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sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Alice Bailey e a Teosofia original


O objectivo primeiro do Lua em Escorpião é dar uma direcção àqueles que se interrogam sobre os mistérios do Homem e do Universo. O autor que assina este post considera que a Teosofia original é a representação mais fiel das Verdades Eternas e que a sua promulgação constitui um dever que tentarei cumprir da melhor maneira durante esta encarnação. É também verdade que o melhor modo de divulgar a Teosofia é relacionar os seus postulados com a ciência moderna e com o mundo que nos rodeia. Daí a minha grande admiração pelo blog Theosophy Watch, de Odin Townley e pelo site Exploring Theosophy, de David Pratt, que são a melhor continuação do trabalho de Helena Blavatsky, que sempre fundamentava o que escrevia aproveitando-se das novidades científicas da sua época. Outros teosofistas dedicam-se à explanação do ensinamento da Filosofia Perene sem esta vertente, e o seu trabalho é também meritório. São exemplos Philaletheians, de Chris Bartzokas e FilosofiaEsotérica, coordenado por Carlos Cardoso Aveline.
Estes e outros sites estão listados no blogroll do Lua em Escorpião. E onde entra Alice Bailey nesta história toda? Para começar e para aqueles que possam não conhecer esta personagem, podemos começar por dizer que a Srª Bailey era membro da Sociedade Teosófica (ST), mas que por dificuldades de afirmação e de compreensão por parte de outros teosofistas acabou por sair e criar o seu próprio caminho, que se materializou numa extensa obra e numa escola, a Escola Arcana. Bailey assegurava que estava em contacto com os Mestres dos Himalaias, principalmente com um deles que se autodenominava "Tibetano", já conhecido da literatura teosófica original, pelas iniciais DK. Bailey escreveu os seus muitos livros desde 1922 e até a sua morte em 1949, sob a suposta inspiração deste Mestre. Obviamente que o facto de dizer que comunicava com Mestres não lhe granjeou muitas simpatias na ST. Aí tinha a competição da dupla Besant-Leadbeater, na altura em grande efervescência, aguardando a vinda do novo "Avatar", para a qual tinham treinado o jovem Krishnamurti. Esta é outra história muito curiosa que ficará para um futuro post.
E então qual é o problema com Alice Bailey? Mesmo hoje em dia, Bailey tem muitos seguidores, inclusive em Portugal conheço grupos que se reúnem para discutir o conteúdo dos seus livros. Porventura até Bailey é mais conhecida do que  Blavatsky. Mas será aquela uma continuadora do trabalho iniciado em 1875? Aqui é que já não há consenso. No fim dos anos 20 do século passado, uma discípula de HPB, que pertenceu ao grupo restrito de alunos que a Velha Senhora constituiu perto do final da sua vida, escreveu um pequeno livreto contestando a ligação entre os ensinamentos de HPB e de Bailey, criticando fortemente as obras desta. Essa discípula era Alice Leighton Cleather e o livreto foi escrito em conjunto com Basil Crump. Alice publicou várias obras, mas como nunca concordou nem com o que aconteceu à ST original nem com nenhuma das organizações principais que se formaram a partir daquela, está hoje um pouco esquecida. Infelizmente só a citam quando querem atacar alguém, pois realmente os seus argumentos contra são bastante contundentes. A sua escrita é clara e recomendo os seus livros vivamente, sendo que a maior parte deles pode ser encontrado gratuitamente na web, na sua língua original, o inglês.
Mais tarde, Victor Endersby, outro teosofista, pegou no texto de Cleather e de Crump e expandiu-o, acrescentando comentários bastante depreciativos e quase jocosos dirigidos a algumas das frases dos livros de Bailey.
E as críticas mais fortes dirigem-se a quê? Em primeiro lugar à história do "Reaparecimento do Cristo", um decalque da fantasia leadbeateriana da descida à Terra de um novo instrutor da humanidade. Nada disto tem raízes em Helena Blavatsky que nunca afirmou tal coisa. A única coisa que HPB transmitiu é que o aparecimento do próximo Buda está ainda muito longe. Outro problema é a reinterpretação de algumas expressões como "Logos", as referências a "Deus" e ao "Mestre Jesus". Tudo em contradição com as referências contidas nas próprias Cartas dos Mahatmas recebidas por A.P. Sinnett. Os ensinamentos sobre conduta sexual são também muito distintos dos que se encontram nos escritos de HPB sobre Ocultismo Prático.
Em termos genéricos, estes autores consideram que Bailey poderá ter agido consciente ou inconscientemente sob a direcção de forças que queriam minar o trabalho dos primeiros teosofistas, e dada a extensa ligação com o imaginário próximo do Cristianismo, há a sugestão de que houve influência dos Irmãos da Sombra neste trabalho, cuja mão chega até ao próprio Vaticano (nas próprias palavras dos Mestres). Essa é a hipótese mais negativa. Outros referem que poderá simplesmente se tratar de um caso de projecção de pensamento criativo, mas a verdade é que certas passagens são tão rebuscadas que estão para lá das capacidades intelectuais de Bailey, pelo que certamente ela teria certas capacidades mediúnicas.
Já diz o ditado que nem tudo o que reluz é ouro e no campo da espiritualidade esta frase é muito importante. Comecei a minha caminhada com um curso de reiki. Hoje não é área que recomende e o próprio facilitador do curso é uma pessoa que, com os conhecimentos que hoje tenho, poderia catalogar como alguém da Senda da Mão Esquerda. Obviamente isto é uma excepção, mas o reiki para a maior parte das pessoas desvia as atenções do foco da ética para o Eu Inferior. Depois estudei espiritismo, onde tive os primeiros contactos mais abrangentes com conceitos como o karma e a reencarnação e também do processo pós-morte. Pouco tempo depois, conheci a Teosofia. Comprei os livros de HPB, mas a verdade é que sendo de difícil leitura, há sempre aquela tentação de que “existe alguma coisa mais simples, e que respeita a ideia original”. Foi assim que cheguei aos livros de Annie Besant, Charles Webster Leadbeater e de Alice Bailey. Desconfiado com algumas afirmações do antigo clérigo presbiteriano, descobri a biografia escrita por Gregory Tillett. Juntando alguns textos que estão no site Filosofia Esotérica (como este) e sabendo um pouco mais sobre a história da Sociedade Teosófica, retornei a um porto que nunca quis abandonar, a obra de HPB, cujo primeiro encontro deixou em mim uma sensação avassaladora de reencontro com algo que há muito procurava.
Não se pode pois dizer que na espiritualidade tudo é igual e universal. Não é. E isso é um risco que muitos correm e um engano em que muitos caem. É preciso ter poder discriminatório. Não se deixar enganar pelos sentimentalismos próprios do Eu Inferior. As armadilhas no progresso espiritual são muitas e estão em todo o lado. Porque é assim que tem de ser, é o único modo de avançarmos.
Isso não implica nos fecharmos numa sala apenas com os livros "eleitos". Todos os anos saem obras interessantes que permitem desenvolver novos enfoques sobre os ensinamentos teosóficos. Livros sobre reencarnação, experiência de quase-morte e outros fenómenos. Ou mesmo obras sobre física, astronomia.
Não podemos estar no campo da espiritualidade como adeptos de um clube, como se de futebol se tratasse. Há que saber analisar, reflectir e ir fazendo evoluir a nossa construção mental de como funciona o Universo. Há muita coisa para aprender e há muito conhecimento para transformar em Sabedoria através da nossa vida do dia-a-dia.
Por isso, apenas peço aos que são admiradores de Alice Bailey, que vejam este post e as críticas à sua obra como hipótese de trabalho e que façam a sua própria avaliação. Pelo menos um ponto a favor os seguidores de Bailey têm. O ideal de fraternidade humana que construíram e que em grande medida praticam é de relevar e se calhar supera o que a própria Sociedade Teosófica conseguiu, não obstante ser esse o primeiro objectivo dos três principais que orientam a ST.

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