No início de setembro, o conhecido teosofista holandês Jan
Kind publicou na Theosophy Forward,
um editorial, em parte inspirado na sua comunicação na Conferência Internacional de Teosofia que teve lugar em Nova Iorque em Agosto passado.
O texto de Kind encerra por agora o tema da discussão de
pontos de vista sobre Teosofia (e sobre teosofistas) que foi trazido diversas
vezes ao Lua em Escorpião durante este ano de 2013.
Jan Kind, na Conferência Internacional de Teosofia (agosto de 2013) |
“Revelação ou Realização: O conflito na Teosofia”, o famoso
artigo de J.J. van der Leeuw foi uma boa introdução ao assunto, que continuou
com outro editorial de Jan Kind, “É a minha Blavatsky melhor do que tua?”. Já
depois do verão, “O confronto de pontos de vista” (uma compilação de um
conjunto de discussões em grupos do Facebook, tendo como protagonista
principal, o teosofista filipino Vicente Hao Chin, Jr.) e o texto de W.Q. Judge
“Dogmatismo na Teosofia” alargaram, espero eu, o campo de visão sobre este
tema.
Não obstante concordar em grande medida com o que Kind
escreve, tenho de repetir o que já escrevi anteriormente e que foi magistralmente
expresso no artigo “Esoterismo de A a Z” da última edição da revista Biosofia:
“… O que está em causa são enganos, não são pessoas.
Seria leviano ou pretensioso alguém dizer que, nas mesmas circunstâncias, não
teria cometido esses ou outros erros; e não se pode esperar ou exigir perfeição
ou infalibilidade de um estudante ou investigador de esoterismo (ou do que
seja). Entretanto, persistir no erro ou recusar-se a admiti-lo ou corrigi-lo é
que não tem sentido. Assim, preconizamos uma revisão e reavaliação criteriosa
de tudo o que se sustentou depois de 1891. Não foi tudo mau; não houve só
erros. E houve decerto boas intenções. Necessitamos, porém, de rejeitar o joio
e eleger o trigo".
Avancemos agora para a tradução do texto de Jan Kind.
"Há muitas luas atrás - deve ter sido no verão de 1968 quando
ainda vivia em Amsterdão – que pela primeira vez na vida me disseram que existia
algo chamado Teosofia. O homem que teve a bondade de me abrir essa porta era um
famoso músico judeu de idade avançada, que havia sobrevivido milagrosamente aos
horrores da II Guerra Mundial. Eu fiquei fascinado por ouvir falar sobre as
leis de causa e efeito, karma, reencarnação, os mundos visíveis e invisíveis,
tolerância e compaixão, liberdade de pensamento e sobre como a música cria
energia que influencia as mentes das pessoas e o seu ambiente.
Eu lembro-me vivamente daqueles passeios pelo parque da
capital da Holanda. Quando nos sentávamos num banco, ele sempre começava por me
contar a sua longa e interessante vida como violinista e maestro, os artistas e
os compositores que tinha conhecido, os seus anos em Paris, os amores da sua vida
e a…Teosofia.
Na altura - os vibrantes e coloridos anos sessenta - a minha
cabeça estava preenchida com Jim Morrison, Jimi Hendrix e os Iron Butterfly. Eu
tinha a certeza que ia mudar o mundo. Bob Dylan era o meu herói, a guerra no
Vietname era horrível, Woodstock estava ainda a ser preparado e à noite eu
sentava-me com alguns estudantes meus amigos tentando entender o que Jean Paul
Sartre queria dizer quando escreveu que os humanos estão condenados a serem
livres. A somar a tudo isto, esse senhor de idade falava comigo sobre Teosofia.
Não tinha a perceção da existência de algo como a Sociedade
Teosófica, mas estava intrigado pelas suas muitas histórias. Um dia
perguntei-lhe se alguma vez se tinha juntado a um grupo ou círculo de pessoas
interessadas na Teosofia. A sua resposta foi significativa; ele nunca tinha
considerado se juntar a nenhuma Sociedade porque na perspetiva dele, a Teosofia
era maravilhosa, tinha sido um farol durante toda a sua vida e ajudou-o a viver
entre os anos de guerra, mas havia que ter cuidado com os teosofistas. Quando
questionei porque era preciso ter cautela com eles, ele disse que apesar da fraternidade
ser o seu primeiro objetivo, existia tanta desarmonia entre eles, que como
violinista clássico, ele não poderia participar naquilo que chamava de
“cacofonia de Karlheinz Stockhausen” (Stockhausen era um moderno e
controverso compositor germânico conhecido por usar uma técnica de doze tons que
muitas vezes feria os ouvidos).
Tardei mais de vinte e seis anos a me juntar a uma Sociedade
Teosófica. As palavras do meu velho amigo judeu tinham aparentemente sido
implantadas na minha memória e o meu fascínio pela Teosofia ainda existia.
Desde 17 de novembro de 1994 em diante, como um membro da ST Adyar (mais tarde
juntei-me a todas as Sociedades existentes), testemunhei tudo o que de bom e de
mau os membros ativos nas Sociedades causam.
É evidente que algumas pessoas vivem muito no passado ou buscam
a sua inspiração apenas nos muitos conflitos que tiveram lugar no passado. Num artigo
anterior, referi-me a isso como “sequestrar” um conflito, tornando-o seu. Embora
boas pessoas estejam energicamente tentando cumprir aquilo que a fraternidade
implica, parece que existe um pequeno grupo isolado que acusa continuamente
outros teosofistas que não são simpáticos à sua causa, de serem um bando de
parvos ingénuos. O seu “bla-bla” contraditório e pseudointelectual é
extremamente aborrecido, porque se referem muitas vezes a acontecimentos históricos,
mas irremediavelmente interpretando-os erroneamente, e as pessoas que condenam
são sempre as mesmas.
Apresentando-se a si mesmos como gurus carentes de
seguidores, as suas observações são prepotentes, repetitivas, nada inspiradoras
nem construtivas, de modo nenhum relacionadas com o que a Teosofia é suposto
representar.
Alguns amigos por vezes enviam-me ligações a tópicos na
internet contendo tais querelas, mas já não consigo continuar a ler mais
aquelas tristes epístolas. Não subestimo a importância de discussões no
ciberespaço, mas é evidente que alguns extremistas com os seus previsíveis ajudantes
“unilateralistas” que lá colocam mensagens, apenas juraram nunca desistir da
sua cruzada contra quem consideram ser pateta e desencaminhado. Pois bem, que
seja, a Lei sempre funciona, portanto veremos.
Eu não consigo perceber porque alguns Teosofistas (serão?)
estão constantemente centrados nos egos pessoais de teosofistas proeminentes do
passado, especialmente quando esta mesma gente reclama estar a tentar suprimir
o ego pessoal. Não podemos saber toda a verdade sobre Besant, Judge, Olcott ou inclusivamente
a própria H.P.B. As acusações contra algum ou todos eles resumem-se a
mexericos, um dos “pecados” que H.P.B. mais condenou. Se quisermos seguir
H.P.B., então vamos parar de fazer mexericos sobre o passado e viver HOJE a
Teosofia como irmãs e irmãos, independentemente
do que cada um de nós acredite.
Eu posso desapontar os meus respeitados leitores, por isso
peço desculpa antecipadamente, mas eu nunca conheci pessoalmente Annie Besant,
William Judge, Henry Olcott ou Katherine Tingley, nem mesmo Helena Blavatsky.
Quem me dera! O que sei sobre eles, aprendi do que li em livros e no que
historiadores transmitiram. Portanto, quando leio sobre a história do movimento
teosófico moderno, leio a história de mulheres e homens que nos seus modos
particulares tentaram arduamente elevar o nosso problemático mundo. Nesse
processo, durante o percurso, algumas coisas correram bem, mas ao mesmo tempo
cometeram-se erros dolorosos; houve luz, mas também escuridão, houve bom e mau.
Não parece tudo isto familiar?
Eu respeito aqueles velhos pioneiros que dedicaram as suas
vidas à causa, mas cabe-nos a nós agora criar um futuro, e não podemos criar um
amanhã olhando constantemente para trás, apontando dedos, acusando os outros,
difamando boas pessoas e proclamando a nossa própria verdade limitada.
Podemos aprender com
o passado, mas nunca devemos julgar; ao invés podemos tentar fazer as coisas
melhor, e se falharmos, tentamos novamente.
Vamos em primeiro lugar e antes de mais permanecer como exploradores
: a Teosofia não consiste em dizer aos outros teosofistas que estão errados. A
Teosofia é sobre servir a humanidade,
agora e amanhã, no futuro, portanto foquemo-nos nisso. Acabemos com a
cacofonia, tornando-a numa sinfonia, o mundo está desesperadamente à espera.
D’ A Voz do Silêncio:
“A “Doutrina do Olho” é para a multidão; a “Doutrina do Coração”, para os
eleitos. Os primeiros repetem orgulhosos: “Vejam, eu sei”; os últimos, os que
humildemente têm colhido, em voz baixa confessam: “assim ouvi”. "
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