Continuamos com a tradução de alguns excertos do artigo de
Pim van Lommel, “Sobre a continuidade da nossa consciência”. Para perceber o
contexto convém ler o post da semana passada.
Na terceira secção do seu artigo, o cientista holandês aborda a
pesquisa científica no domínio das Experiências de Quase-Morte (EQM).
Dr. Pim van Lommel |
“Em 1969, durante o meu estágio médico rotativo, um paciente
foi reanimado com sucesso na ala de cardiologia através de desfibrilhação
elétrica. O paciente recuperou consciência e ficou muito, muito desapontado.
Falou-me de um túnel, de cores belas, de uma luz e música maravilhosas. Nunca
esqueci este episódio, mas nunca fiz nada com ele. Anos mais tarde em 1976 [NT:
Na verdade, o livro foi lançado em 1975] Raymond Moody Jr. descreveu pela
primeira vez as chamadas EQM e apenas em 1986 li sobre estas experiências num
livro de George Ritchie chamado “Return from tomorrow” [Regresso de amanhã],
que relata o que ele experienciou durante um período de morte clínica, com a
duração de seis minutos, no ano de 1943, durante os seus estudos em medicina.
Depois de ler este livro, comecei a entrevistar os meus pacientes que
sobreviveram a uma paragem cardíaca. Para minha grande surpresa, no espaço de
dois anos cerca de cinquenta pacientes falaram-me do seu EQM.
A minha curiosidade científica começou a crescer, porque de
acordo com os nossos atuais conceitos médicos, não é possível experienciar
consciência durante uma paragem cardíaca, quando a circulação e a respiração
cessam.
Dr. Raymond Moody Jr. |
Várias teorias já foram propostas sobre a origem de uma EQM.
Alguns pensam que a experiência é provocada por alterações fisiológicas no
cérebro como por exemplo células cerebrais que morrem em resultado de anóxia cerebral, ou então
possivelmente causadas pela libertação de endorfinas, ou bloqueios do recetor NMDA. Outras
teorias abordam a reação psicológica à morte próxima ou uma combinação deste
fator com a anóxia. Mas até agora [2004] não existe qualquer estudo prospetivo,
meticuloso e cientificamente elaborado para explicar a causa e conteúdo de uma
EQM.“
Num estudo de 1988, com 344 sobreviventes de paragens
cardíacas, 62 (18% do total) revelaram ter alguma ideia sobre a altura da morte
clínica. Destes 62, 41 experienciaram uma EQM mais do que superficial e deste
grupo de 41, 23, ou seja 7% da amostra do estudo, revelou ter passado por uma
EQM bastante intensa. Nos EUA um estudo semelhante, mas com uma amostra de um
terço face ao estudo holandês, dava 10% de pacientes a experienciar uma EQM,
enquanto um estudo britânico com uma amostra de 63 pacientes, deu para a mesma
variável a percentagem de 6,3%.
No estudo holandês cerca de 50% dos pacientes com uma EQM
relataram consciência de estarem mortos, ou de emoções positivas, 30%
reportaram estar a atravessar um túnel, de observarem uma paisagem celeste ou
de terem encontrado parentes falecidos. Cerca de 25% dos pacientes com uma EQM
teve uma experiência extra-corporal, comunicou com a “luz” ou observou cores.
13% experienciou uma revisão de vida e 8% a sensação de estar numa fronteira.
Pim van Lommel refere
que não é a duração da paragem cardíaca, nem do período de inconsciência que
influencia o ter ou não ter uma EQM. Não há também qualquer relação entre um
episódio desta natureza e os medicamentes administrados, medo da morte antes do
ataque, conhecimento prévio sobre as EQM, religião ou educação. A EQM era mais
frequente em pacientes abaixo dos sessenta anos, por pacientes com mais de uma
reanimação cardiopulmonar durante o período de internamento e por
pacientes que já tinham experienciado uma EQM antes. A memória de curto-prazo
também é essencial para se recordar de uma EQM. “De forma inesperada”, refere
van Lommel, “descobrimos que mais pacientes com uma EQM profunda [em comparação
à média], morriam nos 30 dias após a reanimação cardiopulmonar.”
Foi feito um estudo de tipo longitudinal acompanhando os pacientes com EQM, dois e
oito anos após o episódio para avaliar os efeitos em termos psicológicos. “Os
pacientes que passaram por uma EQM não mostravam nenhum medo da morte,
acreditavam fortemente numa vida após a morte, e a sua visão sobre o que era
importante na vida tinha mudado: amor e compaixão por eles próprios, pelos
outros e pela natureza. Agora entendiam a lei cósmica que aquilo que fazemos
aos outros irá nos ser devolvido: ódio e violência, bem como amor e compaixão.
Incrivelmente, muitas vezes havia prova de sentimentos intuitivos ampliados.
Além do mais, os efeitos transformacionais duradouros de uma experiência que
dura apenas alguns minutos foi uma descoberta surpreendente e inesperada.”
Face à ausência de provas de outras teorias na explicação
para as EQM, o conceito até agora assumido mas nunca cientificamente provado,
de que a consciência e as memórias estão localizadas no cérebro deve ser
discutido. Tradicionalmente, tem sido afirmado que os pensamentos ou
consciência são produzidos por grandes grupos de neurónios ou redes neuronais.
Como pode uma perfeita consciência ser experienciada fora do corpo quando o
cérebro já não funciona durante um período de morte clínica, com o
encefalograma mostrando morte encefálica? Além do mais, invisuais também já
descreveram perceções verídicas durante
experiências fora-do-corpo aquando das suas EQM. O estudo científico das EQM
puxa-nos ao limite das nossas ideias sobre neurofisiologia e medicina, acerca do
alcance da consciência humana e da relação da consciência e das memórias com o
cérebro.
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