Esta semana foi finalmente
publicada a versão final da Declaração de Naarden, redigida na sequência da Conferência Internacional de Teosofia-2014.
Para perceber o contexto
recomenda-se a leitura do post
da semana passada.
Uma bela foto da Crystal House, em Naarden (foto:abhidhamma.com) |
No site do ITC podemos ler o seguinte:
“Durante os quatros dias da Conferência, todos os presentes
trabalharam em conjunto para “A Declaração de Naarden da Conferência
Internacional de Teosofia 2014”. Recorrendo aos contributos de todos os
participantes, um número de representantes das várias tradições teosóficas
compilou uma proposta para a declaração. Na 2ª feira, 18 de agosto, o último
dia da Conferência, o resultado foi apresentado à plateia, tendo sido recebida com
muito entusiasmo e comentários construtivos.
Depois do encerramento da conferência, a proposta de
declaração foi também publicada no site
do ITC, de modo a que os participantes tivessem a oportunidade de enviar
considerações e sugestões adicionais. A direção do ITC integrou todas as
reações, mas também tentou manter o espírito da declaração tal como foi
apresentada durante a conferência, o que conduziu à versão final que abaixo se
apresenta.
Considerando que as Conferências Internacionais de Teosofia,
Ltd. são uma plataforma onde as organizações teosóficas e os teosofistas se
encontram, estimulando-se mutuamente para a divulgação da Teosofia no mundo, esta
declaração é apresentada como uma declaração conjunta, recordando-nos da cooperação fraterna durante a Conferência do ITC 2014 em Naarden. Ela expressa
a nossa visão partilhada para o futuro e resume o nosso compromisso e o modo
como gostaríamos de trabalhar em conjunto esse futuro.
A declaração não deve ser entendida como uma obrigação ou
como um dogma.
Foto de grupo do ITC 2014 |
A declaração de
Naarden
Respeitando a diversidade e liberdade das diferentes
correntes teosóficas, esforçar-nos-emos por agir como um farol de luz, para
levar ao Mundo a Teosofia, de acordo com* os
ensinamentos de H.P. Blavatsky e dos seus Mestres. De modo não dogmático e
através de cooperação harmoniosa fortaleceremos o movimento teosófico para o
benefício da humanidade.
No espírito da unidade e fraternidade, esforçar-nos-emos
nos para tornar a Teosofia uma força viva no Mundo.
Comprometemo-nos através da aprendizagem, formação
e da polinização-cruzada a popularizar e a preservar os ensinamentos vivos para
as gerações futuras.
*em harmonia com / em conformidade com / de modo
consistente com
A direção do ITC reconhece que é praticamente
impossível expor em palavras aquilo que efetivamente teve lugar durante esta
conferência histórica e bem sucedida. O nosso objetivo principal e que todos
partilhamos, é o de manter vivo o espírito do ITC 2014.”
Algumas considerações sobre a declaração
A declaração final publicada na
passada quarta-feira contém várias alterações face ao primeiro projeto. Tenta
eventualmente acomodar a opinião de alguns teosofistas da ST Adyar - com a
referência mais explícita ao “não dogmatismo” - e também de alguns associados da
LUT (Loja Unida de Teosofistas) e da organização de Point Loma, com a alusão
aos “mestres” e não apenas a H.P. Blavatsky.
Embora isto possa parecer pouco
claro a quem não está familiarizado com esta iniciativa, a verdade é que “H.P.B.
e os seus mestres”, são o (grande) ponto de contacto entre as diversas tradições. Não são Krishnamurti, De Purucker ou Crosbie (por maior que seja a
consideração que os teosofistas de Adyar, Point Loma ou da LUT têm, respetivamente, por essas
figuras proeminentes) que irão promover o congregar de esforços entre os
teosofistas das diferentes tradições.
H.P. Blavatsky |
É preciso primeiro encontrar a
base comum, de onde se iniciou o movimento teosófico moderno, para poder
construir algo valioso para o futuro e que ajude a preservar a Teosofia. Se bem
que esta nunca morrerá, a maior parte das Secções da Sociedade de Adyar têm
perdido membros (bastará ver a evolução do número de pessoas habilitadas a
votar nas eleições para a Presidência, ou então consultar as estatísticas, aqui, aqui
e aqui).
Os teosofistas da LUT também reconhecem a perda de associados e a elevada faixa etária
de grande parte dos que permanecem como seus associados. Eventualmente a ST Point Loma tem crescido
bastante nos últimos anos, mas basicamente está confinada à Holanda, tendo
representação na Alemanha.
Outro ponto importante é o de
que ninguém fica proibido de estudar seja o que for. Entenda-se que o ITC é
apenas uma plataforma que definiu com esta declaração, diretrizes para trabalho
conjunto por parte das organizações teosóficas e dos teosofistas que nelas
estão filiados, bem como daqueles que não estão ligados a nenhuma das organizações.
Facilmente se entende que as
alusões a figuras que estão associadas apenas a uma das tradições gerariam
profunda desarmonia na plataforma.
A referência à “polinização-cruzada”
tem a ver basicamente com o aproveitamento de sinergias. Cada uma das
organizações tem os seus pontos fortes e como ficou evidente em Naarden (e com
certeza noutras conferências anteriores) é fundamental a partilha deste
know-how e das experiências de cada uma das organizações. Isso poderá se fazer
através do convite para palestras de um teosofista de outra organização que seja
especialista num determinado tema. Mas
este é apenas um exemplo, muitas outras formas existirão de fazer essa
polinização-cruzada.
A palavra “formação” também me
levantou certas dúvidas, mas ao que percebi a referência tem a ver com a
necessidade de potenciar certas faculdades que facilitarão a disseminação da
Teosofia, por exemplo no domínio da comunicação, gestão de grupos, liderança,
etc…
Algumas fotos do complexo do ITC, em Naarden |
O resto da declaração não gera
dúvidas, nem merece comentários de maior. Eventualmente alguns prefeririam
outra redação, ou a substituição de uma ou outra palavra, mas é impossível
agradar a todos, nomeadamente nestas circunstâncias, ou seja, com um passado de
mais de 120 anos de várias desavenças dentro do movimento teosófico (isto se
contabilizarmos o período pós-Blavatsky, embora nos primeiros 16 anos da
Sociedade haja já registo de muitos episódios de conflitos).
Críticas à declaração
No dia seguinte ao da declaração
ter sido publicada, Erica Georgiades, deixou no seu blog algumas críticas
contundentes.
A teosofista que reside na
Grécia, mas que é de origem brasileira, critica dois pontos na declaração; por
um lado o facto de exortar “a levar ao Mundo a Teosofia”, o que dá, na opinião
da Erica, um tom messiânico, desfasado dos tempos atuais, e por outro lado, a
referência explícita a “H.P. Blavatsky e aos Mestres” que ela considera
divisiva.
Erica Georgiades |
Apesar das réplicas já dadas por
Jacques Mahnich (um dos oradores da conferência deste ano) e por Nicholas Weeks
(mais contundente), Erica Georgiades não alterou a sua perspetiva.
Se em relação à segunda crítica,
já acima expliquei o contexto da referência a “H.P. Blavatsky e (…) aos seus
mestres”, em relação à primeira, é de referir que é absolutamente natural que os teosofistas
queiram partilhar a Teosofia com mais pessoas. Obviamente que o modo como isso
é levado a cabo, faz toda a diferença.
Nicholas Weeks (à direita) com Dara Eklund, sua esposa, que trabalhou durante vários anos com Boris de Zirkoff |
Encontramos teosofistas que fazem estudos
comparativos, meticulosos e não dogmáticos e outros que apresentam a Teosofia
como se de uma religião exotérica se tratasse, com escrituras e figuras divinas
para adorar. Mas, esta postura não poderia estar mais distante do espírito de Naarden.
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