora numa breve pesquisa que fiz as percentagens continuem a ser muito semelhantes) e de existir, por exemplo, mais investigação na área das Experiências de Quase Morte (EQM).



É difícil entender porque nunca foi este livro traduzido para português, quer em Portugal quer no Brasil. A reedição de 1999 feita pela Theosophical University Press (TUP) – ligada à Sociedade Teosófica de Pasadena - refere na contracapa a opinião de várias pessoas que recomendam vivamente o livro escrito por Sylvia Cranston e Carey Williams (o pseudónimo de Caren M. Elin). 

São exemplos Elisabeth Kübler-Ross uma respeitada médica norte-americana que lutou intensamente contra o tabu da morte, tendo publicado vários e excelentes livros sobre o tema (faleceu em 2004) e Brian Weiss, outro médico que reavivou os relatos de vidas passadas sob regressão hipnótica (um método controverso, mas que teve o mérito de trazer para a ribalta o fenómeno da reencarnação). A opinião expressa é de que é um livro único, com imensa informação e rigoroso.

Brian Weiss

Sylvia Cranston é o pseudónimo de Anita Atkins. Nascida a 12 de Dezembro de 1915, ela não chegou a frequentar a universidade, ficando apenas pelo liceu. Tornou-se uma autodidacta. Os pais de Anita frequentavam a Loja Unida dos Teosofistas (LUT) em Nova Iorque e Anita teve os seus primeiros contactos com a literatura teosófica através dos relatos que o seu pai trazia das reuniões na Loja. Tímida e envergonhada, Anita levou tempo até ir presencialmente a uma reunião. A partir desse momento tornou-se numa presença regular na Loja. Nunca casou, dedicando toda a sua vida à Teosofia, dando palestras e escrevendo livros, cujas receitas eram destinadas à causa teosófica e não ao proveito pessoal.

Conhecedora de toda a literatura deixada por Blavatsky (que leu mais do que uma vez) tinha particular interesse pelo tópico da morte e reencarnação, e por isso desde os 16 anos compilou informação sobre o que grandes escritores, filósofos, pensadores, artistas, psicólogos e compositores  disseram sobre o tema. Essa é a origem dos primeiros três livros publicados por Cranston, que têm Joseph Head como co-autor. São eles “Reincarnation: An East-West Anthology” (1961), “Reincarnation in World Thought” (1967) e “Reincarnation: The Phoenix Fire Mystery” (1977). O seu quarto livro é aquele que referi no início do texto e que foi escrito em colaboração com Carey Williams, “Reincarnation: A New Horizon in Science, Religion and Society” (1984).

Anita Atkins (Sylvia Cranston)

O último livro de Sylvia Cranston, está traduzido para português e é a biografia de Helena Blavatsky, “Helena Blavatsky: A Vida e a influência extraordinária da fundadora do movimento teosófico moderno”. Inicialmente publicado em 1993, teve uma edição revista em 1994, tendo aparecido em língua portuguesa em 1997. Cranston sofria da doença de Parkinson já durante a escrita do livro, e viria a falecer a 20 de Junho de 2000. 

Esta pequena biografia de Cranston foi retirada do site Theosophy Forward.

“Reincarnation – A New Horizon in Science, Religion and Society” está estruturado em quatro partes. A primeira poder-se-á considerar como introdutória. Dá um panorama geral e contém uma palestra dada por Cranston na Universidade de Harvard em Outubro de 1979.

A segunda parte intitula-se “Cientistas investigam a reencarnação” e engloba referências ao trabalho de Ian Stevenson (estudo de casos sugestivos de reencarnação), Raymond Moody Jr. (Experiências de quase morte) entre outras. É feita também referência às “cassetes Bloxam” que continham regressões a vidas passadas por meio de hipnose. Resultam do trabalho de Arnell Bloxham, presidente da Sociedade Britânica de Hipnoterapeutas e deram origem a um famoso documentário da BBC em 1976. Cranston colocou no livro a transcrição de um caso de um homem que tinha sido um marinheiro numa fragata britânica durante o século XVIII. É uma parte muito cativante pois os detalhes e as expressões usadas são impressionantes e foram analisadas por especialistas. Contudo no livro, há um claro alerta para o perigo das regressões via hipnose e aos danos psicológicos que podem causar.

Prof. Ian Stevenson


Na terceira parte, Cranston investiga o tema da reencarnação nas principais religiões: Cristianismo, Islamismo, Hinduísmo, Budismo e Judaísmo e na quarta e última secção do livro, a autora avalia o potencial impacto na vida humana e na sociedade da generalização da aceitação da reencarnação como um facto. Isso traria impactos positivos com o aumento da preocupação pela destruição da Natureza, na mediação de conflitos, na discriminação sexual, etc…

É dedicado também um capítulo à questão do suicídio, que tem estado na ordem do dia, nos países mais afectados pela crise como Portugal. É certo e sabido que quer as religiões, quer a Teosofia e o espiritismo condenam e desaconselham a prática do suicídio, pois esta não vem resolver absolutamente nada, continuando o suicida em sofrimento moral no plano não físico.

Nas próximas duas semanas teremos aqui a tradução de um dos capítulos do livro intitulado “Reencarnação e a explosão populacional”.

sábado, 6 de outubro de 2012

A Ética de Helena Blavatsky (2ª parte)


Na semana passada, vimos como April Hejka-Ekins definia ética, apresentando as suas quatro dimensões. De seguida, serão apresentados diversos excertos dos escritos de Helena Blavatsky sobre o tema.

Jerry e April Hejka-Ekins, membros bem
conhecidos da comunidade teosófica

Por exemplo em “Ocultismo Prático” (p.108 da edição em português da Editora Teosófica) ela refere: 

“É fácil tornar-se um teosofista. Qualquer pessoa com mediana capacidade intelectual e com certa inclinação para a metafísica; que leve uma vida pura e altruísta, que encontre mais alegria em ajudar o seu próximo do que em receber ajuda para si mesmo, que esteja sempre pronta a sacrificar os seus prazeres pessoais em benefício dos outros; que ame a Verdade, a Bondade e a Sabedoria simplesmente pelo que são em si mesmas, e não pelo benefício que delas possa auferir - é um teosofista.”



Em “A Chave para a Teosofia” em resposta a uma questão/comentário crítico sobre o comportamento de alguns teosofistas HPB escreve: “(…) não se pode evitar entre nós [o desrespeito por regras fundamentais] mais do que aqueles que se autodenominam cristãos e agem como demónios. Isto não é uma falha dos nossos estatutos e regras, mas da natureza humana. Mesmo em algumas lojas públicas exotéricas, os membros juram pelo seu “Eu Superior”, a viver a vida prescrita pela Teosofia. Eles devem levar seu Eu Divino a guiar cada um dos seus pensamentos e actos, todos os dias e a cada momento das suas vidas. Um verdadeiro teosofista deveria “proceder com justiça e caminhar humildemente” (p.58 da edição em português).


Helena Blavatsky


Também nas instruções dirigidas aos membros da Secção Esotérica, que podem ser encontradas no volume XII (p.508) dos Escritos Reunidos (Collected Writings), Blavatsky é muito directa:

“Aquele que não pratica o altruísmo; aquele que não está preparado para partilhar o seu último bocado de comida com alguém mais fraco ou mais pobre que ele próprio; aquele que negligencia ajudar o seu igual, independentemente da raça, nação ou credo, onde e quando encontra sofrimento, e que faz orelhas moucas ao choro da miséria humana; aquele que ouve um inocente ser caluniado, seja um irmão teosofista ou não, e não toma a sua defesa como faria consigo próprio-não é um teosofista”.

Volume I dos Collected Writings


Em “A Chave para a Teosofia” Blavatsky também explicita no que consiste o dever de um teosofista (p.200):

“O dever é aquilo que é devido à Humanidade, aos nossos semelhantes, vizinhos, família, e especialmente aquilo que devemos a todos aqueles que são mais pobres e mais desamparados do que nós“. Mais adiante ela acrescenta que a humanidade necessita de “um total reconhecimento de direitos e privilégios iguais para todos, e sem distinção de raça, cor, posição social ou nascimento.”

Blavatsky dizia também que a prática da caridade feita de forma directa era muito mais valiosa do que a feita de modo impessoal. Ou seja, visitar alguém no hospital ou ajudar directamente alguém necessitado (sem intermediários) é mais importante do que dar um donativo a uma ONG, por exemplo.

No mesmo livro Helena Blavatsky avisa para a inutilidade de alguns sacrifícios auto-impostos, em resposta à pergunta se o auto-sacrifício é um dever.

Replicando que sim, ela alerta contudo que “um homem não tem o direito de deixar-se morrer de fome para que outro homem tenha alimento, a menos que a vida daquele homem seja obviamente mais útil para a maioria do que a sua própria vida. Mas é seu dever sacrificar o seu próprio conforto, e trabalhar para os outros, se estes forem incapazes de trabalhar por si mesmos. É seu dever dar tudo o que é inteiramente seu e que pode beneficiar apenas a si mesmo, se for egoisticamente resguardado dos demais. A Teosofia ensina a auto-abnegação, mas não o auto-sacrifício irreflectido e inútil, e nem justifica o fanatismo. “ (p.208)

Na subsecção “O que um teosofista não deve fazer” (p.216) HPB dá mais umas indicações:

Não “guardar silêncio ao ouvir relatos maldosos ou calúnias difundidas sobre a ST, ou sobre pessoas inocentes, sejam seus companheiros ou pessoas de fora.”,(p.217), não “se contentar com uma vida ociosa ou frívola”, não “dar valor demasiado ao seu progresso pessoal ou proficiência nos estudos teosóficos”, não “colocar a sua vaidade pessoal, ou sentimentos acima das da sua Sociedade como um todo” (p.218), “estar preparado para reconhecer e confessar as suas próprias falhas. Pecar antes por louvar exageradamente os esforços do seu vizinho do que não apreciá-los suficientemente. Nunca acusar ou caluniar uma pessoas pelas costas.” (p.219).

Hejka-Ekins diz que “A Doutrina Secreta” é a doutrina da cabeça e “A Voz do Silêncio” a do coração. Quem já as leu, não tem dúvidas de que assim é, efectivamente. Há a necessidade imperiosa de as conjugar as duas, de modo a que seja possível prosseguir a caminhada no sentido da iluminação.

Primeira tradução para o português
feita por Fernando Pessoa


Paciência, equanimidade, vontade de aprender e concentração são qualidades a desenvolver.

Hejka-Ekins cita ainda um artigo de Blavatsky que foi publicado na revista Lucifer, em Novembro de 1887 (para os que não sabem Lucifer significa o portador da luz e o seu significado é o oposto do que diz o Cristianismo).

Em “Let Every Man Prove His Own Work” (“Prove cada um a sua própria obra”, uma expressão que está na Bíblia em Gálatas 6:4), ela responde a uma carta que continha a crítica implícita, de que apesar de todo o discurso de altruísmo, os teosofistas pouco faziam na prática.

Fortemente argumentativa, Blavatsky aborda de um modo politicamente pouco correcto a questão da pobreza (HPB sempre foi alérgica aos comportamentos e opiniões tidos como politicamente correctos da sociedade da sua época, preferindo a sinceridade e a verdade) , dizendo que nalguns casos a má condição económica era o melhor modo de fazer progredir a alma e que portanto não é assim tão líquido que o progresso material seja benéfico, de um ponto de vista mais lato. Ela diz também que “é preciso ter muita sabedoria para agir no bom sentido sem o perigo de causar um mal incalculável. Um adepto muito elevado, pode através dos seus grandes poderes intuitivos, saber quem aliviar da dor e quem deixar na mira daquilo que é o seu melhor professor.“

No parágrafo seguinte HPB prossegue: “Mal perceba quão amiga e instrutora pode ser a dor, o teosofista fica estarrecido perante o misterioso problema da vida humana, e embora ele deseje fazer boas acções, também teme fazê-las de forma errada, até que ele próprio tenha adquirido maior poder e conhecimento.”

Ou seja, até podemos querer ajudar alguém, mas se calhar terá que ser essa própria pessoa a resolver o problema, nem que para isso a tenhamos que deixar ir ao fundo. Seja como for, são sempre decisões e julgamentos muito difíceis, como refere April Hejka-Ekins.  

Sendo certo que a “caridade prática não é um dos objectos declarados da Sociedade”, isto obviamente não serve de desculpa à inacção perante situações degradantes, pois o estudante de Teosofia deve fazer o que está ao seu alcance para aliviar do sofrimento do próximo (salvo a excepção acima referida).



A consulta das obras e documentos citados proporcionará naturalmente mais informação sobre este assunto e é fortemente aconselhada. Hejka-Ekins diz que a ética não é um assunto sexy, como magia e os poderes psíquicos. No entanto, quem consultar as próprias “Carta dos Mahatmas” verá a relevância quem tem o pensamento e acção correctos no progresso do aspirante espiritual.