Follow @luaem_escorpiao

sábado, 13 de abril de 2013

Revelação ou Realização: O Conflito na Teosofia (2ª parte)

Depois das introduções da semana passada, cuja leitura é obrigatória para contextualizar a intervenção de  van der Leeuw, avançamos finalmente para o texto.



"Revelação ou realização: O Conflito na Teosofia

Houve um tempo no qual nenhuma dúvida parecia possível sobre o futuro da ST. Tinha-nos sido dito que os Mestres da Sabedoria tinham-na fundado e que seria a pedra angular das religiões do futuro [NT: Sobre isto, ver aqui]. Consequentemente a possibilidade do seu falhanço dificilmente ocorria aos seus membros. Os impérios poderiam desfazer-se, as igrejas podiam deixar de sê-lo, mas a ST continuaria através dos tempos.

Recentemente, contudo, sérias dúvidas têm surgido nas mentes de muitos relativamente a este futuro. O mundo em geral não está interessado em Teosofia ou no movimento teosófico como estava há quarenta anos atrás. Na altura, a ST sofria oposição por ser um perigoso movimento pioneiro. Agora é olhada com indiferença e encarada mais como uma relíquia do passado do que uma promessa de futuro. Praticamente em todas as Secções há uma grande redução da venda de livros mostrando que a literatura que já foi atrativa para o público, não é mais desejada.


Mais sério ainda que a indiferença do mundo moderno para com o movimento é o conflito dentro dele. Não estou a falar do conflito de personalidades, estes não interessam. O conflito é entre diferentes pontos de vista, visões de vida. Eu definiria estas como o conflito entre revelação e realização. Este conflito é inerente ao movimento teosófico desde a sua criação, e tem-se agudizado desde 1925. Foi então que por um lado a revelação se tornou irreal e portanto questionável, e por outro lado a realização foi enfatizada por Krishnamurti como o caminho de vida.

Um sistema de revelação só é possível quando existe um oráculo, um canal de revelação, cuja autoridade não pode ser questionada. Uma pluralidade de oráculos é letal para a revelação. Quando em 1925 foi anunciado que o Instrutor do Mundo teria doze apóstolos como já tinha acontecido na Palestina [NT: há cerca de 2000 anos…], e quando o próprio Krishnamurti negou ter quaisquer discípulos ou apóstolos foi inevitável que os membros se perguntassem se aquela revelação, assim como as anteriores, eram ou não de confiar.

Anteriormente, os movimentos cerimoniais tinham ganho adeptos muito pelo facto de serem anunciados como uma preparação do trabalho do Instrutor vindouro. Em nome dele e sob sua autoridade, esses movimentos eram lançados por diante e aqueles que tomavam parte neles sentiam que estavam a fazer o trabalho do Instrutor. Quando ele começava a ensinar e negava o valor da cerimónia, chamando-a um obstáculo à libertação, eram novamente muitos que perguntavam a si próprios como poderia esta contradição ser explicada.  As explicações avançadas eram muitas e engenhosas, mas o facto é que a fé na revelação ficou abalada para sempre. A consequência disto foi que o trabalho e o autossacrifício dos membros que se baseavam nesta fé em revelações, decaiu consideravelmente. No coração de muitos a dúvida e o desespero tomaram o lugar da crença inquestionável. O resultado inevitável é um processo de desintegração, em que muitos dos mais importantes membros deixam o movimento no qual deixam de ter confiança.


É minha intenção nesta palestra procurar as causas desta desintegração e se possível, encontrar uma cura. Devo portanto exercer o meu poder de crítica de modo muito aberto. A crítica tem sempre sido extremamente impopular na ST. Teoricamente a nossa plataforma é livre, mas na prática aquele que pense de forma diferente do resto, embora seja perfeitamente livre de o fazer, não encontrará nenhuma plataforma para expressar o seu pensamento. Tem sempre havido receio de alguma ideia que possa perturbar a harmonia entre os membros. A crítica, mesmo que expressa com gentileza, foi imediatamente rotulada como “ataques justos e cruéis”, como não-fraterna e em última instância como influência dos poderes das trevas. É a atitude mental medieval, onde o cheiro sulfuroso da atividade satânica é detetado sempre que uma opinião é expressa de forma distinta da sua.

Eu falo por amor à verdade, não para atacar a Teosofia. Uma coisa que eu gostava de vos pedir, é que acreditem minimamente na minha sincera intenção de ajudar os nossos membros no presente estado de confusão, e que não suspeitem de intenções sinistras da minha parte. Sinto-me como um médico à beira da cama do paciente. Ele deve procurar os órgãos doentes e só pode ajudar o paciente procurando todas as causas dos seus problemas de saúde. Quando um médico diz que o coração do paciente está doente, nós não o chamamos de não-fraterno ou dizemos que ele está a atacar o paciente da forma mais cruel. Não dizemos que ele deve procurar só o que há de bom no paciente e não o mau, e que ele deve enfatizar o bom estado dos pulmões e não a má condição do coração. Eu tenho de falar dos sintomas de doença do movimento teosófico e é apenas através de uma crítica completa que eu posso analisá-los.

Ao criticar a Teosofia nós devemos antes de tudo perguntar: que Teosofia? Historicamente a palavra quer dizer a experiência do divino, distinguindo-se de teologia que é a discussão sobre Deus. A experiência da causa última, da realidade, da vida, da verdade, está para lá de qualquer discussão. Existe sempre que um homem a tem e não pode ser criticada ou negada. Em segundo lugar, a palavra [Teosofia] tem vindo a ser usada (…) como “um sistema arcaico de sabedoria esotérica à guarda de uma fraternidade de Adeptos.”
Irei-me pronunciar sobre esta última conceção mais adiante, pois no momento não estou a tê-la em conta. Em terceiro lugar, Teosofia significa o sistema de doutrinas apresentadas na literatura ou em palestras desde o início da ST. Isto é o que o mundo em geral reconhece como Teosofia. Por fim, existe a prática em importantes centros de trabalho teosófico, onde, tendo em conta o trabalho presentemente feito e os objetivos realizados diante das pessoas, podemos ver aquilo que é considerado como importante. De momento estou a falar apenas destas duas últimas formas de Teosofia, ou seja, aquelas que foram apresentadas ao mundo em livros ou palestras ou que podem ser testemunhadas nos centros de trabalho teosófico.

Imagem de 1890 da sede da ST em Adyar
(foto tirada de blavatskyarchives.com)

Esta Teosofia nasceu na Era Vitoriana. O fim do século XIX foi um período divorciado da vida. O homem tinha perdido o sentido das relações vitais e tinha tornado em algo absoluto coisas que só tinham sentido como relações vivas. Assim, ele olhava para o mundo que o rodeava, como um universo objetivo diante dele, independente da sua consciência. Na verdade, o que nós chamamos de mundo que nos rodeia é a forma como nós interpretamos a realidade que afeta a nossa consciência. Esta interpretação nos termos da nossa consciência é a nossa mundivisão, que é real apenas em relação à consciência de que faz parte. Desde que esta relação seja reconhecida não há problema. A vida ou a realidade afeta o homem e através dele é externalizada como uma mundivisão na sua consciência. O homem é o foco através do qual este processo acontece, e existe um fluxo ininterrupto de realidade da vida o afetando e, através dele, se tornando numa mundivisão.

Quando contudo, o homem esquece que ele é apenas um foco da realidade e sente-se como um ser distinto, uma alma ou um espírito, tudo muda. Em vez de reconhecer que aquilo que chama de mundo é a sua interpretação, em termos da consciência, da realidade que o afeta, ele objetiva essa mundivisão e torna-o em algo absoluto, oposta a ele: o mundo da matéria. De um modo similar ele separa-se a si próprio daquela vida que cria a mundivisão nele, objetivando também isso e chamando-a de Deus ou Espírito. Assim, ele encontra-se a si próprio isolado entre dois mundos: um mundo de matéria densa externamente e um mundo espiritual subtil internamente. Doravante, esta dualidade toma conta da sua vida e na prática ele tem de escolher entre os seus dois elementos. Esta escolha é entre o materialismo e o idealismo.

No século XIX esta antítese era bastante real, e a Teosofia, baseada naquele dualismo, identificava-se com a visão idealista opondo-se à materialista. Lutou contra o materialismo dos seus dias e era francamente idealista ou espiritual na sua filosofia. Ainda o é; na doutrina teosófica, o mundo espiritual é olhado como o mundo real onde o homem, o Eu Superior tem o seu verdadeiro lar. Desse mundo ele descende até estes mundos inferiores da matéria onde através dos seus “corpos inferiores” ele ganha experiência. Quando, através da experiência o seu Ego se torna perfeito, ele retorna para esse mundo do além, de onde veio.
Desse modo, a Teosofia é uma filosofia do Além, a sua realidade última não é este mundo físico mas um mundo afastado desse vários estádios. A sua realização não está no presente mas no futuro quando a perfeição for atingida. Assim, no espaço e no tempo, é uma filosofia do Além."

Continua na próxima semana. 

Sem comentários:

Enviar um comentário