Segundo o teosofista Walter Carrithers, Jr (1924-1994), fervoroso
defensor da Velha Senhora, que escrevia sob o pseudónimo Adlai E. Waterman,
Helena Blavatsky fez três profecias de regressos, duas delas claramente para o
século XX. Uma delas é bem conhecida, as outras nem tanto. Comecemos por estas
últimas, mas assinale-se desde já, que,
segundo Carrithers, elas estão todas relacionadas.
Profecia nº1 – o regresso de HPB no século XX para retomar o
trabalho interrompido pela sua morte a 8 de Maio de 1891. O registo desta
profecia encontra-se numa carta privada dirigida por HPB ao teosofista
norte-americano e co-fundador da Sociedade Teosófica (ST), William Quan Judge. Essa
carta consta da publicação “The Irish Theosophist” (Junho 1895) e encontra-se
também numa versão de 1946 de “Letters that Have Helped Me”, de WQ Judge. As palavras de HPB levaram Judge a concluir que
ela regressaria em breve, pois Helena expressava na carta preocupação caso
Judge não aceitasse dedicar-se de corpo e alma à Causa- tal como ela e Olcott
tinham feito – ou seja, continuar o trabalho depois de eles morrerem (lembre-se
que Judge era 20 anos mais novo que Helena). Acrescentava ela na carta que, se
Judge assim não fizesse, a Teosofia poderia soçobrar, até porque Helena
renascendo num novo corpo, ficaria impossibilitada de ajudar e de dirigir o
curso da Sociedade.
Profecia nº2 – o regresso de Damodar Mavalankar. Damodar foi
o único chela com sucesso completo no período em que os mestres comunicavam
activamente não só com Sinnett e Hume, mas também com outros teosofistas. Nesse
período muitos pediram para serem chelas, ou seja, discípulos dos Mestres. Para
isso experimentavam uma série de provas, normalmente de carácter e quase todos
falharam. Com alguma renitência, até alguns ocidentais foram aceites pelos Mahatmas como
chelas leigos, mas acabaram também por não ter sucesso. Ora, Damodar a certa
altura é instigado a ir aos Himalaias para se encontrar pessoalmente com os Mestres.
Isto aconteceu em 1885. Foi e nunca mais voltou. Em 1889, também numa carta privada, HPB
escrevia sobre Damodar, considerando-o o único verdadeiro e devotado amigo que
tinha tido na Índia. Mais à frente acrescentou que um dia ele haveria de voltar
para dizer umas verdades a alguns desmancha-prazeres intrometidos. Mas não
especificou quando, nem como. E Damodar poderá até ter voltado, mas sem ser
identificado ou sobre forma sigilosa. Quem sabe?
Profecia nº3 – A mais conhecida. Em “A Chave para a Teosofia” HPB escreve: “Durante
o último quarto de cada século [os Mestres], fazem uma tentativa de ajudar o
progresso espiritual da humanidade de uma forma específica e definida. Perto do
final de cada século você perceberá que ocorreu, uma efusão e revolução
espirituais – podendo chamá-la misticismo se preferir. “ (p.261, da edição em
português). A última questão do livro fala no papel da ST neste contexto e aí
residirá a resposta ao título deste post. Responde HPB: ”Se a presente tentativa
[a ST] for melhor sucedida que as suas predecessoras, então ela estará
existindo como um corpo organizado, vivo e saudável quando chegar o momento do
esforço para o século XX. A condição geral das mentes e corações dos homens
terá sido aperfeiçoada e purificada pela difusão dos seus ensinamentos e (...)
os seus preconceitos e as suas ilusões dogmáticas terão sido removidas, pelo
menos até certo ponto. (..) além de uma
literatura extensa e acessível (...) o próximo impulso encontrará um grupo
numeroso e unido (NB: itálico no
original) de pessoas prontas para receber o novo portador da tocha da Verdade”.
Com uma agitada vida desde a sua fundação, a Sociedade
Teosófica, depois da partida de HPB, continuou em mares revoltosos que levaram
a embarcação a se partir. Besant e Judge desentendem-se num claro caso de luta
pelo poder (ainda hoje não completamente esclarecido), criando o
norte-americano uma organização independente que mais tarde iria também perder
membros para a Loja Unida dos Teosofistas, surgida em 1909 pelas mãos de Robert
Crosbie. Entretanto Besant e Leadbeater levariam a ST original por maus
caminhos, até ao desastre de 1929, com a rejeição de Krishnamurti em continuar
a desempenhar o seu papel de Avatar. A ST nunca se recompôs e não restabeleceu
devidamente o papel dos seus fundadores, preferindo relevar a figura de
Krishnamurti (que se haveria de tornar um pensador independente), mesmo quando
os seus ensinamentos pouco têm a ver com a Teosofia original. O século XX
trouxe ainda vários ataques mútuos entre teosofistas e acusações de manipulação
em eleições, com cartas forjadas dos Mestres. Nada do que HPB com certeza
esperaria. Logo as condições não estariam satisfeitas para que o último quartel
do século XX tivesse um guião semelhante ao século anterior. Tal como se diz
que se Jesus Cristo voltasse à Terra provavelmente seria rejeitado pela Igreja,
também tenho dúvidas de que a ST aceitasse a nova HPB.
Mas então nada aconteceu desde 1975 até ao final do século?
Aqui entramos no domínio da especulação e como já vi várias hipóteses, adianto
também a minha. Alguns falam que o enviado terá sido Fritjof Capra, cujos livros de Física partilham conceitos presentes na "Doutrina Secreta". Capra contudo, não é
assim tão conhecido pelo público em geral, que teria dificuldades em ler os
seus livros. Os mais conhecidos são “O Tao da Física”, “O Ponto de Mutação” e
“A Teia da Vida”. Há até quem considere Elizabeth Claire Prophet como a “mensageira do século XX”,afirmação
que nem me merece comentários. Bastará ler a opinião dos filhos sobre a própria
mãe, que mesmo depois de falecida (morreu em 2009) foi uma das vencedoras do
prémio Ig Nobel de 2011, por prever que o Mundo acabaria em 1990.
Tal como o final do séc. XVIII (com a elevação da Humanidade a se fazer com
os ideais da Revolução Francesa de 1789 – liberdade, igualdade e fraternidade -
que já haviam inspirado a Revolução Americana de 1776 e que se espalhariam no
mundo ocidental) é um “filme” diferente
do que sucederia 100 anos depois, da mesma forma é de admitir que a fórmula
encontrada para o século XX seria distinta e mais adequada aos tempos hodiernos.
Em primeiro lugar repare-se que o nível de instrução em 1975
era bem maior do que o de 1875. Em 1870, 20% dos americanos eram analfabetos e
embora não tenha procurado dados sobre isso, estou em crer que quer nos EUA,
quer na Inglaterra e França a percentagem de população com estudos mais
elevados era diminuta e normalmente só os mais abastados entravam nas
Universidades. Não é novidade para ninguém que a literatura teósofica é
exigente. Um bom intelecto não é condição suficiente, mas é sem dúvida condição
necessária. Não espanta pois que muitos
dos personagens que interagiram com HPB fossem das classes privilegiadas. O
alcance da Teosofia estaria pois limitado a um grupo restrito. Naquele tempo, a Igreja continuava a ter um peso muito grande e a lutar tenazmente contras as heresias do espiritismo e da Teosofia.
E então o que houve em 1975? Nesse ano é lançado um pequeno
livro que se tornaria muito famoso, traduzido para várias línguas e vendendo
milhões. Trata-se de “Vida depois da Vida” de Raymond Moody, Jr. (traduzido
para português pela Editora Pergaminho). Moody é um médico doutorado em
Filosofia e tornou-se investigador das experiências de quase-morte. Este livro
foi uma pedrada no charco, pois um médico ter a coragem de publicar um livro
desta natureza era algo francamente inusitado. Gerou-se muita controvérsia, surgiram críticas
duras, mas também reconhecimento de alguns pares que ocultavam o seu conhecimento
de experiências semelhantes. Moody Jr. , juntamente com Paul Perry publicou recentemente
um livro verdadeiramente extraordinário chamado “Instantes de Eternidade”, que
não deverá levar muito tempo até ter direito a um post neste blog.
Num circuito mais restrito, o académico Ian Stevenson,
psiquiatra americano da Universidade de Vírginia, lança em 1977 o seu primeiro artigo sobre o tema da reencarnação
denominado “O valor explicativo da ideia de reencarnação”.
Anos depois, o médico Brian Weiss, começa a lançar os seus populares
livros com regressões hipnóticas que sugerem a existência de vidas passadas.”Muitas
vidas, muitos mestres”, foi o primeiro, publicado em 1988.
Note-se que nestes três casos há uma forte ligação com a
Ciência, neste caso a medicina. Ciência que, de acordo, com o Mestre KH seria o
“melhor aliado da Teosofia” (Carta 11 das ML).
No campo da astrologia, o último quartel do século XX assinala
também uma revolução com a recuperação de antigas obras de astrólogos medievais, helénicos e árabes. Um grande
impulso foi dado por Olivia Barclay que adquiriu em 1980 um dos raros exemplares
de “Astrologia Cristã” de William Lilly (1602-1681) e contribuiu para a sua
re-edição. Já em 1976 Robert Zoller
estudava e traduzia Guido Bonatti e mais tarde, juntamente com Robert Hand e
Robert Schmidt, fundou o projecto Hindsight para a recuperação e tradução de
obras antigas e importantes da astrologia medieval e helénica, a partir dos
originais em grego, latim e árabe.
O reavivar das técnicas entretanto perdidas, fruto do quase desaparecimento da astrologia no século XVIII, altura em que foi banida
das universidades europeias, é algo de grande significado. Hoje cada vez mais
astrólogos estudam estas antigas técnicas e apercebem-se de que a velha Arte tinha
muitos segredos escondidos. Uma vez mais, os conhecimentos académicos e
linguísticos foram ferramenta imprescindível.
Como se vê, os últimos 25 anos do século XX não foram estéreis
no campo da espiritualidade. Mas não surgiu um “portador da tocha da Verdade”,
nem a Sociedade Teosófica teve papel importante. Ao invés, tivemos homens da
ciência falando e escrevendo do que vulgarmente se chama de “paranormal”.
Livros simples e que se venderam aos milhões em todo o mundo, popularizaram a teoria
da reencarnação e o conceito de karma. Nem as novelas brasileiras esqueceram o
tema. Hoje não há praticamente ninguém que não conheça estas palavras, mesmo
que não concorde com as ideias que lhes estão subjacentes. Ao mesmo tempo que
elas se espalham, as igrejas dogmáticas perdem influência. Cada vez mais pessoas procuram uma explicação
lógica para o sentido da vida e por isso aceitam os conceitos de reencarnação e
karma.
O início do século XX trouxe a desvirtuação dos ensinamentos
de HPB e dos Mestres, deturpação essa que já se tinha iniciado após o
falecimento de HPB.
Cem anos depois e
após alguns livros interessantes publicados entre 1975 e 2000, as estantes das livrarias, na área dedicada ao esoterismo, são um verdadeiro deserto, mas não por falta de livros. As grandes obras, mesmo da Teosofia estão
ausentes (comprei dois volumes Isis sem
Véu, numa grande superfície há 8 anos atrás, agora não se encontra nada sobre
Teosofia), de astrologia só se vendem obras superficiais e abundam sucedâneos
do best-seller “O Segredo” que incentivam apenas ao materialismo disfarçado de espiritualidade.
Ninguém saberá ao certo se foi realmente o desastre da ST
que levou ao não cumprimento do que HPB escreveu em “A Chave para a Teosofia”. Nas
próprias Cartas dos Mahatmas, temos o exemplo do karma a funcionar, como no
caso do “Phoenix”, o tal jornal que o KH queria incentivar e que nunca viu a
luz do dia.
Noutro artigo escrito por Carrithers encontramos uma referência a uma comunicação de outro teosofista, T. H. Redfern, datada de 1961, que considerava já naquela altura pouco plausível que a ST acolhesse um novo "mensageiro" dos Mahatmas em 1975.
Noutro artigo escrito por Carrithers encontramos uma referência a uma comunicação de outro teosofista, T. H. Redfern, datada de 1961, que considerava já naquela altura pouco plausível que a ST acolhesse um novo "mensageiro" dos Mahatmas em 1975.
PS-Um texto que também aborda de forma bastante interessante a profecia mais famosa de Blavatsky pertence a Carlos Cardoso Aveline, tendo sido publicado originalmente na extinta revista canadiana Fohat.
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