Com esta quinta parte, terminamos a tradução do artigo de Barend Voorham "Três níveis de recordação: instinto, consciência e intuição" retirado do nº3 da revista Lucifer de 2014. Recomenda-se a leitura da introdução publicada na parte 1.
Intuição
Quando estes aspetos superiores
da consciência aparecem espontaneamente, sem raciocínio intelectual, designamos
isso por intuição. Intuição também é
uma espécie de lembrança. Os tipos de consciência mais espirituais têm as suas
próprias experiências e impressões ao seu nível, também. Essas marcas estão
igualmente registadas na natureza akáshica. E nós, vivendo na consciência
pessoal, também temos acesso a isso. Podemos contemplá-las. A intuição é a
perceção imediata da verdade. É sabedoria espiritual e manifesta-se como uma
visão direta e impessoal.
Podemos pensar: “Estas não podem
ser as minhas marcas. O alcance da consciência está confinado ao pessoal. Posso
na melhor das hipóteses atingir a minha consciência e já é suficientemente
difícil ouvi-la continuamente.” Recorde-se porém, que não há separatividade na
natureza. Tudo está interligado. Também somos estas consciências superiores, se
nos identificarmos com elas.
Aprender, dizia Platão, é
recordar. Isto significa que podemos ativar as experiências espirituais a
partir da corrente de consciência que somos. Tornamo-nos conscientes delas.
Busto de Platão |
Em “Fédon”, Platão descreve uma
história mítica sobre como as almas humanas vivem no mundo dos Deuses antes de
nascerem. Aí veem as verdadeiras Ideias. Mas, quando nascem, têm de beber água
do Rio Lete, o rio do esquecimento e esquecem-se daquilo que viram. As almas
que beberam bastante lembram-se de muito pouco e as almas que beberam pouco
lembram-se de bastante. Mas, cada alma está familiarizada com essa realidade
espiritual, e quando olhamos de perto para dentro de nós próprios e ouvimos com
atenção, sabemos disto.
Podemos, autoconscientemente
tentar despertar esta memória divina em nós próprios. É possível treinar a
intuição. Podemos aprender a focarmo-nos no que é verdadeiramente humano,
espiritual, mesmo na consciência divina em nós. Como? Buscando por este tipo de
memória que Blavatsky chama de “reminiscência”; ativamente recordando estas
imagens espirituais (3).
Do pensamento cerebral ao pensamento universal
Como fazê-lo? Como nos conectamos
com estas influências espirituais? Como nos sintonizamos com a “oitava do nosso
piano”, a nossa consciência pessoal, de modo a nos identificarmos com a verdade
e compaixão da nossa consciência superior em nós?
Helena Blavatsky |
Primeiro, devemos nos esvaziar.
Não devemos dar lugar a quaisquer pensamentos pessoais. Podemos nos perguntar quantos
pensamentos reservamos todos os dias para assuntos que, à luz da
espiritualidade, não têm importância alguma. Olhemos por exemplo para o que a
televisão tem para oferecer e perceberemos como o nosso aspeto de pensamento
inferior é estimulado por todo o tipo de informação e sensações desnecessárias.
Quantas vezes nos preocupamos com a nossa prosperidade, sobre aquilo que pode
correr mal, com possíveis doenças ou com a própria morte? Se nos esvaziarmos
destas preocupações diárias, afinamos a nossa oitava num tom diferente e os
pensamentos espirituais virão até nós naturalmente.
Não raras vezes atribuímos um
nível de realidade ao mundo externo e ilusório, que o mesmo não merece. Podemos
perceber contudo, que a nossa felicidade não depende de ilusões. Entender que estávamos preocupados com nada de
importante dá-nos um sentido de liberdade e espaço para perceções novas e mais
abrangentes.
Há que reconhecer estas novas
perceções e alimentá-las. Podemos
fazer isto focando a nossa atenção. Meditando nas ideias universais. Criando
uma imagem de pessoas compassivas, de um mundo onde as pessoas trabalham em
conjunto e se ajudam mutuamente na prática. Pensemos de modo amplo e impessoal.
Vivamos o ideal mais elevado que possamos imaginar.
A tónica espiritual irá alterar
inclusive os nossos pensamentos quotidianos. Claro que ainda teremos que ir pôr
o lixo e ir às compras para satisfazer as nossas necessidades diárias, mas
mesmo os pensamentos necessários para estas atividades simples serão iluminados
se pensarmos nelas com um Ideal mais alargado de compaixão. Assim enobrecemos o
eu pessoal e também o eu animal e o eu físico. No fim de contas, o nosso cérebro será
igualmente iluminado.
Não devemos apenas pensar com o
nosso cérebro. Devemos pensar a partir do ponto de vista maior, universal.
Somos uma corrente de
consciência. Os nossos aspetos superiores residem nos planos espirituais.
Tenhamos isso presente. Imaginemos um mundo justo e equitativo, onde a ajuda e
cooperação mútuas não são a exceção, mas a norma. Imaginemo-lo de forma tão
nítida e clara, de modo a recordarmos esta imagem no nosso dia-a-dia, em cada
ação que empreendemos e em cada pensamento que temos. É esta memória que a
humanidade em sofrimento necessita acima de tudo.
3. H.P.
Blavatsky, The Key to
Theosophy. Theosophical University Press, Pasadena 1985, Chapter
8.