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sábado, 27 de abril de 2013

Revelação ou Realização: O Conflito na Teosofia (4ª parte)


Nesta penúltima parte, van der Leeuw (que faleceria aos 40 anos, na sequência de um desastre de avião no sul de África) mostra quão evidente foram as adulterações promovidas pela neo-teosofia e a mudança de visão sobre certos assuntos como a existência de Deus e a necessidade de igrejismos e ritualismo.

Van der Leeuw sabia do que falava, pois chegou a ser um dos membros da Igreja Católica Liberal. No video abaixo ele aparece ao lado de Leadbeater (1:20), aquando de visita que este fez à Holanda, por volta de 1925. No final do filme surgem em cena Annie Besant (já filmada por volta dos 2:52) e Krishnamurti.



Da minha parte, considero fidedigna a correspondência entre os Mestres, Blavatsky e Sinnett, embora alguns tentem encontrar explicações mirabolantes para a mesma (é só pesquisar nesta comunidade), por isso não me revejo nas referências que se encontram mais para o final do post desta semana. Contudo, aqui já expliquei a razão de não feito amputações ao texto original.

Seguindo com a palestra de van der Leeuw...

"É bem verdade, teoricamente, que a nossa plataforma é livre, que não temos dogmas e que qualquer um é livre de criticar. Mas se esse alguém o faz, sofrerá a excomunhão silenciosa que irá efetivamente empurrá-lo com indiferença para fora do núcleo de fraternidade. Irão lhe fazer sentir que a sua conduta é escandalosa e não-fraterna, que está sendo torturado pela mente inferior, que está a atacar a Teosofia e se predispondo à influência dos poderes das trevas. E esta atitude é visível, não só entre grupos de membros ignorantes, pois eu tenho-a encontrado até junto das autoridades mais altas. Portanto, o discurso sobre uma plataforma livre e a perfeita liberdade de ideias não me impressiona, pois eu sei que não existe tal liberdade, mas antes uma ortodoxia inconsciente que praticamente conseguiu matar inteiramente a faculdade do pensamento crítico dos teosofistas.

Se a Sociedade com o seu orgulho, não tivesse tanta certeza que caminha na luz e tivesse sido chamada a trazer esta luz para um mundo em escuridão, poderia ter notado que as barreiras que tem erguido entre si e o mundo exterior, evitaram a luz da vida de entrar. Assim tem vivido às escuras, enquanto no mundo exterior uma nova e grande luz surgiu. Esse mundo redescobriu a vida sobre a qual os teosofistas falavam e consequentemente [esse mundo] não será vítima de mais barreiras. Portanto, os verdadeiros homens e mulheres modernos jamais se irão tornar membros de qualquer Sociedade, desde que eles sintam que a fraternidade é uma seita e a sua liberdade de pensamento, uma ortodoxia. Quem vem de fora sentirá que ao entrar na Sociedade Teosófica, ou noutro qualquer movimento espiritual, está a subscrever um credo que o exclui do resto do mundo, e entra numa fraternidade que o fará diferente de todos aqueles que não lhe pertencem.

Se a Sociedade Teosófica quer sobreviver, deve atrair aqueles que têm sempre procurado, e regra geral, falhado em atrair. Terá de mudar completamente o seu modo de agir. Acima de tudo, a loja tradicional com os seus encontros tradicionais terá de ser abolida. Não há um fardo mútuo mais pavoroso do que o da Loja que se tem de encontrar todas as terças-feiras à noite e então pensar em algo para fazer. O resultado só pode ser um fardo ou uma imagem artificial da vida.

Uma vez mais, se a Sociedade Teosófica é para continuar, a antiga forma de filiação que implica a aceitação silenciosa de um credo tem de desaparecer e uma organização mais livre deve tomar o seu lugar, no qual a filiação não torne um homem mais parte de uma fação do que se ele pertencesse à National Geographic Society. O homem moderno não quer barreiras que lhe impeçam a entrada num suposto ”mundo exterior”. Ele procura o contacto livre e desimpedido com a vida.

Até agora tenho lidado com as causas do declínio do movimento teosófico na sua relação com o mundo em geral. A partir daqui devemos considerar as causas mais sérias de desintegração dentro do movimento.

Desde o seu início, a Sociedade Teosófica tem sofrido um conflito interno que eu classifiquei como sendo entre a realização e a revelação. No seu significado histórico, Teosofia significa realização, a experiência do Divino dentro do homem. Foi utilizada, nesse sentido, na filosofia neoplatónica e pelos filósofos medievais. Esta conceção da Teosofia tem estado presente nos ensinamentos teosóficos desde o início. Era suposto um homem ter de encontrar o eu superior dentro dele e desse modo entrar em consciência una com a Vida em todas as coisas. Ao mesmo tempo, porém, a Teosofia caracteriza-se pelo “sistema arcaico da verdade esotérica à guarda de uma fraternidade de Adeptos”. Neste caso, a Teosofia não é para ser experienciada pelo homem, é antes um corpo de doutrina possuído e guardado por um grupo de Adeptos, em cujo poder está a sua revelação aos outros. Assim a via do conhecimento passou a ser de discipulado. Apenas se tornando um aluno dos Mestres poderia o homem esperar tomar posse da verdade esotérica. O objetivo era obter a iniciação na Fraternidade, entrando na hierarquia que guarda a sabedoria esotérica. A via da sabedoria é a da revelação, a Sabedoria divina é recebida pelo aluno através do seu Mestre e transmitida àqueles menos iluminados do que ele próprio. Assim, um sistema hierárquico de revelação surge, no qual a autoridade dos superiores não deve ser questionada e a sugestão mais leve não é para ser criticada mas obedecida. O espírito é o de um exército espiritual onde a obediência e a eficiência são virtudes maiores que a atividade criativa individual e a genialidade. O caminho da realização é o caminho do indivíduo, o seu produto maior é o génio criativo. O caminho da revelação é o caminho do grupo, o seu produto maior é o canal perfeito, transmitindo de modo obediente as ordens e o poder vindos de cima.

Devemos distinguir nitidamente revelação de autoridade. Autoridade é um facto da natureza. Quando um homem é mais sábio ou poderoso, ele automaticamente tem autoridade sobre os outros. Que esta autoridade possa conduzir a abusos de poder ou de tirania e impedir a liberdade de outros, não invalida o facto de que superioridade de nenhum modo signifique autoridade.

Mas quando eu falo em revelação, quero dizer informação que se afirma provir de uma fonte invisível, de uma autoridade inacessível. O homem primitivo olhava para alguns dos seus pares como estando intimamente relacionados com os deuses que ele temia e que estavam disponíveis para revelar a sua vontade e poder. Assim, o sacerdote era um canal através do qual a vontade, a sabedoria e a graça da divindade poderiam ser transmitidas às massas. O homem procurava um guia para a sua própria vida, pelas revelações que lhe chegavam através do oráculo designado. A casta sacerdotal ganhou poder sobre as almas dos homens e foram capazes de fazer cumprir a sua própria vontade, ao camuflá-la no material da revelação vinda do Alto. Portanto, revelação no sentido que eu uso aqui, é uma mensagem de uma autoridade invisível vinda através de um canal designado.

No discurso comum, nós às vezes falamos de coisas que são “uma revelação para nós”, mas não é nesse sentido que a palavra é usada aqui. Eu posso dizer que a teoria de Einstein é uma revelação para mim, mas que fique claro que em nenhum trabalho científico o elemento da revelação tem lugar. Não se fala em nome de uma autoridade invisível. Os cientistas falam em seu próprio nome e o que eles dizem pode ser questionado, criticado, aprovado ou desaprovado. A autoridade está sempre disponível, a fonte do conhecimento está acessível e, apesar de nem todos os homens terem os meios para provar se a teoria de Einstein é verdadeira ou não, eles sabem que outros cientistas da área têm dado o máximo para descobrir falhas nela.

O grosso da nossa literatura teosófica não contém o elemento da revelação. Se um teosofista escreve um livro, descrevendo as suas experiências neste ou noutros mundos, ou expõe as suas ideias sobre a vida e os seus problemas, não existe revelação numa obra dessas. Aquele que o escreveu, pode ser questionado e criticado, o argumento do livro pode ser discutido e alvo de contraditório. Todo o assunto permanece dentro do reino da razão. Contudo, no tempo de HPB, o elemento da revelação esteve presente na Sociedade Teosófica. Assim, nas Cartas dos Mahatmas, nós encontramos mensagens vindas de uma autoridade invisível através de um canal designado. Mais tarde, quando as cartas deixaram de chegar, mensagens vinham diretamente de autoridades teosóficas reconhecidas. Nestas mensagens, os Mestres expressavam as suas intenções sobre o que deveria ou não ser feito, que atividades deveriam ser levadas ou não a cabo e davam sugestões para guiar as vidas dos seus possíveis alunos. Aqui nós encontramos a verdadeira revelação: mensagens de uma autoridade invisível, inacessível aos outros. É certo que, teoricamente, a autoridade invisível está acessível a todos aqueles que têm sucesso em conseguir erguer a sua consciência ao nível dela. Contudo na prática, ela não está acessível, e caso alguém afirme ter entrado em contacto com a mesma autoridade que havia antes enviado mensagens para outrem, então ver-se-á que essa autoridade falará através desse alguém com uma voz muito diferente. Nós precisamos apenas de comparar as cartas do Mestre KH produzidas no tempo de HPB e escritas no seu estilo Boémio [no sentido de não convencional], intercalado com expressões em francês, muitas vezes num estilo vivo, com as mensagens reveladas como tendo vindo do mesmo mestre em anos mais recentes. Elas transpiram um espírito completamente diferente. Se primeiro caso se negava a existência de Deus sob qualquer forma, visível ou invisível, pessoal ou impessoal, no segundo caso Deus foi reintroduzido de uma forma muito personalista. Quando nas Cartas dos Mahatmas, o mestre KH fala da religião como sendo o maior mal na civilização humana e denuncia todas as igrejas, casta sacerdotal e cerimónias em termos muito claros, as suas mensagens mais recentes falam com grande reverência sobre religião e igreja e apoiam a cerimónia e o sacerdócio de forma vigorosa. Somos inclinados a pensar que a fonte de uma autoridade invisível é para cada um algo estritamente individual e subjetivo, uma exteriorização dos seus próprios motivos inconscientes. Isto é ainda mais evidente com respeito a todas as mensagens reveladas como tendo vindo do Instrutor do Mundo durante os últimos quinze anos.

Mestre KH


Quando Krishnamurti começou a falar em seu próprio nome, com autoridade, como o Instrutor do Mundo, o que ele disse foi bastante diferente em espírito e propósito de todas as mensagens até então recebidas. Primeiro do que tudo, ele negou enfaticamente ser o veículo de outra consciência, ou de ser usado por alguém que falasse através dele ou que o inspirasse. Ele afirmava ser o Instrutor Mundial, não porque outra inteligência o possuísse ou usasse, mas porque ele tinha ganho grande liberdade e se tornado uno com a vida, que é a única Instrutora. Ele negou completamente ter apóstolos ou discípulos e rejeitou o cerimonial, em todas as circunstâncias, por ser um obstáculo no caminho para a libertação. Nem ele queria ter alguma coisa a ver, com o caminho oculto do discipulado e iniciação, caracterizando-os como “não essenciais”. Foi por isso inevitável que os teosofistas de todo o mundo começassem a duvidar de todas as revelações anteriores e a suspeitar que estes eram mais pertença das opiniões subjetivas.

É precisa a acrobacia mental de estudantes de Teosofia treinados para reconciliar os factos contidos em revelações anteriores e os subsequentes ensinamentos de Krishnamurti. Apesar dele próprio negar estar a ser usado por outra consciência, eles afirmam saber melhor do que ele o que está efetivamente a se passar na sua própria consciência, e ainda mantêm a ideia de que existe outra pessoa, o “verdadeiro” Instrutor Mundial, vivendo nos Himalaias, que ocasionalmente fala através de Krishnamurti. Este “verdadeiro” Instrutor Mundial subscreve inteiramente as revelações anteriores, tem apóstolos e aprova os movimentos cerimoniais, especialmente a Igreja Católica Liberal. O facto de Krishnamurti negar o valor destas afirmações é explicado pelo facto de, sendo ele “apenas um veículo” não poder expressar completamente a “consciência gloriosa” que eles, os que falam, conhecem muito mais intimamente que ele. Assim, nada quer dizer que ele se contradiga com o revelado anteriormente, apenas mostra que naquela ocasião, não era o Instrutor do Mundo a falar, mas apenas o Sr. Krishnamurti.  O que é interessante aqui é que a algumas pessoas é creditada a capacidade de nos dizer quando Krishnamurti fala e quando é o Instrutor do Mundo a fazê-lo. O resultado parece ser que quando as opiniões são concordantes com as suas, quem está a falar é o Instrutor do Mundo, caso contrário é o Sr. Krishnamurti. O único em que evidentemente não se deve acreditar, quando diz que é o Instrutor do Mundo que está falando, é o próprio Sr. Krishnamurti.

Não há necessidade pois de alongar a exposição sobre a quão longe pode chegar a casuística teosófica. Permanece o trágico facto de que parece existir menos interesse em entender o que Krishnamurti diz do que em tentar encaixar em revelações expressas anteriormente. Seria muito mais simples reconhecer que as revelações prévias estavam erradas. Mas isto, claro, iria desacreditar a causa da revelação.

Krishnamurti (1895-1986)


O suficiente, contudo, foi dito para demonstrar o quão funestos são os efeitos da revelação no movimento. O facto de a revelação ser uma mensagem proveniente de uma autoridade invisível, inacessível aos outros, coloca-o para além do reino da razão e torna-o impossível de ser criticado ou de ver discutido o seu valor. Em todas as discussões que já tive sobre o assunto, os partidários da revelação acabam sempre por dizer no final: “Bem, o que eu posso dizer é que o Mestre disse-me para fazer isto, e portanto eu faço-o”. Isto encerra qualquer discussão e põe a questão em debate para lá da razão. Portanto eu mantenho que os efeitos negativos da revelação são provocados pelo facto desta só pode ser aceite ou repudiada, mas nunca criticada à luz da razão. Eu sei que teoricamente isto pode ser feito, e sempre que o assunto vem ao de cima, é-nos dito que os líderes teosóficos têm sempre incitado os seus discípulos a julgaram por eles mesmos e a não aceitarem nada só porque eles o disseram. Isto é contudo apenas teoria. Na prática, alguém que se aventure a criticar ou a duvidar de uma mensagem vinda do Mestre, sofreria a excomunhão silenciosa dos heréticos e ser-lhe-ia dado a entender que ele está inapto para ser um dos eleitos. Que valor tem a liberdade para criticar e julgar por si próprio quando, nas raras vezes, em que alguma corajosa alma se aventurou a fazê-lo, é-nos dito que nas “encarnações vindouras”, ela irá através de sofrimento incalculável, tatear em vão pela luz que intencionalmente rejeitou? Isto não é mais do que “Danação Eterna” noutra forma. É a ameaça e medo de punição vindoura que aterroriza os potenciais críticos de volta a uma atitude de obediência submissa. Nas Cartas dos Mahatmas e na correspondência entre HPB e Sinnett, nós podemos ler o que é dito sobre aqueles que não seguem um conselho uma vez dado, ou que se atrevem a discutir sobre uma ordem vinda de cima. Mesmo o próprio Sinnett foi repetidamente ameaçado com a quebra de qualquer relacionamento com o seu Mestre se ele não seguisse as ordens dadas. E não há dúvida que, se um teosofista nalguma altura criticar ou rejeitar uma mensagem vinda de um Mestre através de um canal designado, ser-lhe-á consequentemente dito que rompeu por um longo período tais privilégios. 

Quando simultaneamente o discipulado e o aproximação a um Mestre são sustentados como o objetivo de vida, fica claro que a teorética liberdade de crítica significa abandonar aquilo que é mais querido e nobre na vida das teosofistas."

Continua e termina na próxima semana.

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