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sábado, 25 de janeiro de 2014

Sobre a continuidade da nossa consciência (1ª parte)

Pim van Lommel é um cientista e cardiologista holandês nascido em 1943 que tem sido um dos maiores estudiosos e divulgadores das experiências de quase morte (EQM). Já publicou sobre este tema na conhecida revista de cariz científico “The Lancet” e lançou um livro entretanto traduzido para inglês, francês, alemão e espanhol. O título em inglês é: “Consciousness Beyond Life, The Science of the Near-Death Experience” [A Consciência além da vida, a Ciência das Experiências de Quase-morte]. Neste livro van Lommel postula um modelo em que a consciência está para lá da atividade neurológica do cérebro, sugerindo que o cérebro é meramente um terminal para aceder a uma consciência que é não-local (ou seja, está situada fora do corpo físico), um pouco como um terminal ligado a um computador central.

Dr. Pim van Lommel

Como não podia deixar de ser, as conclusões do cientista holandês foram contestadas por outros investigadores do campo da neurociência e da neurobiologia. Contudo, temos de aceitar esta dialética que constitui a forma habitual da evolução da ciência. Atitudes de tipo cavernícola, de olhar para a ciência com desdém ou de forma desconfiada são extremamente contraproducentes e apenas dificultam a divulgação da Teosofia. Por alguma razão um dos Mahatmas escreveu em 1882 que a ”ciência moderna [seria] o nosso melhor aliado” e HPB fez questão de dedicar muitas páginas da sua “Doutrina Secreta” a tentar ligar a sabedoria perene às descobertas científicas da sua época. Obviamente que o chamado cientismo, tem de ser combatido, bem como todas as tentativas de censura à construção de novos paradigmas, como foi este caso.

Richard Dawkins, um dos "sacerdotes"
do cientismo (foto:wikipedia)

O objetivo do artigo que começamos a publicar esta semana é o de dar a conhecer algum do trabalho do Dr. van Lommel através da tradução de excertos do seu artigo “About the continuity of our consciousness” [Sobre a continuidade da nossa consciência].

Fica o agradecimento a van Lommel pela permissão expressa dada para esta tradução, que repito, não é completa.

Eis a introdução:

“Algumas pessoas que sobreviveram a uma crise onde a sua a vida esteve ameaçada relatam uma experiência extraordinária. As Experiências de Quase Morte (EQM) ocorrem com frequência crescente devido às maiores taxas de sobrevivência resultantes de técnicas modernas de reanimação. O conteúdo de uma EQM e os efeitos nos pacientes parecem semelhantes em todo o mundo, independentemente da cultura ou da época. A natureza subjetiva e a ausência de um quadro referencial para estas experiências levou a que fatores individuais, culturais e religiosos determinassem o vocabulário utilizado para descrevê-las e interpretá-las. A EQM pode ser definida como as memórias do conjunto total de impressões recolhidas durante o estado especial de consciência, incluindo o número especial de elementos tais como experiências fora-do-corpo, sensações agradáveis, visão de um túnel, de uma luz ou de familiares já falecidos, ou uma revisão de vida. Há muitas circunstâncias sob as quais se descreve uma EQM, tais como uma paragem cardíaca (morte clínica), choque devido à perda de sangue, lesão cerebral traumática ou hemorragia intra-cerebral, quase-afogamento ou asfixia, mas também doenças graves que não constituam ameaça imediata à vida. Experiências semelhantes às EQM podem ocorrer durante uma fase terminal da doença e são designadas por visões no leito da morte. Além do mais, experiências idênticas, chamadas de “medo da morte”, são relatadas principalmente depois de situações em que a morte parecia inevitável como acidentes graves de viação ou de alpinismo. A EQM é transformacional, causando mudanças profundas na atitude perante a vida e de perda do medo da morte. As EQM parecem ser de ocorrência relativamente frequente e para muitos médicos é um fenómeno inexplicável e portanto um resultado de sobrevivência face a uma situação médica crítica que é ignorada.  


Último livro do Dr. Pim van Lommel


Devemos também considerar a possibilidade de experiência consciente quando alguém em coma foi declarado pelos médicos como tendo tido uma morte cerebral e está prestes a ser iniciado o transplante de órgãos? Recentemente vários livros foram publicados na Holanda sobre o que pacientes experienciaram na sua consciência durante um coma na sequência de um grave acidente de viação, de uma encefalomielite disseminada aguda (ADEM), ou depois de complicações com hipertensão cerebral após uma operação a um tumor cerebral, tendo inclusive no caso deste paciente ter sido declarada a morte cerebral pelo seu neurologista e pelo seu neurocirurgião. A família recusou-se porém a dar permissão para a doação de órgãos. Após recuperarem a consciência, todos estes pacientes reportaram que tinham experienciado uma perfeita consciência com memórias, emoções e perceção fora e acima do seu corpo durante o período do seu coma, também vendo as enfermeiras, médicos e familiares dentro e à volta da Unidade de Cuidados Intensivos (UCI). A morte cerebral significa mesmo morte ou é apenas o início do processo de morte que pode durar desde horas a dias? E o que acontece à consciência durante este período? Devemos considerar a possibilidade de alguém que está clinicamente morto durante uma paragem cardíaca, possa experienciar consciência, e mesmo que possa haver consciência depois de alguém ter morrido, quando o seu corpo está frio? Como está a consciência relacionada com a função cerebral no seu todo? É possível entender melhor esta relação? Na minha perspetiva, a única abordagem empírica para avaliar teorias sobre a consciência é a investigação sobre  EQM, porque ao estudar os vários elementos universais que são relatados durante as EQM, temos a oportunidade de verificar todas as teorias existentes sobre a consciência que têm sido discutidas até agora. A consciência apresenta experiências tanto duradouras como temporárias. Existe um fim ou um princípio para a consciência?”

Sobre a morte

Primeiro quero abordar a questão da morte. A confrontação com a morte levanta muitas questões básicas, mesmo para os médicos. Porque temos medo da morte? Estarão os nossos conceitos sobre a morte corretos? A maior parte de nós acredita que a morte é o fim da nossa existência; acreditamos que é o fim de tudo aquilo que somos. Acreditamos que a morte do nosso corpo é o fim da nossa identidade, dos nossos pensamentos e memórias, que é o fim da nossa consciência. Teremos de alterar os nossos conceitos sobre a morte, não apenas com base naquilo que foi pensado e escrito sobre a morte ao longo da história da humanidade em todo o mundo em muitas culturas, muitas religiões e em todas as épocas, mas também com base na informação de mais recente investigação científica em EQM?

O Dr. Pim van Lommel é um grande divulgador das EQM.
Este é um anúncio da sua presença num famoso programa de
rádio dos EUA.

O que acontece quando morro? O que é a morte? Durante a nossa vida, 500 mil células morrem a cada segundo, em cada dia cerca de 50 mil milhões de células são substituídas, resultando num novo corpo cada ano. Portanto a morte celular é completamente diferente da morte corporal quando morremos. Durante a nossa vida, o nosso corpo muda continuamente, a cada dia, a cada minuto, a cada segundo. Em cada ano cerca de 98% das moléculas e átomos no nosso corpo foram substituídos. Cada ser vivo encontra-se num equilíbrio instável entre  dois processos opostos de desintegração e integração contínuos. Mas ninguém dá por esta mudança constante. E de onde vem a continuidade do nosso corpo em mudança constante? As células são apenas os blocos constitutivos do nosso corpo, tal como os tijolos de uma casa, mas quem é o arquiteto que coordena a construção desta casa? Quando alguém morreu, apenas ficam restos mortais: somente matéria. Mas onde está o diretor do corpo? E a nossa consciência quando morremos? Somos o nosso corpo, ou “temos” um corpo?”


Algumas respostas na próxima semana.

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