Durante as próximas cinco semanas,
o Lua em Escorpião vai apresentar um discurso intitulado “Revelação ou
Realização: O Conflito na Teosofia”, feito há mais oitenta anos por um
teosofista holandês chamado Johannes Jacobus (Koos) van der Leeuw. Nessa altura, a
Sociedade Teosófica (ST) vivia na ressaca do desfecho do episódio Krishnamurti,
o homem que desde menino, e após ter sido descoberto pelo “clarividente” bispo
da Igreja Católica Liberal, Leadbeater, foi treinado por este e por Besant para
se tornar no veículo do Instrutor da Humanidade. Em 1929, e depois de uma série
de avisos, Krishnamurti disse em definitivo não aos planos que tinham para ele,
abrindo uma séria crise na ST, que começou aí um forte declínio. J.J. van der
Leeuw, que chegou a ser um dos membros ativos da Igreja Católica Liberal – uma co-criação
de Leadbeater, num espírito inverso ao que norteou a ST no tempo de Blavatsky –
parece ter ficado sensibilizado pela posição que Krishnamurti tomou,
especialmente no que respeita à primazia da experiência individual em
detrimento da obediência aos ditames vindos de uma autoridade. É importante
também referir que na altura Besant era a líder da ST há mais de 35 anos, sendo
que vários membros a acusavam de destruir a democracia dentro da organização e
de usar as mensagens de Mestres – muitas delas “recebidas” através de
Leadbeater, como forma de exercer a autoridade.
J.J. van der Leeuw no centro, ladeado pelos irmãos Cornelis(Cees) e Marius Gabriel (Dick) |
O texto de van der Leeuw contém
passagens bastante importantes, e o brilhantismo dele é bem visível na reflexão
que faz. Schuller e Hejka-Ekins, relevam nos textos introdutórios a pertinência
que o discurso do teosofista holandês tem mesmo nos dias de hoje, num tempo em
que a Teosofia ainda parece ter dificuldade em encontrar o seu lugar. As muitas
crispações que se têm sucedido e ainda existem entre os teosofistas são também
uma evidência disso.
Devo dizer que não sou grande simpatizante
das ideias de Krishnamurti, embora reconheça nalgumas delas algum valor. Neste
texto, Katinka Hesselink expressa bem alguns dos problemas com Krishnamurti.
O próprio Govert Schuller, um dos maiores especialistas sobre o pensador
indiano, tem-se mostrado cada vez mais crítico. A sua opinião é a de que as
ideias de Krishnamurti são incompatíveis com as da Teosofia.
Jiddu Krishnamurti |
Não concordo nada com algumas
partes do texto de J.J. van der Leeuw, mas achei que truncá-lo não seria
honesto da minha parte. Na introdução a cada uma das partes assinalarei essas
situações.
Assim, fica a tradução praticamente na íntegra, feita a partir da versão disponível no site alpheus.org de um documento que, como verão abaixo, Hejka-Ekins classifica como “um dos mais importantes alguma vez publicados”.
Quanto à minha posição, sobre o
assunto em causa, já tinha sido expressa neste
post.
Introdução pelo
editor
Abaixo está uma reflexão de um
teosofista holandês, J.J. van der Leeuw, comentando algumas questões teosóficas
profundas, trazidas à tona pela crítica de Krishnamurti à Teosofia.
Baseia-se numa palestra dada na
Federação de Londres da Sociedade Teosófica em (…) 1930.
Este texto foi encontrado na
internet com uma introdução de Jerry Hejka-Ekins, editor associado do
Theosophical History, e foi originalmente publicado em (…) Amsterdão, em 1930.
O manuscrito de Aryel Sanat disponível online “The Secret Doctrine, Krishnamurti, and Transformation“ aborda muitos dos assuntos levantados por van der
Leeuw. A principal alegação de Sanat é que a “essência da Doutrina Secreta (…)
é a transformação humana”.
Govert Schuller
Govert Schuller |
A Teosofia como nunca antes vista
Prefácio
Como parte de discussão regular
de um grupo de discussão de Teosofia na Internet, foi sugerido que eu poderia
recomendar um livro ou artigo sobre o qual nos poderíamos focar. Em resposta a
esta sugestão, eu coloquei o texto digitalizado de um panfleto teosófico
bastante raro, escrito por J.J. van der Leeuw e publicado em 1930. O assunto
diz respeito ao conflito entre revelação e realização que tem existido na
Sociedade Teosófica (ST) desde o seu início, que segundo crê van der Leeuw (e
eu próprio) está na origem do falhanço da ST. Eu considero que os temas
tratados neste panfleto também se aplicam àqueles que fazem parte da LUT [NT:
Loja Unida dos Teosofistas] e das tradições de Point Loma, embora ele só esteja
a referir a história teosófica de Adyar no texto.
Para dar algum enquadramento,
deve-se referir que a ST de Adyar estava passando por uma crise, na altura em que
este panfleto foi publicado. Krishnamurti estava desde há algum tempo a
contradizer as revelações e ordens do Mestre transmitidas por Annie Besant e
C.W. Leadbeater, e no final de 1929 Krishnamurti ordenou a dissolução da Ordem
da Estrela do Oriente e demitiu-se da ST. O texto que vou disponibilizar resulta de uma
palestra dada por J.J. van der Leeuw, onde ele analisa a ST por forma a
descobrir o que correu mal. Embora este panfleto tenha mais de sessenta anos
[NT: este prefácio foi escrito em 1995, o texto tem hoje mais de oitenta anos],
eu creio que as ideias de van der Leeuw continuam a ser tão relevantes hoje,
como eram então, porque os problemas subjacentes que afligiam a ST em 1930 são
os mesmos de hoje.
Johannes Jacobus van der Leeuw
(1893-1934) juntou-se à TS em 1914 e rapidamente se tornou um membro valioso do
círculo interno. Em 1921, ele tornou-se um clérigo da Igreja Católica Liberal e
ganhou a Medalha de Subba Row por “The Fire of Creation “ [NT: O Fogo da
Criação], um clássico teosófico, que creio ainda estar a ser impresso. Ele também publicou “A Dramatic
History of the Christian Faith”, “The Conquest of Illusion” e “Gods in Exile”. Tragicamente,
tal como muitos antes que questionaram as ações das pessoas erradas, J.J. van
der Leeuw perdeu a sua posição no círculo interno depois de ter publicado este
panfleto de forma privada. Como é óbvio, este panfleto nunca mais foi
reimpresso e tornou-se uma raridade, falha que agora fica remediada.
Eu acredito que este panfleto é o
documento teosófico mais importante publicado à época, e certamente um dos
documentos teosóficos mais importantes alguma vez publicados, especialmente
nestes tempos. Nele, e como ninguém o havia feito, van der Leeuw debate o tema
da revelação e realização na ST, e como este conflito trouxe uma crise, que
ainda hoje nos acompanha, e é acredito, o principal responsável pela má
situação não apenas da ST Adyar, mas de todas as organizações teosóficas.
Apenas quando as organizações teosóficas forem capazes de enfrentar este
assunto terão oportunidade de ocupar um lugar como um movimento importante no
mundo.
Jerry Hejka-Ekins, Setembro de
1995
Jerry Hejka-Ekins |
Esta semana ficámos apenas com as introduções, na próxima, começaremos então com o discurso de van der Leeuw.
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