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sábado, 3 de novembro de 2012

O caminho do meio


Escreveu António Machado, o poeta sevilhano, que “o caminho faz-se caminhando”.

Frase de sentido profundo, já a vi, bastas vezes repetida pelos gurus de plástico, que a usam para mostrar profundidade de pensamento, ou para disfarçar a falta dele.

Não deixa contudo de ser verdade que o estudante de Teosofia, à medida que avança nas suas leituras e reflexões tende a ganhar novas perspetivas não só sobre os diversos temas, mas também sobre a forma como aborda esses mesmos assuntos.

Há dias, numa troca de ideias que testemunhei no mais novo fórum de internet sobre Teosofia, o Theosophy Nexus, abordou-se a questão sobre a atitude do estudante perante a literatura.

No grupo de Estudos d’”A DoutrinaSecreta”, foi usada numa das lições, um texto do teosofista B.P. Wadia (um grande dinamizador da Loja Unida dos Teosofistas entre 1922 e 1958, ano em que faleceu). Nesse texto Wadia escreve sobre a atitude perante as ideias e literatura teosóficas:

B.P. Wadia


“Os crentes cegos prestam-lhe um mau serviço [a Helena Blavatsky] quando por exemplo ou por instrução desencorajam a atitude do questionamento crítico. É nossa a missão de examinar e contra-examinar esta testemunha [H.P.B.] do Mundo Oculto dos Adeptos Antigos; é nossa a tarefa de tentar quebrar as provas apresentadas e de encorajar os outros a fazê-lo. Se afirmações como as de cima [NT: referindo-se a estas 9 afirmações de HPB] não forem provadas os homens e mulheres honestos devem rejeitar esta “mensageira” e deitar ao fogo devorador as suas falsidades e fraudes. Se estes ensinamentos não tiverem sustentação, então pelas suas próprias afirmações, pelo seu próprio exemplo, e de acordo com os seus próprios ditames, ela e a sua “síntese de ciência, e religião e filosofia” são nada mais que um disparate.

Como ela própria escreveu: “É porém a opinião pessoal da autora, e não se pode esperar que a sua ortodoxia tenha mais peso que outra “doxia” qualquer, aos olhos daqueles para quem uma teoria nova é sempre heterodoxa até prova em contrário.” (A Doutrina Secreta, vol.III,p.456,Ed. Pensamento)



Continua Wadia: “Conhecimento e não crença foi o que H.P.Blavatsky nos trouxe. Se o mundo do conhecimento não examina os seus ensinamentos em maior extensão é porque os seus muitos seguidores são habitantes do mundo da crença; e atente-se, mesmo um grande número dos que adoptam a mesma denominação do seu sistema de pensamento, revelam uma ignorância crassa sobre o mesmo.”

Não raras vezes se encontram estudantes nos dois extremos. De um lado aqueles que têm uma visão demasiado estreita, usando os livros de Teosofia como uma espécie de Bíblia asfixiando o espaço para reflexão, e no pólo oposto aqueles que repudiam a utilidade dos livros e as instruções e ensinamentos daqueles mais avançados no caminho da iluminação, preferindo as ilações que retiram das suas experiências individuais, quase sempre minadas pela preponderância do eu inferior.

Como encontrar então um ponto de equilíbrio?

Nesta discussão no Theosophy Nexus, Nicholas Weeks, um conhecido teosofista ligado à tradição de Pasadena traz uma citação de uma carta de um Mestre que estava na posse de Judge e que está publicada nos Esoteric Teachings (vol.II, p.47), da autoria de Gottfried de Purucker, líder da Sociedade Teosófica de Pasadena entre 1929 e 1942. Weeks faz uma pequena introdução à passagem:

Gottfried de Purucker


“Apesar da tradicional importância dada à perspectiva intelectual ou doutrina de um qualquer sistema de pensamento, essa perspectiva pode não ser em última instância de muita importância. Mas em certa medida o é, portanto uma explanação clara e detalhada pode ser dada a uma pessoa “intelectual”. Contudo esta carta do Mestre (Dezembro de 1887) diz que as perspetivas mudam e não são tão importantes quanto a motivação e o anseio:

"Este [chela] tem, você diz, as perspetivas e a motivação correctas. Se o motivo dele é o correto então tudo está bem. As perspetivas dele não levam à mais pequena consequência, pois enquanto chela ele irá alterá-las conforme aprende a verdade, que apenas os verdadeiros estudantes dos mistérios encontram. É melhor ele não ter perspetivas fixas até mais adiante, mas deve estar pronto para a mudança à medida que ele segue o seu caminho. Tendo a motivação e a aspiração ele inevitavelmente entrará na primeira porta.”

Esta nota, deixada pelo Mestre M. foi encontrada nos arquivos da ST de Point Loma, com a  letra de W.Q. Judge (informações dadas por de Purucker) e parece-me ser de extrema importância reforçando o aspecto da ética e da conduta do aspirante espiritual. E explica o facto de existirem muitos estudantes com imensos conhecimentos, mas com comportamentos aquém das expectativas.

William Quan Judge

Não me parece que isto seja um convite ao cepticismo, mas sim um apelo à necessidade de reflexão sobre o que se lê, evitando a preguiça e a mera regurgitação de textos em dose massiva. Mas acima de tudo, é um alerta para o quão importante é a contínua auto-avaliação do aspirante espiritual, dos seus pensamentos e acções, das suas motivações.

Noutra lição, Weeks acrescenta:

"Confiar exclusivamente nos nossos eus insensatos é um disparate tão grande quanto confiar exclusivamente na autoridade. Ou posto de outra forma - a fé no nosso discernimento mais a fé nos Sábios é melhor que confiar em apenas um dos dois."


Uma nota final, para o TheosophyNexus, o fórum associado ao site “Universal Theosophy”. Ambos são excelentes e o que de melhor que se pode encontrar na forma como é tratada a Sabedoria Antiga. O Nexus tem os contributos regulares de Nicholas Weeks, Gerry Kiffe, Dan Noga e Jon Fergus entre outros, que elevam bastante o nível da discussão, sem paralelo comparativamente a outros fóruns que conheço. 

Aprende-se mesmo; não só se adquirem novos conhecimentos e perspetivas, como também os participantes são estimulados a refletir. A combinação dos dois factores é rara de encontrar, mas preciosa.


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