Continuamos a tradução da discussão que teve lugar no fórum de internet Theosophy Nexus, sobre a legitimidade do terceiro volume de "A Doutrina Secreta".
Peter lembra o que escreveu Alice
Leighton Cleather, um antiga aluna de Blavatsky, em “ A Great Betrayal” [Uma grande traição], a que acima já
se aludiu.
Alice Leighton Cleather (1846-1938) |
Nicholas Weeks chama então a atenção
para a opinião de James Pryse [que alinhou com Judge contra Besant
e Olcott] aquando da cisão da Sociedade Teosófica em 1895 - sendo por isso o
seu testemunho especialmente relevante - que escreveu o seguinte.
“Para fazer justiça ao Sr. Mead e à Senhora
Besant…desejo testemunhar, que de acordo com o meu conhecimento pessoal, as
acusações frequentemente repetidas de que teria um deles, ou ambos, efetuado
alterações não autorizadas na edição revista (terceira) de “A Doutrina
Secreta”, adulterando o manuscrito do terceiro volume e suprimido o quarto, são
de todo em todo falsas e sem suporte em qualquer facto…pois eu mesmo estive por
quatro anos na sede em Londres, como encarregado do Serviço de Publicações,
quando se imprimia “A Doutrina Secreta” revista, e naturalmente tive todas as
oportunidades de saber o que se passava…”
(…)
“Ao rever a primeira edição de “A
Doutrina Secreta”, ele [Mead] repetiu precisamente o mesmo trabalho que fizera
anteriormente em relação aos manuscritos de HPB – somente isso e nada mais.
Para qualquer pessoa familiarizada com as particularidades literárias e
mecânicas da publicação de livros, era óbvio que o manuscrito não se achava
preparado em forma conveniente para impressão e que a revisão de provas fora de
tal modo descuidada que até erros gramaticais evidentes, cometidos
inadvertidamente pela autora, mantiveram-se. Nenhuma alteração foi feita pelo
Sr. Mead ou pela Senhora Besant, senão aquelas que deveriam ter sido feitas no
manuscrito original antes de ser impresso.”
James M. Pryse |
“Pelo seu trabalho erudito e
escrupuloso na execução da revisão, o Sr. Mead tornou-se credor da gratidão de
todos os leitores esclarecidos de “A Doutrina Secreta”, como igualmente merece
a Senhora Besant pela parte que lhe coube na árdua tarefa”.
“Quando eu ultimei a impressão dos
Volumes I e II [correspondem aos quatro primeiros volumes na edição em português],
a Senhora Besant depositou nas minhas mãos o manuscrito do Volume III…HPB havia
reescrito algumas das páginas várias vezes, com rasuras e alterações, mas sem
indicar qual das cópias era a definitiva; a Senhora Besant teve que decidir da
melhor maneira que lhe pareceu.”
“Como o Volume III continha muito
menos matéria que os outros, a Senhora Besant disse-me que ia ampliá-lo,
acrescentando as Instruções da Secção Esotérica, uma vez que para tal recebera
autorização de HPB. Essas Instruções, como de pode constatar, ocupam a maior parte do
volume IV proposto, do qual não foram encontradas senão algumas páginas, o
suficiente apenas para marcar o ponto em que HPB tinha parado de escrever.
Estou a inclinado a crer que a autora tencionava incorporar aquelas Instruções
ao Volume IV, e que era isso que tinha em mente quando escreveu, com
tanto otimismo, que os dois últimos volumes estavam “quase concluídos”.” O
texto original em inglês pode ser lido aqui.
E.T. Sturdy, que vivia em Avenue Road
então, subscreve completamente Pryse.
E.T. Sturdy (1860-1957) |
Depois do chamado caso Judge, Pryse manifestou
animosidade face a Besant, chegando em 1897 a escrever publicamente que olhava
para Besant com suspeição. No fim da vida, embora dissesse que “ela tinha sido
enganada por charlatães inspirados por Dugpas”, nunca considerou que ela
tivesse suprimido os volumes III e IV.
Considerava que “se fosse HPB a ter
editado esse volume III, os teosofistas o haveriam valorizado, como foi a Srª.
Besant e outros que o editaram, olharão para ela com uma justa suspeição.” No
entanto esta suspeição teria a ver com a edição de Besant e não com a origem do
material.
A perspetiva de Pryse evoluiu com o
tempo. Perto da morte, em 1939 escreveu:
“As 30 000 alterações e por assim
dizer correções do Sr. Mead na edição revista são excelentes. Mas ele foi muito
conservador, deveria ter feito muitas mais.”
Weeks refere que as cartas trocadas
entre Sinnett e Blavatsky também são importantes. Estas cartas podem ser
encontradas aqui.
Alfred P. Sinnett |
Numa delas, datada de 3 de março de
1886, HPB escreve o seguinte sobre o seu trabalho em “A Doutrina Secreta”:
“Terminei um enorme capítulo
introdutório, Prêambulo ou Prólogo, chame-se-lhe o que se quiser (…). Posso-lhe
assegurar que as coisas mais extraordinárias serão dadas agora, toda a história
da Crucificação, etc…que se mostra ser baseada num rito tão antigo quanto o
mundo”. Este é um tema tratado no volume V da edição em português (portanto no
tal volume III em inglês, cuja validade está em apreciação neste artigo) sob o
título “A prova do iniciado-Sol” (p.258).
Blavatsky também diz que lhe ordenaram
escrever sobre “a existência de uma Doutrina Secreta Universal conhecida dos
filósofos e iniciados de todos os países e mesmo de vários Pais da Igreja como
Clemente de Alexandria, Orígenes e outros, que tinham sido, eles próprios Iniciados.”
O material sobre Clemente de
Alexandria (que está no manuscrito de Würzburg tal como o da crucificação) pode
ser encontrado no vol. V, secção III em “A Origem da Magia” (p.48).
H.P. Blavatsky |
Daniel Caldwell reforça os seus
argumentos citando Boris de Zirkoff, o compilador dos Collected Writings de Blavatsky:
…provas conclusivas mostram que as
Secções XXVI e XXVII [do vol.III da DS, 1897] foram escritas por HPB em 1885,
como o primeiro rascunho [da DS]…
…[Contudo, estas podem agora ser
encontradas em dois artigos dos Collected Writings, Vol.VII, p.105-134 e p
230-240]
Boris prossegue referindo que as
Secções XLIII-LI (volume VI da edição em português) ressaltam dizendo que há um
fio condutor entre as mesmas. Um dos capítulos “O Mistério de Buddha” é
referenciado no volume I nas páginas 52 e 118, da edição original em inglês [em
português, não aparece].
“A natureza altamente metafísica dos
ensinamentos contidos nestas secções e o facto de alguns deles delinearem certos
aspetos da Tradição Ocultista não abordados por HPB noutros escritos, incluindo
os dois volumes originais de “A Doutrina Secreta” dariam a perceber ao
estudante que existe efetivamente uma porção de texto que inicialmente estava
destinado ao Terceiro Volume deste trabalho….”
Caldwell refere que esta porção
referida por de Zirkoff estava no manuscrito de Würzburg.
Boris de Zirkoff |
Reigle, firme defensor da legitimidade
do volume III aborda a questão dos milhares de alterações feitas por Mead e
Besant:
“Isto é sem dúvida verdade, e não está
em discussão. Durante os últimos anos da vida de Blavatsky, depois da chegada
de Mead para ajudar, ela entregou-lhe todos os seus escritos para edição antes
de publicá-los. Ela não só aprovou os seus milhares de alterações durante este período,
como especificamente os solicitava” e fornece ligações para uma série de
documentos importantes.
A ligação para o prefácio do terceiro
volume em inglês de 1893 está disponível aqui, o de 1897 aqui,
para a crítica de Mead aqui.
Peter realça que Blavatsky não estava
contudo viva para validar as alterações de Mead, que na verdade, quase sempre
aprovava.
G.R.S. Mead |
Fergus alega que a confiança cega no
testemunho de Keightley merece sérias reservas, pois este esteve em grande
parte do período entre o outono de 1889 e a morte de HPB, em maio de 1891
ausente de Inglaterra (na verdade apenas lá esteve durante dois meses),
portanto poderia desconhecer exatamente o estado de coisas relativamente ao
terceiro volume.
A discussão acaba tensa com Jon Fergus a considerar que houve violação dos princípios do Theosophy Nexus devido a acusações por parte de Caldwell a Boris de Zirkoff e à Loja Unida de Teosofistas.
Continua na próxima semana.