Jesus Cristo é uma figura de tal forma omnipresente,
especialmente nas sociedades onde predomina a religião cristã, que o levantar
de dúvidas sobre a sua história de vida provoca reacções às vezes primárias.
Isto é natural, até porque praticamente toda a gente entra em contacto com
crenças religiosas em criança e de uma forma bastante emocional, pelo que em
muitas situações ninguém se atreve a questionar a veracidade da história
convencional sobre Jesus Cristo.
Não me recordo se no ano passado se há dois anos, os
coordenadores do site Filosofia Esotérica fizeram chegar a milhares de pessoas
que estão nas suas listas de e-mail um texto de Eliphas Levi, com a versão dos
judeus sobre a personagem de Jesus Cristo. Houve elogios pela coragem em enviar
um texto tão polémico e que quebra imensas ideias relacionadas com aquele
Iniciado, mas também alguma indignação e pedidos para não voltar a receber mais
textos.
Não espero nem procuro tanta controvérsia, mas em tempo de
Páscoa este parece-me um tema bastante a propósito. Julgo que o conjunto de fontes
que reuni suscitará ao leitor alguma curiosidade em investigar mais sobre a
matéria e também em reflectir sobre a força que o poder estabelecido (seja ele
político, religioso ou cultural) tem, em nos inculcar uma determinada
ideia.
Comecemos por falar um pouco sobre Eliphas Levi (um
pseudónimo resultante da tradução do seu nome de baptismo para hebraico). Nascido em 1810
em Paris, com o nome Alphonse Louis Constant, foi durante algum tempo sacerdote
da Igreja Católica Romana, ligação que perderia quando ganhou fama de cabalista.
Publicou várias obras, onde interpretava doutrinas arcaicas e abordava temas
relacionados com a cabala e com magia. Bastas vezes escrevia de forma
cautelosa, para não causar ainda maior ira na estrutura eclesiástica, isto
principalmente quando relacionava passagens da Bíblia com Ocultismo. Blavatsky
chamou-o de “paradoxo encarnado”. Haveria de falecer em 1875, facto em relação
ao qual já tinha sido avisado por um estranho visitante alguns anos antes. Esse
episódio e mais detalhes sobre a vida de Levi podem ser lidos aqui. Podemos
dizer que foi um percursor do trabalho de Helena Blavatsky e esse facto não
terá sido por acaso.
No seu livro “A Ciência dos Espíritos” (Editora Pensamento),
Levi diz que os Evangelhos não são para serem entendidos de forma literal e
acrescenta que os apóstolos nunca esconderam esse facto (ver p.14 da op. cit.).
Na página anterior ele afirma que a vida de Jesus é “a lenda ideal do homem
perfeito” já antes esboçada na Índia, com a história de Krishna. De seguida
(p.19) começa então o relato da “História de Jesus segundo os talmudistas” que
tentarei resumir.
Na Judeia reinava Alexandre Janeu, nos inícios do século I
A.C. Nas suas terras vivia um homem de má extirpe chamado José Panther, vizinho
de Maria, que era cabeleireira de mulheres. Esta foi prometida em casamento a
Joanan, homem modesto e religioso.
Panther ao passar na porta de casa de Maria agradou-se dela
e incentivado pela própria mãe, vestiu-se como Joanan e entrou na casa de Maria
com a cabeça coberta por um capuz. Abusou dela uma primeira e segunda vez.
Maria ficou grávida e teve um filho chamado Jehosuah.
Dada a sua grande inteligência já em criança, Maria
arranjou-lhe um mestre, de nome Elcanan, tendo mais tarde um rabino (Jehosuah,
filho de Perachiah) o iniciado nos conhecimentos secretos. Mas Janeu massacrou
os iniciados, fazendo com que Jehosuah fugisse para Alexandria. Este foi o
massacre dos inocentes que se atribui incorrectamente a Herodes. Essa
carnificina não foi dirigida a crianças de forma literalmente, mas aos nascidos
de novo, os iniciados. E historicamente os dados apontam para Janeu e não para
Herodes, pois no reino deste não existem relatos de assassinatos em massa.
Jehosuah, ou seja, Jesus trabalhou no Egipto como
carpinteiro (onde aprendeu os Mistérios) tendo regressado à Judeia quando a
perseguição terminou. É nessa altura que é elucidado dos factos que envolveram
a sua concepção, algo que o perturba. O diálogo é elucidativo:
“- Acreditais que eu possa honrar este homem [José Panther]
como meu pai?
- Não! Responderam eles [os discípulos] a uma voz.
- Acreditais que minha mãe seja impura?
- Não, responderam eles mais uma vez.
Pois bem - disse
Jesus - não tenho nenhum pai na terra, meu pai é Deus, que se encontra no céu.
E, quanto à minha mãe, sua virgindade não pode ser maculada por um crime que
ela não cometeu. Considero-a como sempre, virgem. Pensais como eu?
-Sim, responderam os discípulos.”
Jesus será vítima do ódio dos sacerdotes. Afinal ele
transmitia ao povo um conhecimento que eles desejavam reservar apenas para si.
Jesus tinha descoberto a teologia oculta de Israel e comparava-a com a
sabedoria do Egipto e tentou fazer uma síntese religiosa universal (onde é que
nós já ouvimos isto?). Então, os sacerdotes conceberam um plano para aniquilar
Jesus, enviando para junto dele Judas Iscariotes, que provocou escândalo no
Templo ao se prostrar diante de Jesus, dando a ideia que este queria ser
adorado como Deus. Na confusão Jesus fugiu para o Jardim das Oliveiras onde foi
capturado por guardas. Foi açoitado e apedrejado num sítio chamado Lud ou Lydda.
Morreu numa cruz em forma de forcado. Foi retirado por discípulos que o puseram
no fundo do leito de uma torrente, por isso o seu corpo nunca mais foi
encontrado.
Eliphas Levi considera essa a narrativa fundamental, mas
existem algumas variantes entre o Talmude e o Sepher Toldoth Jeshu (Eliphas
acha a primeira fonte mais digna de confiança).
Alguns cristãos consideravam muito ofensiva esta versão e
por isso os judeus ocultavam os livros que a continham. No entanto, é visível o
respeito pelo carácter nobre de Jesus e pela pureza de Maria. E termino aqui a
referência ao livro de Levi.
Curioso sem dúvida, é que no final do Século IV, Santo Epifânio, numa
genealogia de Jesus, chama ao seu pai de José Ben Panthera...
Para quem conhece os Evangelhos muitos paralelos podem ser
estabelecidos.
Refira-se que não existem provas nenhumas da existência de
Jesus Cristo, sem ser nos livros sagrados e nestas obras do judaísmo. As
referências encontrados em escritos do historiador romano Flávio Josefo são
falsificações feitas pela mão de Eusébio de Cesareia e outros. Note-se que
na altura o Cristianismo estava em fase de afirmação, e existia uma corrente
(havia uma grande heterogeneidade entre os seguidores de Jesus) bastante
fanática, que de minoritária, passou a maioritária e acabou por prevalecer.
Estes acontecimentos estão descritos na obra de Elaine Pagels, “Os evangelhos
gnósticos” (editada em Portugal pela Via Óptima). Pode surpreender saber que foi a linha radical que se sobrepôs
dentro do Cristianismo. Quem visionar o filme "Ágora" de Alejandro Amenábar, que
retrata a vida da filósofa Hipátia de Alexandria, não ficará com certeza tão
surpreso.
Blavatsky nos seus Escritos Reunidos (Collected Writings) é
taxativa:
"[Jesus] é uma personagem deificada, do tipo glorificado dos
grandes Hierofantes dos templos, e a sua história, tal como é contada no Novo
Testamento, é uma alegoria, que asseguradamente contém profundas verdades
esotéricas, embora sejam uma alegoria...Cada acto de Jesus no Novo Testamento,
cada palavra que lhe é atribuída, cada acontecimento relacionado com ele
durante os três anos de missão, que se diz que terá cumprido, assenta no
programa dos Ciclos de Iniciação, um ciclo baseado na Precessão dos Equinócios
e nos Signos do Zodíaco”.
Na 2ª parte deste post, veremos o que tem mais a Teosofia a dizer
sobre a biografia de Jesus.
Sem comentários:
Enviar um comentário