Desde que a existência dos Mestres foi anunciada ao Mundo,
na alvorada do movimento teosófico moderno, algumas vozes mesmo dentro do pequeno
universo de teosofistas têm mostrado o seu cepticismo. Afinal acreditar em
homens que adquiriram poderes especiais e transmitem conhecimentos ocultos a
uns quantos eleitos é para alguns sinónimo de credulidade atroz.
Num post
anterior sobre “A Ética de Helena Blavatsky”, coloquei alguns links para a discussão entre
K. Paul Johnson por um lado e David Pratt e Daniel Caldwell por outro. O primeiro
acha que os Mahatmas M e KH são uma criação de Helena Blavatsky com base em
figuras contemporâneas com quem se cruzou, no que foi contestado por Pratt e
Caldwell, que alegam que Johnson trata suposições como factos.
Contudo a ideia de traduzir mais este post do blog “Theosophy Watch” de Odin Townley nasce exactamente de uma discussão na comunidade
Theosophy.net intitulada “Where are the Masters?” . Após meses de mensagens explícita
ou implicitamente deturpadoras do trabalho de Helena Blavatsky tentei focar
alguns pontos importantes numa altura em que curiosamente em simultâneo Townley
colocava o post “Mahatma do Himavat”.
Embora aqui no Lua em Escorpião esteja dividido em três
partes, o texto do “Theosophy Watch” pode ser decomposto em duas partes. A
primeira metade é uma história onde o protagonista é Asanga, um monge nascido
no actual Paquistão, ligado à fundação da escola Budista Yogacara. A segunda parte é
o relato de Damodar Mavalankar à procura do seu mestre. Damodar foi um elemento
importante durante o tempo em que HPB esteve na Índia. Em 1885, com 28 anos de idade partiu
para o Tibete e nunca mais se soube dele.
Seguimos então para a tradução.
“Asanga desistiu. Doze longos anos de meditação e de
práticas espirituais e ainda continuava sem uma visão do futuro Buda Maitreya.
Ele ansiava ligar-se a Maitreya para receber ensinamentos de
forma directa, algo que poderia acelerar o seu progresso no caminho do
Bodhisattva.
“Cada novo Bodhisattva, ou Grande Adepto Iniciado é chamado
de 'libertador da humanidade'", explica Helena Blavatsky em “A Voz do Silêncio” [nota 27 da p.84 da edição em
português, da Pensamento e 120 (p.34) da tradução feita por Carlos Cardoso Aveline, a que se pode aceder através do link anterior].
“Agora inclina a cabeça e escuta bem, ó Bodhisattva – diz a
Compaixão: Pode haver bem-aventurança quando deve sofrer tudo o que vive?
Quererás salvar-te ouvindo todo o mundo chorar?”, escreveu ela [p.90, op.cit. e p.38 da tradução de Aveline]
Asanga |
Depois dos primeiros três anos de práticas espirituais sem sucessos,
Asanga deixou a sua gruta solitária, desmotivado. Mas quando ele viu um pequeno
pássaro dando bicadas num buraco numa rocha para lá construir um ninho, ele
sentiu-se envergonhado com a sua falta de persistência. Voltou então à sua
gruta.
Três anos depois, Asanga desistia outra vez. Ao descer as
montanhas, ele conheceu um homem que esfregava uma coluna de ferro com um pano para
fazer agulhas. Quando o homem lhe mostrou algumas agulhas que tinha conseguido
fazer dessa maneira, Asanga baixou a cabeça e voltou para as montanhas.
Himalaias
A descoberta da compaixão
Depois de outros três anos de esforços inúteis, Asanga
abandonou novamente o seu retiro. Mas quando ele viu um homem abrindo um canal
através de uma rocha usando uma enxada, ele voltou para onde estava por mais
três anos.
Terminado esse tempo, Asanga estava mesmo farto. Ia deixar a
montanha de vez. Quando se dirigia para uma cidade, ele encontrou uma cadela
contorcendo-se com dores pois ela estava coberta de úlceras repletas de vermes.
Uma grande compaixão brotou de dentro dele.
Mas agora Asanga tinha um dilema: se ele removesse as larvas
à mão, ele matá-las-ia, mas se ele não o fizesse, a cadela morreria.
Ele foi até à cidade e trocou o que tinha por uma faca
dourada e voltou para perto da cadela. Cortando carne da sua própria coxa,
Asanga tinha assim comida para dar às larvas e preparou-se para retirar as
larvas da cadela com a sua boca.
Ao se inclinar para a frente para iniciar o processo, a
cadela desapareceu e o Senhor Maitreya apareceu de repente. Lágrimas brotaram
dos olhos de Asanga enquanto Maitreya explicava : “O pássaro, os dois homens e
a cadela, eram Eu, Maitreya, o teu guru”.
Maitreya explicou que era o carma de Asanga e a sua falta de
clarividência que o tinham impedido de ver o seu guru durante todos aqueles anos.
Estes obstáculos foram completamente varridos pelo poder da sua compaixão pela
cadela em sofrimento.
Para provar isto mesmo, Maitreya instruiu Asanga para
transportá-lo às costas enquanto atravessava a cidade. Apesar dele perguntar às
pessoas o que é que estava nas suas costas, toda a gente respondia: “nada”. Um
mulher idosa, porém, devido aos seus esforços para purificar o seu próprio carma
viu a cadela. Asanga por fim percebeu o poder ilimitado da compaixão para a
transformação.
“O Carma é uma tendência do universo no sentido de restaurar
o equilíbrio; e opera incessantemente, sem desvios e sem erros“, escreveu
William Judge (Aforismos sobre o carma):
“A aparente interrupção na restauração do equilíbrio se deve
ao ajustamento necessário da perturbação em algum outro ponto, lugar, ou foco,
que é visível apenas ao Iogue, ao Sábio, ou ao perfeito Observador.
Portanto, não há interrupção, mas apenas um ocultamento do campo de
visão.“
Maitreya então levou Asanga para o seu paraíso Tushita e
iniciou um processo intensivo de ensino, fornecendo textos a Asanga para fundar
a escola budista de Yogacara no séc. IV da nossa era.
“O reconhecimento por parte de um guru virá quando estiveres
preparado”, explica Judge (Letters That Have Helped Me, vol. II).
“É apenas natural que um estudante espere pelo
reconhecimento por parte de um Mestre, mas este desejo deve ser posto de lado,
devendo cada um trabalhar naquilo que tem de ser feito. Ao mesmo tempo sabe-se
que o efeito segue-se à causa, portanto aquilo que nos é devido, chegará na
altura certa”.
Continua na próxima semana...
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