O objectivo primeiro do Lua em Escorpião é dar uma
direcção àqueles que se interrogam sobre os mistérios do Homem e do Universo. O
autor que assina este post considera que a Teosofia original é a representação
mais fiel das Verdades Eternas e que a sua promulgação constitui um dever que
tentarei cumprir da melhor maneira durante esta encarnação. É também verdade que
o melhor modo de divulgar a Teosofia é relacionar os seus postulados com a
ciência moderna e com o mundo que nos rodeia. Daí a minha grande admiração
pelo blog Theosophy Watch, de Odin Townley e pelo site Exploring Theosophy,
de David Pratt, que são a melhor continuação do trabalho de Helena Blavatsky,
que sempre fundamentava o que escrevia aproveitando-se das novidades
científicas da sua época. Outros teosofistas dedicam-se à explanação do
ensinamento da Filosofia Perene sem esta vertente, e o seu trabalho é também
meritório. São exemplos Philaletheians, de Chris Bartzokas e FilosofiaEsotérica, coordenado por Carlos Cardoso Aveline.
Estes e outros sites estão listados no blogroll do Lua
em Escorpião. E onde entra Alice Bailey nesta história toda? Para começar e
para aqueles que possam não conhecer esta personagem, podemos começar por dizer
que a Srª Bailey era membro da Sociedade Teosófica (ST), mas que por
dificuldades de afirmação e de compreensão por parte de outros teosofistas
acabou por sair e criar o seu próprio caminho, que se materializou numa extensa
obra e numa escola, a Escola Arcana. Bailey assegurava que estava em contacto
com os Mestres dos Himalaias, principalmente com um deles que se autodenominava
"Tibetano", já conhecido da literatura teosófica original, pelas
iniciais DK. Bailey escreveu os seus muitos livros desde 1922 e até a sua morte
em 1949, sob a suposta inspiração deste Mestre. Obviamente que o facto de dizer
que comunicava com Mestres não lhe granjeou muitas simpatias na ST. Aí tinha a
competição da dupla Besant-Leadbeater, na altura em grande efervescência,
aguardando a vinda do novo "Avatar", para a qual tinham treinado o
jovem Krishnamurti. Esta é outra história muito curiosa que ficará para um
futuro post.
E então qual é o problema com Alice Bailey? Mesmo hoje
em dia, Bailey tem muitos seguidores, inclusive em Portugal conheço grupos que
se reúnem para discutir o conteúdo dos seus livros. Porventura até Bailey é mais conhecida do que Blavatsky. Mas será aquela uma
continuadora do trabalho iniciado em 1875? Aqui é que já não há consenso. No
fim dos anos 20 do século passado, uma discípula de HPB, que pertenceu ao grupo
restrito de alunos que a Velha Senhora constituiu perto do final da sua vida,
escreveu um pequeno livreto contestando a ligação entre os ensinamentos
de HPB e de Bailey, criticando fortemente as obras desta. Essa discípula era
Alice Leighton Cleather e o livreto foi escrito em conjunto com Basil Crump.
Alice publicou várias obras, mas como nunca concordou nem com o que aconteceu à
ST original nem com nenhuma das organizações principais que se formaram a
partir daquela, está hoje um pouco esquecida. Infelizmente só a citam
quando querem atacar alguém, pois realmente os seus argumentos contra são
bastante contundentes. A sua escrita é clara e recomendo os seus livros
vivamente, sendo que a maior parte deles pode ser encontrado gratuitamente na
web, na sua língua original, o inglês.
Mais tarde, Victor Endersby, outro teosofista, pegou
no texto de Cleather e de Crump e expandiu-o, acrescentando comentários
bastante depreciativos e quase jocosos dirigidos a algumas das frases dos
livros de Bailey.
E as críticas mais fortes dirigem-se a quê? Em
primeiro lugar à história do "Reaparecimento do Cristo", um decalque
da fantasia leadbeateriana da descida à Terra de um novo instrutor da
humanidade. Nada disto tem raízes em Helena Blavatsky que nunca afirmou tal
coisa. A única coisa que HPB transmitiu é que o aparecimento do próximo Buda
está ainda muito longe. Outro problema é a reinterpretação de algumas
expressões como "Logos", as referências a "Deus" e ao
"Mestre Jesus". Tudo em contradição com as referências contidas nas
próprias Cartas dos Mahatmas recebidas por A.P. Sinnett. Os ensinamentos sobre
conduta sexual são também muito distintos dos que se encontram nos escritos de
HPB sobre Ocultismo Prático.
Em termos genéricos, estes autores consideram que
Bailey poderá ter agido consciente ou inconscientemente sob a direcção de
forças que queriam minar o trabalho dos primeiros teosofistas, e dada a extensa
ligação com o imaginário próximo do Cristianismo, há a sugestão de que houve
influência dos Irmãos da Sombra neste trabalho, cuja mão chega até ao próprio
Vaticano (nas próprias palavras dos Mestres). Essa é a hipótese mais negativa.
Outros referem que poderá simplesmente se tratar de um caso de projecção de
pensamento criativo, mas a verdade é que certas passagens são tão rebuscadas
que estão para lá das capacidades intelectuais de Bailey, pelo que certamente
ela teria certas capacidades mediúnicas.
Já diz o ditado que nem tudo o que reluz é ouro e no
campo da espiritualidade esta frase é muito importante. Comecei a minha
caminhada com um curso de reiki. Hoje não é área que recomende e o próprio
facilitador do curso é uma pessoa que, com os conhecimentos que hoje tenho,
poderia catalogar como alguém da Senda da Mão Esquerda. Obviamente isto é uma excepção, mas o reiki para a maior parte das pessoas desvia as atenções do foco da ética para o Eu Inferior. Depois estudei
espiritismo, onde tive os primeiros contactos mais abrangentes com conceitos
como o karma e a reencarnação e também do processo pós-morte. Pouco tempo
depois, conheci a Teosofia. Comprei os livros de HPB, mas a verdade é que sendo
de difícil leitura, há sempre aquela tentação de que “existe alguma coisa mais
simples, e que respeita a ideia original”. Foi assim que cheguei aos livros de
Annie Besant, Charles Webster Leadbeater e de Alice Bailey. Desconfiado com algumas
afirmações do antigo clérigo presbiteriano, descobri a biografia escrita por
Gregory Tillett. Juntando alguns textos que estão no site Filosofia Esotérica (como este) e
sabendo um pouco mais sobre a história da Sociedade Teosófica, retornei a um
porto que nunca quis abandonar, a obra de HPB, cujo primeiro encontro deixou em
mim uma sensação avassaladora de reencontro com algo que há muito procurava.
Não se pode pois dizer que na espiritualidade tudo é
igual e universal. Não é. E isso é um risco que muitos correm e um engano em
que muitos caem. É preciso ter poder discriminatório. Não se deixar enganar
pelos sentimentalismos próprios do Eu Inferior. As armadilhas no progresso
espiritual são muitas e estão em todo o lado. Porque é assim que tem de ser, é
o único modo de avançarmos.
Isso não implica nos fecharmos numa sala apenas com os livros "eleitos". Todos os anos saem obras interessantes que permitem desenvolver novos enfoques sobre os
ensinamentos teosóficos. Livros sobre reencarnação, experiência de quase-morte
e outros fenómenos. Ou mesmo obras sobre física, astronomia.
Não podemos estar no campo da espiritualidade como
adeptos de um clube, como se de futebol se tratasse. Há que saber analisar,
reflectir e ir fazendo evoluir a nossa construção mental de como funciona o
Universo. Há muita coisa para aprender e há muito conhecimento para transformar
em Sabedoria através da nossa vida do dia-a-dia.
Por isso, apenas peço aos que são admiradores de Alice
Bailey, que vejam este post e as críticas à sua obra como hipótese de trabalho
e que façam a sua própria avaliação. Pelo menos um ponto a favor os seguidores
de Bailey têm. O ideal de fraternidade humana que construíram e que em
grande medida praticam é de relevar e se calhar supera o que a própria
Sociedade Teosófica conseguiu, não obstante ser esse o primeiro objectivo dos
três principais que orientam a ST.
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