No extraordinário livro “O Turista Espiritual” (editado em
Portugal pela Sinais de Fogo), o jornalista britânico Mick Brown descreve uma
viagem por várias paragens do imaginário religioso e espiritual, ao mesmo tempo
que disserta sobre alguns dos personagens mais importantes dos últimos 150 anos
no campo da espiritualidade. Na verdade o livro vai muito mais além, sendo enriquecido
pelas próprias reflexões do autor. Para além de se referir de forma muito
respeitosa e fidedigna a Helena Blavatsky e ao percurso que fez na sua última
encarnação – coisa rara na literatura não teosófica, diga-se de passagem - fala também de Sri Aurobindo, Alice Bailey,
Krishnamurti, entre outros. Neste último agregado encontra-se o famigerado
Osho.
O nome verdadeiro deste guru indiano nascido em 1931 era Chandra
Mohan Jain, tendo durante a infância ganho a alcunha de Rajneesh. Afirmava ter
atingido a iluminação espontaneamente aos 21 anos. Foi professor de Filosofia
numa Universidade indiana, começando aí a reunir um pequeno grupo de
seguidores. A partir de 1971, autointitulou-se “Bhagwan”, o abençoado.
Estabeleceu um ashram na cidade de Poona que em meados dos anos 70 recebia
imensos visitantes e gerava assinaláveis receitas (mais de um milhão de euros
por ano). Tinha-se criado um culto. Os devotos eram encorajados a se vestirem
de laranja ou vermelho, usavam um colar de contas com um medalhão contendo a
imagem de Rajneesh, e aceitavam incondicionalmente a sua autoridade. Advogava
que o sexo era uma via para a iluminação e os devotos eram instigados a trocar
de parceiro e a participarem em orgias sexuais. Havia quem se sentisse abusado
e as doenças sexualmente transmissíveis
proliferavam. Rajneesh gabava-se
de ser o recordista mundial em número de parceiras sexuais (os seus
seguidores confessaram que era mais dado ao voyeurismo). O escândalo
espalhou-se, e as autoridades locais revogaram o estatuto de isenção fiscal da
sua Fundação. Endividado, Rajneesh voou para os EUA, declarando ser o ”Messias
de que a América está à espera”. Para obter residência americana casou com a
filha de um milionário grego. Coleccionou Rolls-Royce (chegando aos 93!) e
relógios de ouro e platina. A história do novo ashram foi idêntica à do anterior,
repetindo-se o culto de personalidade e novo conflito, desta vez com as
autoridades do estado de Oregon. Houve até suspeitas do envolvimento de Osho no
envenenamento da população da cidade próxima do rancho onde vivia o guru, mas a
condenada foi a braço-direito de Osho (Ma Anand Sheela) e ainda um grupo de
séquitos, denunciados pelo próprio Osho. A investigação da polícia a este e
outros acontecimentos levou à sua prisão e deportação. Depois de ser rejeitada
a sua permanência em dezenas de países acabou na Índia, onde morreu em 1990 já
com o seu novo nome. No ano anterior tinha ordenado um “rebranding” do seu
material com o nome Osho, em substituição de Rajneesh.
Este post acaba por ser motivado por algo que encontrei há
dias por acidente enquanto pesquisava na Internet. Alguém criou uma página com as opiniões de Osho sobre diferentes personagens da história: Hitler, Martin
Luther King, Gandhi e inclusive Annie Besant, Krishnamurti e Helena Blavatsky.
E o problema reside mesmo neste último nome. É que tudo o que Osho diz sobre
HPB é mentira, até mesmo uma bela historieta que não é encontrada em nenhuma biografia da Velha Senhora. Dizia Osho que HPB tinha o hábito de atirar sementes
para o exterior do comboio em andamento durante as suas viagens pela Índia. Mais
tarde cresceriam flores que fariam as pessoas felizes e nas palavras de Osho, HPB dizia que fazer as pessoas felizes contribuía para a sua própria felicidade.
Tudo muito bonito, mas claramente inventado. Sendo
aparentemente inofensivo, este fait-divers esconde uma táctica muito usada
pelos falsos gurus, que iludem os mais crédulos. A de criar falsas histórias
que mostram aparente conhecimento de causa e que lhes permitem mais tarde
caluniar e apontarem-se a si próprios com os mais iluminados.
Na mesma página onde se encontra a história das flores,
poderão se encontrar outras falsidades: um acordo entre Blavatsky e Damodar
para que este desmaiasse e a Velha Senhora o acordasse usando os seus “poderes”
(ou seja uma encenação); a afirmação de
que as Cartas dos Mahatmas eram obra de HPB; e um bando de declarações arrogantes
sobre “A Doutrina Secreta” em relação à
qual nem o número de volumes Osho sabia.
E os seus seguidores tudo engoliam. Com certeza em relação a
outros personagens da história também hão de existir mentiras.
Já em 2011, Ava Avalos uma proeminente discípula de Osho
revelou que ouviu uma gravação de Sheela
em conversa com Osho em que este dizia que “seria necessário matar pessoas em
Ohio” (o estado norte-americano onde se localizava o seu ashram). “Na
verdade, assassinar pessoas não era assim uma coisa tão má”, prosseguiu Osho,
que assegurava ainda que “Hitler tinha sido um grande homem”, embora ele não
pudesse dizer tal coisa publicamente “pois ninguém entenderia”. Mas para Osho, Hitler tinha “grande
visão”.
Relativamente aos seus ensinamentos, os mesmos são uma
mistura de muita coisa. É impossível não encontrar lá alguma coisa de valor.
Mas este mesmo é o melhor modo de deturpar a Sabedoria Eterna. Misturar a
verdade com a mentira dissimulada, ao mesmo tempo que se dá um mau exemplo
prático, neste caso validando comportamentos sexuais desajustados e colocando a
ênfase em excessos de bens materiais.