Pim van Lommel é um cientista e cardiologista holandês
nascido em 1943 que tem sido um dos maiores estudiosos e divulgadores das
experiências de quase morte (EQM). Já publicou sobre este tema na conhecida
revista de cariz científico “The Lancet”
e lançou um livro entretanto traduzido para inglês, francês, alemão e espanhol. O
título em inglês é: “Consciousness Beyond Life, The Science of the Near-Death Experience” [A Consciência além da vida, a Ciência das Experiências de Quase-morte]. Neste livro van
Lommel postula um modelo em que a consciência está para lá da atividade
neurológica do cérebro, sugerindo que o cérebro é meramente um terminal para
aceder a uma consciência que é não-local (ou seja, está situada fora do corpo
físico), um pouco como um terminal ligado a um computador central.
Dr. Pim van Lommel |
Como não podia deixar de ser, as conclusões do cientista
holandês foram contestadas por outros investigadores do campo da neurociência e
da neurobiologia. Contudo, temos de aceitar esta dialética que constitui a
forma habitual da evolução da ciência. Atitudes de tipo cavernícola, de olhar
para a ciência com desdém ou de forma desconfiada são extremamente
contraproducentes e apenas dificultam a divulgação da Teosofia. Por alguma
razão um dos Mahatmas escreveu em 1882 que a ”ciência moderna [seria] o nosso
melhor aliado” e HPB fez questão de dedicar muitas páginas da sua “Doutrina
Secreta” a tentar ligar a sabedoria perene às descobertas científicas da sua
época. Obviamente que o chamado cientismo, tem de ser
combatido, bem como todas as tentativas de censura à construção de novos
paradigmas, como foi este
caso.
Richard Dawkins, um dos "sacerdotes" do cientismo (foto:wikipedia) |
O objetivo do artigo que começamos a publicar esta semana é o de dar a conhecer algum do trabalho do Dr. van Lommel através da tradução de excertos
do seu artigo “About
the continuity of our consciousness” [Sobre a continuidade da nossa
consciência].
Fica o agradecimento a van Lommel pela permissão expressa dada
para esta tradução, que repito, não é completa.
Eis a introdução:
“Algumas pessoas que sobreviveram a uma crise onde a sua a vida
esteve ameaçada relatam uma experiência extraordinária. As Experiências de
Quase Morte (EQM) ocorrem com frequência crescente devido às maiores taxas de
sobrevivência resultantes de técnicas modernas de reanimação. O conteúdo de uma
EQM e os efeitos nos pacientes parecem semelhantes em todo o mundo, independentemente
da cultura ou da época. A natureza subjetiva e a ausência de um quadro
referencial para estas experiências levou a que fatores individuais, culturais e
religiosos determinassem o vocabulário utilizado para descrevê-las e interpretá-las. A EQM pode ser definida como as memórias do conjunto total de
impressões recolhidas durante o estado especial de consciência, incluindo o
número especial de elementos tais como experiências fora-do-corpo, sensações
agradáveis, visão de um túnel, de uma luz ou de familiares já falecidos, ou uma
revisão de vida. Há muitas circunstâncias sob as quais se descreve uma EQM,
tais como uma paragem cardíaca (morte clínica), choque devido à perda de
sangue, lesão cerebral traumática ou hemorragia intra-cerebral,
quase-afogamento ou asfixia, mas também doenças graves que não constituam
ameaça imediata à vida. Experiências semelhantes às EQM podem ocorrer durante
uma fase terminal da doença e são designadas por visões no leito da morte. Além
do mais, experiências idênticas, chamadas de “medo da morte”, são relatadas principalmente
depois de situações em que a morte parecia inevitável como acidentes graves de viação
ou de alpinismo. A EQM é transformacional, causando mudanças profundas na atitude
perante a vida e de perda do medo da morte. As EQM parecem ser de ocorrência
relativamente frequente e para muitos médicos é um fenómeno inexplicável e
portanto um resultado de sobrevivência face a uma situação médica crítica que é
ignorada.
Último livro do Dr. Pim van Lommel |
Devemos também considerar a possibilidade de experiência consciente
quando alguém em coma foi declarado pelos médicos como tendo tido uma morte
cerebral e está prestes a ser iniciado o transplante de órgãos? Recentemente
vários livros foram publicados na Holanda sobre o que pacientes experienciaram
na sua consciência durante um coma na sequência de um grave acidente de viação,
de uma encefalomielite disseminada aguda (ADEM), ou depois de complicações com
hipertensão cerebral após uma operação a um tumor cerebral, tendo inclusive no
caso deste paciente ter sido declarada a morte cerebral pelo seu neurologista e pelo seu neurocirurgião. A família recusou-se porém a dar permissão para a doação de
órgãos. Após recuperarem a consciência, todos estes pacientes reportaram que
tinham experienciado uma perfeita consciência com memórias, emoções e perceção
fora e acima do seu corpo durante o período do seu coma, também vendo as
enfermeiras, médicos e familiares dentro e à volta da Unidade de Cuidados
Intensivos (UCI). A morte cerebral significa mesmo morte ou é apenas o início
do processo de morte que pode durar desde horas a dias? E o que acontece à consciência
durante este período? Devemos considerar a possibilidade de alguém que está
clinicamente morto durante uma paragem cardíaca, possa experienciar
consciência, e mesmo que possa haver consciência depois de alguém ter
morrido, quando o seu corpo está frio? Como está a consciência relacionada com
a função cerebral no seu todo? É possível entender melhor esta relação? Na
minha perspetiva, a única abordagem empírica para avaliar teorias sobre a
consciência é a investigação sobre EQM,
porque ao estudar os vários elementos universais que são relatados durante as
EQM, temos a oportunidade de verificar todas as teorias existentes sobre a
consciência que têm sido discutidas até agora. A consciência apresenta
experiências tanto duradouras como temporárias. Existe um fim ou um
princípio para a consciência?”
Sobre a morte
Primeiro quero abordar a questão da morte. A confrontação
com a morte levanta muitas questões básicas, mesmo para os médicos. Porque
temos medo da morte? Estarão os nossos conceitos sobre a morte corretos? A
maior parte de nós acredita que a morte é o fim da nossa existência; acreditamos
que é o fim de tudo aquilo que somos. Acreditamos que a morte do nosso corpo é
o fim da nossa identidade, dos nossos pensamentos e memórias, que é o fim da
nossa consciência. Teremos de alterar os nossos conceitos sobre a morte, não
apenas com base naquilo que foi pensado e escrito sobre a morte ao longo da
história da humanidade em todo o mundo em muitas culturas, muitas religiões e
em todas as épocas, mas também com base na informação de mais recente investigação
científica em EQM?
O Dr. Pim van Lommel é um grande divulgador das EQM. Este é um anúncio da sua presença num famoso programa de rádio dos EUA. |
O que acontece quando morro? O que é a morte? Durante a
nossa vida, 500 mil células morrem a cada segundo, em cada dia cerca de 50 mil
milhões de células são substituídas, resultando num novo corpo cada ano.
Portanto a morte celular é completamente diferente da morte corporal quando
morremos. Durante a nossa vida, o nosso corpo muda continuamente, a cada dia, a
cada minuto, a cada segundo. Em cada ano cerca de 98% das moléculas e átomos no
nosso corpo foram substituídos. Cada ser vivo encontra-se num equilíbrio
instável entre dois processos opostos de
desintegração e integração contínuos. Mas ninguém dá por esta mudança
constante. E de onde vem a continuidade do nosso corpo em mudança constante? As
células são apenas os blocos constitutivos do nosso corpo, tal como os tijolos
de uma casa, mas quem é o arquiteto que coordena a construção desta casa?
Quando alguém morreu, apenas ficam restos mortais: somente matéria. Mas onde
está o diretor do corpo? E a nossa consciência quando morremos? Somos o nosso
corpo, ou “temos” um corpo?”
Algumas respostas na próxima semana.
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