Ainda relacionado com o tema subjacente ao artigo cuja última parte foi colocada neste blog na semana passada (a imposição/discussão de pontos de vista, o dogmatismo, a proclamação de "verdades"...) o teosofista Carl Ek, da Sociedade Teosófica de Point Loma - Blavatsky House, recuperou o texto que abaixo se traduz e que foi escrito por um dos fundadores da Sociedade Teosófica, William Quan Judge.
Carl Ek |
Nascido em Dublin em 1851, Judge correu sério perigo de vida quando tinha 7 anos, tendo chegado a ser dado como morto pelo médico. Milagrosamente recuperou e partir aí começou a se interessar por assuntos místicos. Uma explicação para o "milagre" é dado aqui (ver capítulo com o título "In a borrowed body", ou seja, "Num corpo emprestado"). Em 1864 a família emigra para os EUA e 10 anos depois Judge contrai matrimónio com uma metodista, que por essa razão era pouco amigável dos interesses do marido. Foi um casamento infeliz agravado pela morte da única filha, ainda em criança.
William Quan Judge |
Foi também em 1874 que viria a conhecer Helena Blavatsky, através de Olcott e a 8 de setembro de 1875, Judge seria, junto com Olcott, Blavatsky e mais alguns elementos, um dos co-fundadores da Sociedade Teosófica (ST). Pouco depois Judge tornar-se-ia chela do mestre Morya e um dos grandes ajudantes de Blavatsky, principalmente no período em que esta viveu nos EUA. Em 1884, Judge terá sido iniciado pelo mestre M., aquando da sua visita à Índia. Regressou aos Estados Unidos onde com redrobrada energia continuou o trabalho de divulgar a Teosofia naquele vasto país. Em 1891 morre em Londres Helena Blavatsky, ficando Judge e Annie Besant como co-líderes da Secção Esotérica da ST. Em 1893, Judge publica a sua obra talvez mais conhecida, "O Oceano de Teosofia", uma explanação muito simples e clara dos princípios mais relevantes da Sabedoria Perene. No entanto, uma complicada série de acontecimentos e intrigas acabaria por conduzir a fortes desentendimentos entre Besant e Judge, acabando este em 1895 por autonimizar a Secção Americana da Sociedade Teosófica original. No ano seguinte, Judge acaba por falecer aos 44 anos de idade. As desavenças entre aqueles dois herdeiros de Blavatsky, são ainda alvo de discussão nos dias de hoje. Recordo aqui a visão de Brett Forray, que já deu azo a um post no Lua em Escorpião há cerca de um ano.
Esta resenha foi feita com base no texto sobre a vida de Judge que pode ser encontrada no site da Fundácion Blavatsky, de onde foram retiradas muitas das fotos que ilustram este texto. Um agradecimento também ao Ivan Silvestre que fez a revisão da tradução do texto abaixo.
Esta resenha foi feita com base no texto sobre a vida de Judge que pode ser encontrada no site da Fundácion Blavatsky, de onde foram retiradas muitas das fotos que ilustram este texto. Um agradecimento também ao Ivan Silvestre que fez a revisão da tradução do texto abaixo.
Uma das edições em inglês de "O Oceano de Teosofia" |
A Sociedade Teosófica foi fundada
para acabar com o dogmatismo. Este é um dos significados do primeiro objetivo –
a Fraternidade Universal. O Coronel H.S. Olcott, no seu discurso inaugural em
1875, no Mott Memorial Hall, em Nova Iorque, disse que esse era o objetivo em vista,
citando o mau efeito que a intolerância tinha tido no passado. Esse discurso
foi visto pela Madame H.P. Blavatsky antes da sua leitura, ou os seus conteúdos
foram-lhe comunicados, portanto teve a sua concordância, pois ela esteve
presente quando foi lido.
Henry Steel Olcott |
Na “Conclusão” de “A Chave para a
Teosofia”, HPB refere-se novamente a este assunto e expressa a esperança de que
a Sociedade não se venha a tornar, após a sua morte, dogmática ou cristalizada
nalgum estágio de pensamento ou filosofia, mas que se possa manter livre e
aberta, com membros sensatos e altruístas. Em todos os seus escritos e
observações, privada ou publicamente, ela constantemente reiterou esta ideia.
Sobre isto, o autor [NT: W.Q. Judge] tem evidências diretas pelas suas
declarações em privado.
Se o nosso esforço é para ter êxito,
devemos evitar o dogmatismo na Teosofia tanto como noutra coisa qualquer, pois
ao dogmatizarmos e ao insistirmos na nossa construção de Teosofia, perdemos de
vista a Fraternidade Universal e semeamos complicações futuras.
Há uma grande probabilidade de
membros da Sociedade insistirem numa certa ortodoxia nas nossas fileiras. Já o têm
feito aqui e ali, e isto é uma nota de aviso para os alertar para o perigo. Não
existe ortodoxia na nossa Sociedade. Apesar de nove décimos dos membros
acreditarem na reencarnação, no karma, na constituição setenária e em tudo o
mais, e apesar de os mais proeminentes estarem envolvidos em promulgar estas e
outras doutrinas, as fileiras da Sociedade devem ser sempre mantidas abertas e
a ninguém deve ser dito que ele não é um ortodoxo ou um bom teosofista porque
não acredita nestas doutrinas. Apenas é pedida a adesão de todos à Fraternidade
Universal e à sua prática na procura pela verdade. Os esforços daqueles que
estão desse modo a promulgar ideias específicas, são suportados pelo segundo
objetivo da Sociedade, que qualquer um é livre de recusar ou de seguir,
conforme preferir. Podemos negar – de modo não dogmático – a reencarnação e
outras doutrinas, ou podemos afirmar a crença num Deus pessoal ou impessoal, e
ainda sermos um bom membro da Sociedade, desde que a Fraternidade Universal
seja subscrita e posta em prática.
Se um membro diz que ele quer enunciar
a existência de um Deus, ou que não pode acreditar na reencarnação, nenhum
outro deve condenar, estabelecer comparações ou apontar para os escritos de HPB
ou de outrem para mostrar que esse membro é não-teosófico. As grandes mentes da
Terra estão fascinadas por grandes ideias como estas, e mesmo assim,
mantendo-as, podem ainda procurar pela verdade com os outros, num perfeito
espírito de tolerância.
Mas ao mesmo tempo é óbvio que,
entrando na Sociedade e então, sob o nosso fundamento prévio de tolerância,
asseverar que a Teosofia não deve ser estudada, que o vasto conjunto de
pensamento e filosofia oferecida na nossa literatura não deve ser investigado,
é algo não teosófico, impraticável e absurdo, pois iria anular o próprio objetivo
da nossa organização; é um dogmatismo que deriva da negação e indiferença.
Devemos estudar a filosofia e as doutrinas que nos são oferecidas antes de
estarmos numa posição de passar julgamento e dizer que não são verdade ou que
deveriam ser rejeitadas. Julgar e rejeitar antes de analisar é típico das
mentes tacanhas ou de dogmáticos preconceituosos.
E como o vasto conjunto de
filosofia, ciência e ética que nos foi dada por H.P.Blavatsky e os seus
instrutores tem sobre ele o carimbo da investigação, razoabilidade, antiguidade
e sabedoria, exige a nossa melhor e prioritária consideração de modo a que
possamos com aptidão, concluir sobre a sua aceitação ou rejeição.
Só então, um membro da Sociedade,
independentemente da sua posição das nossas fileiras ser mais ou menos elevada,
tem o direito de promulgar todas as ideias filosóficas e éticas encontradas na
nossa literatura o melhor que conseguir, e ninguém tem o direito de se opor,
desde que essa promulgação seja acompanhada de uma afirmação clara que não é autorizada
ou considerada ortodoxa por qualquer declaração da estrutura da nossa S.T.. A
nossa Sociedade deve permanecer livre e aberta, em qualquer circunstância, e porque
nos recusamos a enunciar crenças como uma Sociedade, permanecemos poucos em
número, mas podemos sempre ser fortes em influência.
Path, janeiro de 1892