Continuamos a exposição do caso
Judge seguindo a palestra de Brett Forray e adicionado outros elementos que
estão disponíveis na internet.
Retomemos então o fio da meada, avaliando
da validade das acusações de Besant a Judge.
William Quan Judge |
Conforme refere Forray, nos
manuscritos das várias cartas consideradas fidedignas que constam dos volumes
das Cartas dos Mestres para A.P.Sinnett há diferenças de caligrafia, isto
porque, como os próprios Mahatmas referem, muitas vezes são os chelas
(discípulos) que escrevem as cartas, recebendo telepaticamente os ditados dos
seus superiores. E podem existir interferências indesejadas (sendo exemplo o
caso Kiddle, onde numa das cartas, depois reproduzida no livro “O Mundo Oculto”
de Sinnett, há um aparente plágio de um texto de um espírita, situação que mais
tarde seria devidamente explicada pelo Mahatma KH). O argumento de Besant não
era pois avassalador.
Na sua exposição, Forray
prossegue analisando a obscura relação entre W.Q. Judge e Katherine Tingley.
Praticamente desconhecida no meio teosófico norte-americano, seria ela a
sucessora de Judge, tendo eles mantido uma relação intensa mas secreta. Sabe-se
que Tingley era uma conhecida médium e que alegava receber mensagens dos
Mahatmas e até da falecida HPB.
Alice Leighton Cleather, uma ex-aluna de HPB
que se lhe manteve sempre fiel, diz que foi Tingley quem esteve por trás do
texto “By Master’s Direction” que haveria de espoletar a cisão da ST. Depois de
Tingley tomar o poder, nova turbulência se instalou com a saída intervalada de
membros que haveriam de dar origem a outras organizações, mais ou menos
duradouras. Duas delas ainda hoje existem, uma das quais preponderante: a Loja Unida de Teosofistas fundada por Robert Crosbie em 1909. A outra é a Templo do Povo.
Alice Leighton Cleather |
Se clicarem aqui, terão uma ideia
da árvore que nasceu a partir da Sociedade Teosófica original. Uma grande
confusão, não é?
Ernest Pelletier produziu um
volume monstruoso, editado pela Sociedade Teosófica de Edmonton no Canadá, com cerca
de 1 000 páginas, onde tenta provar que o procedimento de Besant e Olcott para
com Judge foi injusto. O livro intitulado “The Judge Case: A Conspiracy Which
Ruined the Theosophical Cause” [O Caso Judge: Uma Conspiração que Arruinou a
Causa Teosófica] já custou perto de 90 euros, mas recentemente a Sociedade Teosófica
de Edmonton estava a vendê-lo a preço de custo (cerca de 30 euros para a Europa
incluindo custos de correio).
Forray contudo considera que há
falta de perspectiva no livro. Katinka Hesselink (agora mais ligada ao Budismo
que à Teosofia) também se exprimiu no mesmo sentido, tal como Daniel Caldwell,
que acusa Pelletier de alinhamento ao lado de Judge, omitindo informações
importantes e especulando sem fundamento quando não existem referências seguras.
Carlos Cardoso Aveline, um dos
líderes da loja luso-brasileira da LUT - Loja Unida de Teosofistas, tem todos
os anos mobilizado um grupo de pessoas para o envio de cartas para Adyar, sede
da Sociedade Teosófica, referindo como fundamental para o movimento a
necessidade da ST Adyar anular a expulsão de Judge e reconhecer o procedimento errado
de então. As respostas da presidente Radha Burnier têm sido evasivas.
Radha Burnier, presidente da ST Adyar |
Alguns autores referem que esta
disputa entre Besant e Olcott marcou as dissensões que seguiram nas
organizações teosóficas, que em grande medida replicaram esta “guerra”.
Às vezes também me pergunto até
que ponto vale a pena investir na investigação deste assunto. Parece-me, pelos
elementos que disponho que nunca haverá evidências completamente claras de quem
estava certo. Judge parecia efectivamente o elemento mais preparado para
continuar o trabalho de HPB (conforme prova o descarrilamento da ST durante a
presidência de Besant, com a promoção de um novo salvador da humanidade, na
pele de Krishnamurti e das fantasias leadbeaterianas que conflituavam com os
ensinamentos de Blavatsky/Mahatmas), mas poderá ter tido um momento de fraqueza
e ter tentado contactar os Mahatmas através de uma médium (Tingley). Seria
estranho que assim fosse, até porque Judge escreveu textos avisando sobre o
perigo deste procedimento, mas o testemunho muito credível de Alice Cleather
deve ser levado em conta.
Katherine Tingley |
Cleather, infelizmente só é
lembrada quando os partidários de Besant querem atacar Judge e vice-versa.
Tendo sido crítica dos dois, não fez muitos amigos, mas os seus livros estão
disponíveis na Internet (ver aqui) e transparece da sua escrita uma honestidade
e uma devoção à causa teosófica extraordinárias.
Alguns sugerem que Besant usurpou
o lugar a Judge, mas se é assim, porque os Mestres dirigiram uma carta a Besant
em 1900, onde embora a critiquem pelo caminho que tinha traçado para ST, nem
mencionam o assunto?
Não tendo por isso, nenhuma
posição definitiva sobre o assunto, devo dizer que aprecio bastante a escrita
de W.Q. Judge. Ele redigiu uma das melhores introduções à Teosofia, no seu
livro publicado em 1893, intitulado “Oceano da Teosofia” e que foi traduzido
para português por Carlos Cardoso Aveline.
Muitos dos textos de Judge podem ser encontrados numa compilação em três volumes, intitulada "Echoes of the Orient", elaborada por Dara Eklund, que estão disponíveis gratuitamente aqui.
Carlos Cardoso Aveline |
Não sou grande fã da literatura
deixada por Besant (muita dela, senão toda influenciada pelo Bispo Leadbeater),
talvez com excepção de “A Sabedoria Antiga”, embora não sei até que ponto
incluirá distorções face aos ensinamentos de HPB. Na altura pareceu-me um bom
livro, mas quando o li não estava tão ciente das diferenças entre a Teosofia
original e a neo-teosofia.
A política deste blog é dar
elementos aos leitores para que investiguem e tirem as suas próprias conclusões, e neste post e sobre este assunto foram já dados elementos suficientes para
isso. Começando por esta palestra de Brett Forray, passando pelo livro de
Pelletier e críticas ao mesmo e ainda pela consulta de mais informação que pode
ser encontrada na internet (como alguns artigos publicados na revista Fohat e
no site de Daniel Caldwell) é possível se inteirar melhor deste assunto. Que
isso consumirá algum tempo é certo; que vai valer a pena, isso é que já não
posso garantir.
Depois do caso Judge, o último
episódio marcante foi a negação em 1929 por parte de Krishnamurti do seu papel
de novo Avatar, o que acabou por evidenciar o falhanço da presidência de Annie
Besant e das ideias defendidas por ela e por Charles Leadbeater. Desde esse
acontecimento, a popularidade e influência da(s) Sociedade(s) Teosófica(s) têm
decaído de ano para ano.
Krishnamurti em jovem |
Refira-se por fim que falámos
aqui só dos episódios mais relevantes, mas outros conflitos menores sucederam,
mesmo dentro da Sociedade de Pasadena, como por exemplo durante a presidência
de Arthur L. Conger, onde um grupo de teosofistas se afastou vindo a formar o
chamado grupo de Point Loma, que ainda hoje existe e que está por trás da
recente edição dos “Comentários da Doutrina Secreta”, que compila os relatos de
algumas sessões de esclarecimento dadas por Helena Blavatsky ao seu grupo
selecto de alunos sobre a sua magnum opus.