Na semana passada, vimos como
April Hejka-Ekins definia ética, apresentando as suas quatro dimensões. De
seguida, serão apresentados diversos excertos dos escritos de Helena Blavatsky
sobre o tema.
Por exemplo em “Ocultismo Prático” (p.108 da edição em português da Editora Teosófica) ela refere:
“É
fácil tornar-se um teosofista. Qualquer pessoa com mediana capacidade
intelectual e com certa inclinação para a metafísica; que leve uma vida pura e
altruísta, que encontre mais alegria em ajudar o seu próximo do que em receber
ajuda para si mesmo, que esteja sempre pronta a sacrificar os seus prazeres
pessoais em benefício dos outros; que ame a Verdade, a Bondade e a Sabedoria
simplesmente pelo que são em si mesmas, e não pelo benefício que delas possa
auferir - é um teosofista.”
Em “A Chave para a Teosofia” em
resposta a uma questão/comentário crítico sobre o comportamento de alguns
teosofistas HPB escreve: “(…) não se pode evitar entre nós [o desrespeito por
regras fundamentais] mais do que aqueles que se autodenominam cristãos e agem
como demónios. Isto não é uma falha dos nossos estatutos e regras, mas da
natureza humana. Mesmo em algumas lojas públicas exotéricas, os membros juram
pelo seu “Eu Superior”, a viver a vida prescrita pela Teosofia. Eles devem
levar seu Eu Divino a guiar cada um dos seus pensamentos e actos, todos os dias
e a cada momento das suas vidas. Um verdadeiro teosofista deveria “proceder com
justiça e caminhar humildemente” (p.58 da edição em português).
Helena Blavatsky |
Também nas instruções dirigidas
aos membros da Secção Esotérica, que podem ser encontradas no volume XII
(p.508) dos Escritos Reunidos (Collected Writings), Blavatsky é muito directa:
“Aquele que não pratica o
altruísmo; aquele que não está preparado para partilhar o seu último bocado de
comida com alguém mais fraco ou mais pobre que ele próprio; aquele que
negligencia ajudar o seu igual, independentemente da raça, nação ou credo, onde
e quando encontra sofrimento, e que faz orelhas moucas ao choro da miséria
humana; aquele que ouve um inocente ser caluniado, seja um irmão teosofista ou
não, e não toma a sua defesa como faria consigo próprio-não é um teosofista”.
Volume I dos Collected Writings |
Em “A Chave para a Teosofia” Blavatsky
também explicita no que consiste o dever de um teosofista (p.200):
“O dever é aquilo que é devido à
Humanidade, aos nossos semelhantes, vizinhos, família, e especialmente aquilo
que devemos a todos aqueles que são mais pobres e mais desamparados do que nós“. Mais adiante ela acrescenta que a humanidade necessita de “um total
reconhecimento de direitos e privilégios iguais para todos, e sem distinção de
raça, cor, posição social ou nascimento.”
Blavatsky dizia também que a
prática da caridade feita de forma directa era muito mais valiosa do que a
feita de modo impessoal. Ou seja, visitar alguém no hospital ou ajudar directamente
alguém necessitado (sem intermediários) é mais importante do que dar um
donativo a uma ONG, por exemplo.
No mesmo livro Helena Blavatsky
avisa para a inutilidade de alguns sacrifícios auto-impostos, em resposta à
pergunta se o auto-sacrifício é um dever.
Replicando que sim, ela alerta contudo
que “um homem não tem o direito de deixar-se morrer de fome para que outro
homem tenha alimento, a menos que a vida daquele homem seja obviamente mais
útil para a maioria do que a sua própria vida. Mas é seu dever sacrificar o seu
próprio conforto, e trabalhar para os outros, se estes forem incapazes de
trabalhar por si mesmos. É seu dever dar tudo o que é inteiramente seu e que
pode beneficiar apenas a si mesmo, se for egoisticamente resguardado dos
demais. A Teosofia ensina a auto-abnegação, mas não o auto-sacrifício
irreflectido e inútil, e nem justifica o fanatismo. “ (p.208)
Na subsecção “O que um teosofista
não deve fazer” (p.216) HPB dá mais umas indicações:
Não “guardar silêncio ao ouvir
relatos maldosos ou calúnias difundidas sobre a ST, ou sobre pessoas inocentes,
sejam seus companheiros ou pessoas de fora.”,(p.217), não “se contentar com uma
vida ociosa ou frívola”, não “dar valor demasiado ao seu progresso pessoal ou
proficiência nos estudos teosóficos”, não “colocar a sua vaidade pessoal, ou
sentimentos acima das da sua Sociedade como um todo” (p.218), “estar preparado
para reconhecer e confessar as suas próprias falhas. Pecar antes por louvar
exageradamente os esforços do seu vizinho do que não apreciá-los
suficientemente. Nunca acusar ou caluniar uma pessoas pelas costas.” (p.219).
Hejka-Ekins diz que “A Doutrina Secreta” é a doutrina da cabeça e “A Voz do Silêncio” a do coração. Quem já as
leu, não tem dúvidas de que assim é, efectivamente. Há a necessidade imperiosa
de as conjugar as duas, de modo a que seja possível prosseguir a caminhada no
sentido da iluminação.
Primeira tradução para o português feita por Fernando Pessoa |
Paciência, equanimidade, vontade
de aprender e concentração são qualidades a desenvolver.
Hejka-Ekins cita ainda um artigo
de Blavatsky que foi publicado na revista Lucifer, em Novembro de 1887 (para os
que não sabem Lucifer significa o portador da luz e o seu significado é o
oposto do que diz o Cristianismo).
Em “Let Every Man Prove His Own Work” (“Prove cada um a sua própria obra”, uma expressão que está na Bíblia em
Gálatas 6:4), ela responde a uma carta que continha a crítica implícita, de que
apesar de todo o discurso de altruísmo, os teosofistas pouco faziam na prática.
Fortemente argumentativa,
Blavatsky aborda de um modo politicamente pouco correcto a questão da pobreza (HPB sempre foi alérgica aos comportamentos e opiniões tidos como politicamente correctos da sociedade da sua época, preferindo a sinceridade e a verdade) ,
dizendo que nalguns casos a má condição económica era o melhor modo de fazer
progredir a alma e que portanto não é assim tão líquido que o progresso
material seja benéfico, de um ponto de vista mais lato. Ela diz também que “é
preciso ter muita sabedoria para agir no bom sentido sem o perigo de causar um
mal incalculável. Um adepto muito elevado, pode através dos seus grandes
poderes intuitivos, saber quem aliviar da dor e quem deixar na mira daquilo que
é o seu melhor professor.“
No parágrafo seguinte HPB
prossegue: “Mal perceba quão amiga e instrutora pode ser a dor, o teosofista
fica estarrecido perante o misterioso problema da vida humana, e embora ele
deseje fazer boas acções, também teme fazê-las de forma errada, até que ele
próprio tenha adquirido maior poder e conhecimento.”
Ou seja, até podemos querer ajudar
alguém, mas se calhar terá que ser essa própria pessoa a resolver o problema,
nem que para isso a tenhamos que deixar ir ao fundo. Seja como for, são sempre
decisões e julgamentos muito difíceis, como refere April Hejka-Ekins.
Sendo certo que a “caridade
prática não é um dos objectos declarados da Sociedade”, isto obviamente não
serve de desculpa à inacção perante situações degradantes, pois o estudante de
Teosofia deve fazer o que está ao seu alcance para aliviar do sofrimento do
próximo (salvo a excepção acima referida).
A consulta das obras e documentos
citados proporcionará naturalmente mais informação sobre este assunto e é
fortemente aconselhada. Hejka-Ekins diz que a ética não é um assunto sexy, como
magia e os poderes psíquicos. No entanto, quem consultar as próprias “Carta dos Mahatmas” verá a relevância quem tem o pensamento e acção correctos no
progresso do aspirante espiritual.
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