Era uma vez uma cotovia que era conhecida pelo seu lindo
canto. A sua melodia era considerada por todos aqueles que a ouviam como o som
mais doce à face da Terra. Desde a alvorada ao anoitecer ela cantava e à medida
que o fazia, começava a crescer nela um desejo. Esse desejo era o de cantar
para os deuses.
Ela apercebeu-se que se conseguisse voar alto o suficiente,
os deuses a ouviriam. Então a cotovia lançou-se no ar e voou o mais alto que
conseguiu, mas cantando já com as suas asas cansadas, ela sabia que os deuses
não a conseguiriam ouvir. Mais determinada do que nunca, ela decidiu que
subiria à montanha mais alta e voaria a partir do pico. Mas nem assim ela
conseguiria chegar alto o suficiente para ser ouvida nos céus.
Um dia ela viu uma águia planando a grande altura no céu,
bem mais alto do que ela alguma vez voara. A cotovia sabia com uma certeza
ilimitada que se ela conseguisse voar tão alto quanto a águia, os deuses
ouviriam a sua bela melodia. Então ela ficou observando a águia e quando esta
poisou, aproximou-se da enorme ave. A pequena mas corajosa cotovia explicou o
seu dilema à grande águia e perguntou-lhe se ela a levaria às costas, para que
juntas pudessem divertir os deuses.
A águia tinha conhecimento dos deuses, pois conseguia voar
nos seus domínios, mas envergonhada pela sua voz rouca, nunca tinha tido a
coragem de contactá-los. Imediatamente ela concordou em transportar a pequena
cotovia.
Timidamente ela subiu para as costas da águia que com um
esticar e bater das suas poderosas asas se pôs no ar. Cada vez mais alto elas
subiam. A cotovia quase tinha medo de olhar para baixo e contudo continuavam a subir. A cotovia
nunca havia estado tão alto. Ela conseguia ver tudo e mais alguma coisa. E
então, de repente, elas haviam chegado lá. A pequena cotovia sabia que agora
era a vez dela, a águia já havia feito a sua parte. Com firmeza pôs-se de pé
nas costas da águia e, enchendo os seus pulmões de ar, começou a cantar. Os
céus encheram-se da sua gloriosa melodia. Os deuses ficaram espantados com a
força da águia e encantados com a beleza da melodia da cotovia. A águia perdeu
a vergonha e a cotovia encheu-se de felicidade. Juntas, em equipa, tinham
levado música aos deuses.
Esta fábula consta do início de um livro de 1999 da astróloga
australiana Bernadette Brady, intitulado “Predictive Astrology – The Eagle and
the Lark” (que poderia ser traduzida para português como “Astrologia Preditiva –
A Águia e a Cotovia”). A obra aborda um conjunto de técnicas conhecidas de
previsão astrológica, principalmente os trânsitos e as progressões.
Esta fábula é muito ilustrativa da prática da astrologia (e
não só, pois a mesma poderá ser transposta para outros domínios), pois até o
estudioso da Velha Arte atingir a sua zona de conforto no domínio da mesma, a
dúvida sobre o papel da intuição (representada nesta fábula pela cotovia) na
leitura dos mapas é uma dúvida persistente.
O que é na verdade essa intuição e se ela é estimulada por algum factor
externo são outras questões.
Brady defende que a águia (que poderá ser vista como a
razão, ou no caso da astrologia, o conjunto de técnicas astrológicas que são
dominadas) tem de ser bem trabalhada, para que a grande ave possa mesmo voar à
altitude necessária. Isso obriga a muita paciência e persistência, pois o
número de técnicas é enorme e a sua validação e verificação leva imenso tempo.
O número de variáveis numa carta é assinalável e é humanamente impossível levar
em conta todos os factores, apesar de todo o auxílio que os computadores hoje
em dia fornecem. Brady diz que é importante perceber que as origens da
astrologia estão no mundo da ciência, e releva a importância da matemática e da
astronomia na Arte. Para Brady, sem esforço, as portas da astrologia nunca se
abrirão verdadeiramente, e fiar-se apenas numa intuição apurada é insuficiente.
Dominada a parte técnica, o uso e desenvolvimento da intuição
permitirá ao astrólogo ser perspicaz e certeiro. Desprovido de intuição, o
astrólogo pouco mais será que um qualquer software de astrologia que produz
análises “cegas”.
Por intuição não se deve entender a intercessão de anjos, vozes interiores e
espíritos familiares. Robert Zoller, que deu origem a um dos primeiros cursos de astrologia medieval pela internet, classifica este tipo de coisas como auto-ilusão.
Há quem diga (se calhar a própria HPB, mas como não encontro
a referência, prefiro ser mais cauteloso) que a leitura da Doutrina Secreta obriga
ao funcionamento dos dois hemisférios, o esquerdo mais ligado à razão e o direito
que é associado à intuição. Portanto como vemos, a fábula da águia e da cotovia tem uma
aplicação bem mais generalizada.
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