Na semana passada terminámos a tradução do artigo de Daniel Caldwell, "O mito do terceiro volume desaparecido de A Doutrina Secreta". Hoje iniciamos a tradução de uma discussão que teve lugar numa comunidade online de teosofistas.
O Theosophy
Nexus é considerado
por muitos teosofistas o melhor fórum de discussão sobre Teosofia atualmente em
atividade. Está ligado ao site Universal
Theosophy, também ele
de grande qualidade. No Nexus debatem-se os ensinamentos teosóficos com
profundidade e a maior parte das opiniões que lá surgem são de teosofistas
experientes. O acompanhamento regular desta comunidade já permite uma boa
aprendizagem.
Este assunto
esteve lá em debate e portanto nada melhor do que
traduzir algumas das intervenções. Para o efeito, o Lua em Escorpião teve a
autorização expressa de um dos administradores do Nexus.
David Reigle
(um dos principais, senão o principal expert em Sânscrito no movimento
teosófico atual) refere: “Depois do conselho dos Keightleys, ela [HPB] mudou
este material [referente à história de alguns Iniciados] do primeiro para o
terceiro volume, o qual só foi publicado depois do seu falecimento.”
Jon Fergus,
de quem o Lua em Escorpião já traduziu este post replica referindo que não crê que a
secção que se encontra no 3.º volume seja o que HPB inicialmente planeou.
Jon Fergus |
Reigle
responde que efetivamente a visão que Jon apresenta era a da maioria dos
estudantes de “A Doutrina Secreta”, incluindo ele próprio e Daniel Caldwell (um
investigador independente que gere o portal em língua inglesa que contém mais
material sobre Blavatsky,
tendo o Lua em Escorpião já traduzido textos nunca antes publicados deste autor). Caldwell tem um papel
central nesta questão. Foi a investigação dele que mudou a opinião de muitos no
meio teosófico. Iniciada na 2ª metade dos anos 80 e encorajada pelo falecido
John Cooper (teosofista australiano que esteve encarregue de compilar as
famosas Cartas de HPB, o primeiro volume das quais publicado em 2004 pelas mãos
de John Algeo e que tanta polémica deu), essa investigação foi publicada em
1995 no American Theosophist com a
designação “O Mito do Terceiro Volume Desparecido de A Doutrina Secreta”,
revisto em 2004 e publicado em 2014 no livro editado por David e Nancy Reigle
“The
Secret Doctrine Würzburg Manuscript”, que contém um terço do primeiro
manuscrito da magnum opus de
Blavatsky.
Fergus
mantém-se irredutível, argumentando com a diferença de qualidade entre este
terceiro volume e os dois anteriores, no que é apoiado por Nicholas Weeks
(teosofista bem conhecido no meio, ligado à tradição de Point Loma e cujo texto
mais conhecido será “Theosophy’s Shadow” [A Sombra da Teosofia], uma forte crítica à tradição de
Alice Bailey).
Reigle saúda
a discussão aberta (ao que eu acrescentaria que nunca é de mais reafirmar a
necessidade de as pessoas discutirem pontos de vistas diferentes com
urbanidade), mas responde que a afirmação de Bertram Keightley (ele e o seu
sobrinho Archibald ajudaram a editar a primeira “Doutrina Secreta”) foi o que o
fez mudar de opinião:
David Reigle |
“HPB havia
dado o manuscrito completo de “A Doutrina Secreta” aos Keightleys e estes
sugeriram a sua reordenação. Bertram escreveu:
“(…) em vez
do primeiro volume consistir na história de alguns grandes Ocultistas, como ela
[HPB] pretendia, aconselhámo-la a seguir uma ordem natural de exposição e
começar com a evolução dos Cosmos e daí para a Evolução do Homem e então para
lidar com a parte histórica num terceiro volume abordando as vidas de alguns
grandes Ocultistas…”.
Fergus reage
alegando que muito tempo passou entre a afirmação de Bertram e a publicação do
terceiro volume por parte de Annie Besant. Lembra que um mês antes de morrer,
Blavatsky disse que o manuscrito do terceiro volume está “quase pronto”, sendo
muito estranho que leve 6 anos a ser publicado e com um conteúdo pouco
organizado, na opinião de Fergus.
Parte 3 do documentário sobre Annie Besant
HPB com
efeito escreveu o seguinte na revista Lucifer de abril de 1891:
Há dois anos, a autora
prometeu em “A Doutrina Secreta”, Vol.II p. 798 [p.366 do volume IV da edição
em português de “A Doutrina Secreta”], um terceiro e até um quarto volume deste
trabalho. O terceiro volume (que está praticamente pronto) trata dos antigos
Mistérios da Iniciação, dá esboços – do ponto de vista esotérico – de muitos
dos mais famosos e historicamente conhecidos filósofos e hierofantes (todos
eles considerados pela ciência como impostores),
desde a antiguidade ate à era cristã, e rastreia os ensinamentos de todos estes
sábios à mesma e única fonte de todo o conhecimento e ciência – a doutrina
esotérica ou RELIGIÂO SABEDORIA. Nem é necessário referir que dos materiais
lendários esotéricos usados no próximo trabalho, as suas afirmações e
conclusões diferem grandemente e muitas vezes chocam irreconciliavelmente com os
dados fornecidos por quase todos os orientalistas ingleses e alemães….O
objetivo principal do Volume III de “A Doutrina Secreta” é provar, ao
identificar e explicar os véus nas
obras dos antigos indianos, gregos e outros filósofos de renome e também em todas
as antigas Escrituras – a presença de um método e simbolismo alegórico e
esotérico ininterruptos: mostrar, tanto quanto possível, que com as chaves da
interpretação conforme ensinadas no Cânone do Ocultismo Hindu-Budista Oriental,
os Upanixades, os Puranas, os Sutras, os poemas épicos da Grécia e da Índia, o
Livro Egípcio dos Mortos, os Eddas escandinavos, bem como a Bíblia hebraica e
ainda os escritos clássicos dos Iniciados (como Platão, entre outros) – tudo,
do início ao fim, dão um significado bastante diferente dos seus textos em
letra morta.
Este texto
também pode ser encontrado nos Collected Writings.
Fergus alega
que comparando esta descrição com o conteúdo do Volume III há uma considerável
discrepância. Quem abrisse esse volume, conhecedor da descrição de Blavatsky,
ficaria desiludido.
Nicholas
Weeks refere que é um pouco estranho terem levado 6 anos para publicar o 3º
volume (que estaria quase pronto um mês antes de Blavatsky morrer). Porque não
incluí-lo na re-edição de 1893? Para além disso, para quê juntar as Instruções
Esotéricas, para engordar o volume quando este já tinha 432 páginas (no
original, em inglês)?
Reigle
considera que os argumentos de Caldwell são demasiado robustos para sequer
sofrerem contestação.
Segundo
aquele Sanscritista, o testemunho mais forte vem de Archibald Keightley que a
29 de abril de 1889 referiu:
“O terceiro volume de “A Doutrina Secreta” está em
manuscrito pronto para impressão. Consiste principalmente de uma série de
esboços de grandes ocultistas de todas as épocas e é um trabalho maravilhoso e
fascinante. O quarto volume, que basicamente dará algumas pistas sobre
ocultismo prático, já foi delineado, mas ainda não foi escrito” (Wachtmeister,
1893, p. 84).
Condessa Constance Wachtmeister |
Continua na próxima semana.
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