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domingo, 19 de agosto de 2012

O caso Judge (1ª parte)


Desde a sua criação em 1875, a vida da Sociedade Teosófica (ST) tem sido marcada por alguns episódios turbulentos. O caso Coulomb foi um desses momentos marcantes, pois acabou por estar na origem do famigerado relatório Hodgson (1885), que denunciaria Helena Blavatsky como uma fraude. Levou 100 anos até que a verdade fosse reposta, tendo as conclusões desse relatório do investigador da Sociedade de Pesquisa Psíquica de Londres sido invalidadas.

O momento de controvérsia que se sucedeu trouxe repercussões de cariz permanente, e é conhecido pelo caso Judge.

Recentemente foi disponibilizada na internet uma comunicação de Brett Forray, intitulada "Thorns and Roses: Approaching Difficult Theosophical History” [Espinhos e Rosas: Abordando a Díficil História da Teosofia], que aborda a polémica em torno deste  caso.


Forray descreve este episódio que decorre entre 1891 (após o falecimento de Helena Blavatsky) e 1896 (ano em que William Quan Judge morre) como uma Guerra Civil dentro da Sociedade Teosófica.

Helena Blavatsky (HPB) morre a 8 de Maio de 1891 em Londres, sem deixar claro quem lhe sucederia. Claro que Olcott, o seu parceiro mais próximo desde a fundação da ST em 1875, continuaria a assegurar a parte organizativa e burocrática, mas seria necessário alguém para substituir HPB como “alma” da Sociedade Teosófica. Assim, acordou-se que a liderança da Secção Esotérica passaria a ser bicéfala com Judge e Besant no mesmo patamar.

Helena Blavatsky


Depois já de alguns episódios de tensão, em Fevereiro de 1894 Judge é acusado por Besant (após sugestão de Olcott) de forjar cartas dos Mestres. Estes Mestres, são os patronos e inspiradores da fundação da ST e não mais do que seres humanos mais avançados que têm certas capacidades desenvolvidas. Uma delas permitia a precipitação de cartas, em resposta a questões colocadas ou então a dar instruções para determinados procedimentos. Embora isto pareça algo fantasioso, existe um sem número de provas da sua existência, especialmente no período em que se corresponderam com Alfred Percy Sinnett (entre 1881 e 1885). Caso isto fosse uma fraude, poder-se-ia dizer que Helena Blavatsky era alguém com sérias perturbações psiquiátricas, pois na sua correspondência pessoal, por exemplo com o próprio Sinnett, refere-se várias vezes aos Mahatmas. Mas esta questão dos Mahatmas é muito extensa e teria de ser tema de um outro post (até pela necessidade de distingui-los das fantasias dos Mestres Ascensos e das canalizações, uma verdadeira praga que começou já quando Blavatsky era viva…).

Henry Steel Olcott


Segundo a acusação (Besant), o Comité Judicial da ST deveria apreciar a queixa contra Judge, ao que este redarguiu que segundo os estatutos isso não poderia suceder. O Comité Judicial concordou com Judge, ficando assente que numa Convenção que teria lugar em breve na Europa, ele deveria dar explicações sobre o assunto e se chegar a um entendimento.

Uma das pessoas que não ficou satisfeita com este desfecho foi Walter G. Old, chamado de “vagabundo astral” por HPB devido às suas saídas nocturnas frequentes para aquele plano, e que mais tarde se viria a tornar famoso pelos seus livros de astrologia, adoptando o pseudónimo Sepharial.  Old, que estava do lado de Besant e Olcott estimularia a publicação de artigos anti-Judge na imprensa britânica usando documentação que Olcott lhe havia confiado, isto durante o Outono de 1894.

Walter G. Old "Sepharial"

Judge foi pressionado a dar satisfações, mas recusou-se, apesar de Besant ter renovado as acusações. A 3 de Novembro, publica uma circular intitulada “By Master’s Direction” [Por orientação do Mestre], onde diz que Bramânes (elementos da privilegiada casta da sociedade indiana não estrangeira) e Annie Besant estavam sobre a influência de magos negros e aponta o dedo a Chakravarti, um indiano que tinha fortíssima influência junto de Besant na altura. Isto obviamente enfureceu Besant, que desencadeia um processo para expulsão de Judge, cujos apoios estavam principalmente na América do Norte. Num congresso realizado nos EUA (1895), os teosofistas norte-americanos declaram a sua total autonomia, algo que Olcott considera ser uma secessão.

Annie Besant

Judge morre em Abril de 1896 vítima de tuberculose, sendo sucedido por Katherine Tingley. Esta passagem de testemunho foi polémica e ainda depois da morte de Tingley levava a trocas de galhardetes nas revistas e boletins teosóficos. Algumas lojas permaneceram do lado de Besant, sendo que por volta de 1900 já se tinham reorganizado formando o que hoje constitui a Theosophical Society in America (até 1934 chamava-se the American Theosophical Society), com sede em Wheaton, Illinois, desde 1927.


Segundo Brett Forray, a acusação de Besant a Judge durante a Convenção Europeia acima mencionada não foi de fraude pura, mas basicamente de difundir mensagens recebidas psiquicamente, mensagens essas enganadoras, não se sabendo ao certo quem era o recipiente das mesmas. A inglesa acusou ainda Judge de imitar a letra do Mahatma.

Na segunda parte, veremos até que ponto essas acusações fazem sentido e acrescentaremos mais dados a este conturbado caso que marcou de forma indelével e infeliz a história do movimento teosófico moderno.

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