Na semana passada, foi publicada a 1ª parte deste artigo escrito pelo teosofista inglês Adam Warcup, no qual é abordada a temática das Experiências de Quase Morte e a sua explicação à luz da Teosofia.
É fundamental ler essa 1ª parte antes de prosseguir.
Uma vez mais se agradece à Secção da Nova Zelândia da Sociedade Teosófica a autorização para a tradução deste artigo.
Uma vez mais se agradece à Secção da Nova Zelândia da Sociedade Teosófica a autorização para a tradução deste artigo.
Estamos conscientes depois da morte? (2ª parte)
por Adam Warcup
Foto de Adam Warcup,muito provavelmente do final dos anos 70/ início dos anos 80 |
De certa forma, temos a sorte de Sinnett se ter interessado
pelo Espiritualismo. As suas experiências nas sessões espíritas levaram-no a
acreditar que podemos sobreviver à morte e comunicar com os vivos através de
médiuns. Este cenário implicaria, obviamente, que retivéssemos a consciência
depois da morte. Apesar dos Mahatmas lhe terem dito que são as “cascas” dos
kama rupas que podem comunicar através dos médiuns, ele não conseguia
aceitá-lo. Estava constantemente à procura de uma brecha, um mecanismo que
permitisse que alguns dos “espíritos” fossem a verdadeira ex-personalidade. Os
Mahatmas firme e consistentemente negaram tal possibilidade. Porquê?
Este assunto gravita em torno da ideia de que o homem
alterna entre dois estados de ser. Durante a vida ele vive num mundo de Causas;
entre vidas ele vive num mundo de Efeitos. O significado destes dois termos
parece ser o seguinte: um mundo de Causas é aquele em que podemos agir com
livre arbítrio; podemos colocar em movimento novas cadeias de causa e efeito.
Embora restringidos pelo karma passado, somos livres de escolher. Ao invés, num
mundo de Efeitos, não somos livres, mas vivemos num sonho por nós fabricado.
Nesse mundo não podemos dar início a novas causas, mas viver as consequências
de causas postas previamente em movimento.
Há um paralelo óbvio entre a morte e o sono. Durante a vida,
alternamos entre a vigília e o sono. Numa perspetiva micro, estar acordado
corresponde à esfera das Causas e dormir à esfera dos Efeitos. Nesta analogia,
um sonho corresponderia ao estado devachânico. Embora estejamos conscientes nos
nossos sonhos, normalmente não passamos diretamente de uma consciência desperta
para um sonho. Existe um intervalo durante o qual não estamos de todo
conscientes.
Este é o livro mais conhecido de Warcup e que está esgotado. Pode aceder a uma versão em pdf clicando aqui. |
Basta pensar um pouco para perceber a lógica por trás deste
ciclo de alternâncias. Se fosse para vivermos permanentemente num mundo de
Causas, nunca teríamos tempo suficiente para aprender e crescer. Estaríamos tão
ocupados “a fazer” que nunca teríamos a hipótese de digerir os frutos das
nossas ações. Investigações recentes sobre o cérebro mostraram que precisamos
do sono, e especialmente do sono com sonhos, para funcionarmos eficientemente
no dia seguinte. Da mesma forma é na morte. Precisamos do nosso tempo no
Devachan, não apenas como uma recompensa, mas como um período de digestão e
assimilação. Assim os estados pós-morte, em termos da consciência, devem ser
subjetivos e parecem-nos de certo modo como sonhos, quando comparados com a
nossa consciência desperta, normal e objetiva.
Não podemos esperar que seres num tal estado consigam
comunicar com os vivos. Mas mesmo que assim seja, porque perdemos toda a
consciência imediatamente depois da morte?
Outra ideia fundamental é a de que toda a gente tem uma
quantidade de “energia vital” alocada. Não é tanto no sentido em que temos um
número predeterminado de anos para viver; mas como se tivéssemos combustível num
depósito que quando consumido, significa que essa incarnação está acabada. Existem,
como é óbvio, exceções. Aqueles que morrem por acidente ou suicídio ainda não
gastaram toda a sua força vital e devem viver o resto do período alocado no
mundo astral, antes de passar pelos processos de pós-morte normais. Tais seres
ainda estão na esfera das Causas. Embora lhes falte um corpo físico, ainda
retêm o seu linga sharira (corpo astral). Alguns retêm a consciência, embora a
maioria passe o tempo remanescente num sono sem sonhos.
Mas para aqueles que seguem o curso normal desde a gestação passando pelo nascimento, infância, adolescência, maturidade, senescência e morte, é difícil esperar que se empreenda uma nova etapa de vida imediatamente depois da morte. De facto, é-nos dito que os acontecimentos no mundo dos Efeitos seguem uma sequência análoga. Da inconsciência que se segue à morte, entramos num estado gestacional, que precede o nascimento e o despertar no estado devachânico. Neste último, vivemos através das nossas experiências de vida prévias, envelhecendo gradualmente à medida que o material da encarnação anterior se exaure, “morrendo” de novo para esse mundo. A inconsciência uma vez mais sobrevém, até que nascemos num novo corpo físico e se retoma uma existência consciente.
Quando o corpo físico morre, o corpo astral “morre” também.
Portanto as formas que sustentaram a consciência desperta desintegraram-se.
Isto explica a observação do mahatma sobre a consciência deixar o corpo como
uma chama deixa um pavio. Leva tempo para um novo centro de consciência se
formar e para o Ego devachânico despertar para um novo mundo.
Imagem: renegadetribune.com |
Mas alguns podem perguntar: se podemos experienciar outros
mundos estando vivos, porque não depois da morte? A resposta reside num
entendimento dos mecanismos que permitem estes outros estados de consciência
durante a vida. Algumas experiências do género estão relacionadas com o linga
sharira (corpo astral), mas como este corpo não se pode deslocar para longe do
corpo físico, isto explica poucos casos. A maioria deriva do mayavi rupa (corpo
de sonho) que é formado, temporariamente, pelo pensamento e pela vontade, a
partir dos elementos do mundo psíquico. Poucas pessoas podem formar ou projetar
tal “corpo” conscientemente, mas alguém que tenha experienciado um sonho vívido
que não se desvaneceu pouco depois de despertar, formou um mayavi rupa
inconscientemente. Contudo, tê-lo feito com ou sem conhecimento, requere um ato
de vontade e isto apenas pode ser realizado enquanto na esfera de Causas.
Depois da morte, somos conduzidos ao longo de uma corrente de acontecimentos
que nós próprios pusemos em movimento. Somos, nessa ocasião, incapazes de
modificar o seu curso.
O facto crucial sobre uma Experiência de Quase Morte é o de que
o indivíduo em causa não morreu. Embora tenha estado próximo disso e
independentemente de quão milagrosa foi a recuperação, o facto de o indivíduo
continuar a viver demonstra que a força vital não estava exaurida. Não era
altura de morrer. Assim, as experiências ocorridas são em vida, embora não
sejam menos extraordinárias por essa razão. Podemos inferir que o sujeito
projetou um mayavi rupa, e nesse estado, passou por uma Experiência de Quase
Morte. Existe uma questão adicional para ser respondida com respeito ao que
existe de comum nas experiências, mas isso está para lá do âmbito deste artigo.
The Theosophical Journal Set/Out 1988
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