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sábado, 26 de outubro de 2013

Dogmatismo na Teosofia

Ainda relacionado com o tema subjacente ao artigo cuja última parte foi colocada neste blog na semana passada (a imposição/discussão de pontos de vista, o dogmatismo, a proclamação de "verdades"...) o teosofista Carl Ek, da Sociedade Teosófica de Point Loma - Blavatsky House, recuperou o texto que abaixo se traduz e que foi escrito por um dos fundadores da Sociedade Teosófica, William Quan Judge.

Carl Ek

Nascido em Dublin em 1851, Judge correu sério perigo de vida quando tinha 7 anos, tendo chegado a ser dado como morto pelo médico. Milagrosamente recuperou e partir aí começou a se interessar por assuntos místicos. Uma explicação para o "milagre" é dado aqui (ver capítulo com o título "In a borrowed body", ou seja, "Num corpo emprestado"). Em 1864 a família emigra para os EUA e 10 anos depois Judge contrai matrimónio com uma metodista, que por essa razão era pouco amigável dos interesses do marido. Foi um casamento infeliz agravado pela morte da única filha, ainda em criança.

William Quan Judge

Foi também em 1874 que viria a conhecer Helena Blavatsky, através de Olcott e a 8 de setembro de 1875, Judge seria, junto com Olcott, Blavatsky e mais alguns elementos, um dos co-fundadores da Sociedade Teosófica (ST). Pouco depois Judge tornar-se-ia chela do mestre Morya e um dos grandes ajudantes de Blavatsky, principalmente no período em que esta viveu nos EUA. Em 1884, Judge terá sido iniciado pelo mestre M., aquando da sua visita à Índia. Regressou aos Estados Unidos onde com redrobrada energia continuou o trabalho de divulgar a Teosofia naquele vasto país. Em 1891 morre em Londres Helena Blavatsky, ficando Judge e Annie Besant como co-líderes da Secção Esotérica da ST. Em 1893, Judge publica a sua obra talvez mais conhecida, "O Oceano de Teosofia", uma explanação muito simples e clara dos princípios mais relevantes da Sabedoria Perene. No entanto, uma complicada série de acontecimentos e intrigas acabaria por conduzir a fortes desentendimentos entre Besant e Judge, acabando este em 1895 por autonimizar a Secção Americana da Sociedade Teosófica original. No ano seguinte, Judge acaba por falecer aos 44 anos de idade. As desavenças entre aqueles dois herdeiros de Blavatsky, são ainda alvo de discussão nos dias de hoje. Recordo aqui a visão de Brett Forray, que já deu azo a um post no Lua em Escorpião há cerca de um ano.

Esta resenha foi feita com base no texto sobre a vida de Judge que pode ser encontrada no site da Fundácion Blavatsky, de onde foram retiradas muitas das fotos que ilustram este texto. Um agradecimento também ao Ivan Silvestre que fez a revisão da tradução do texto abaixo.

Uma das edições em inglês de "O Oceano
 de Teosofia"



Dogmatismo na Teosofia, por William Quan Judge

A Sociedade Teosófica foi fundada para acabar com o dogmatismo. Este é um dos significados do primeiro objetivo – a Fraternidade Universal. O Coronel H.S. Olcott, no seu discurso inaugural em 1875, no Mott Memorial Hall, em Nova Iorque, disse que esse era o objetivo em vista, citando o mau efeito que a intolerância tinha tido no passado. Esse discurso foi visto pela Madame H.P. Blavatsky antes da sua leitura, ou os seus conteúdos foram-lhe comunicados, portanto teve a sua concordância, pois ela esteve presente quando foi lido.

Henry Steel Olcott


Na “Conclusão” de “A Chave para a Teosofia”, HPB refere-se novamente a este assunto e expressa a esperança de que a Sociedade não se venha a tornar, após a sua morte, dogmática ou cristalizada nalgum estágio de pensamento ou filosofia, mas que se possa manter livre e aberta, com membros sensatos e altruístas. Em todos os seus escritos e observações, privada ou publicamente, ela constantemente reiterou esta ideia. Sobre isto, o autor [NT: W.Q. Judge] tem evidências diretas pelas suas declarações em privado.
Se o nosso esforço é para ter êxito, devemos evitar o dogmatismo na Teosofia tanto como noutra coisa qualquer, pois ao dogmatizarmos e ao insistirmos na nossa construção de Teosofia, perdemos de vista a Fraternidade Universal e semeamos complicações futuras.

Há uma grande probabilidade de membros da Sociedade insistirem numa certa ortodoxia nas nossas fileiras. Já o têm feito aqui e ali, e isto é uma nota de aviso para os alertar para o perigo. Não existe ortodoxia na nossa Sociedade. Apesar de nove décimos dos membros acreditarem na reencarnação, no karma, na constituição setenária e em tudo o mais, e apesar de os mais proeminentes estarem envolvidos em promulgar estas e outras doutrinas, as fileiras da Sociedade devem ser sempre mantidas abertas e a ninguém deve ser dito que ele não é um ortodoxo ou um bom teosofista porque não acredita nestas doutrinas. Apenas é pedida a adesão de todos à Fraternidade Universal e à sua prática na procura pela verdade. Os esforços daqueles que estão desse modo a promulgar ideias específicas, são suportados pelo segundo objetivo da Sociedade, que qualquer um é livre de recusar ou de seguir, conforme preferir. Podemos negar – de modo não dogmático – a reencarnação e outras doutrinas, ou podemos afirmar a crença num Deus pessoal ou impessoal, e ainda sermos um bom membro da Sociedade, desde que a Fraternidade Universal seja subscrita e posta em prática.

Se um membro diz que ele quer enunciar a existência de um Deus, ou que não pode acreditar na reencarnação, nenhum outro deve condenar, estabelecer comparações ou apontar para os escritos de HPB ou de outrem para mostrar que esse membro é não-teosófico. As grandes mentes da Terra estão fascinadas por grandes ideias como estas, e mesmo assim, mantendo-as, podem ainda procurar pela verdade com os outros, num perfeito espírito de tolerância.

Mas ao mesmo tempo é óbvio que, entrando na Sociedade e então, sob o nosso fundamento prévio de tolerância, asseverar que a Teosofia não deve ser estudada, que o vasto conjunto de pensamento e filosofia oferecida na nossa literatura não deve ser investigado, é algo não teosófico, impraticável e absurdo, pois iria anular o próprio objetivo da nossa organização; é um dogmatismo que deriva da negação e indiferença. Devemos estudar a filosofia e as doutrinas que nos são oferecidas antes de estarmos numa posição de passar julgamento e dizer que não são verdade ou que deveriam ser rejeitadas. Julgar e rejeitar antes de analisar é típico das mentes tacanhas ou de dogmáticos preconceituosos.

E como o vasto conjunto de filosofia, ciência e ética que nos foi dada por H.P.Blavatsky e os seus instrutores tem sobre ele o carimbo da investigação, razoabilidade, antiguidade e sabedoria, exige a nossa melhor e prioritária consideração de modo a que possamos com aptidão, concluir sobre a sua aceitação ou rejeição.

Helena P. Blavatsky

Só então, um membro da Sociedade, independentemente da sua posição das nossas fileiras ser mais ou menos elevada, tem o direito de promulgar todas as ideias filosóficas e éticas encontradas na nossa literatura o melhor que conseguir, e ninguém tem o direito de se opor, desde que essa promulgação seja acompanhada de uma afirmação clara que não é autorizada ou considerada ortodoxa por qualquer declaração da estrutura da nossa S.T.. A nossa Sociedade deve permanecer livre e aberta, em qualquer circunstância, e porque nos recusamos a enunciar crenças como uma Sociedade, permanecemos poucos em número, mas podemos sempre ser fortes em influência.

Path, janeiro de 1892

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