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sábado, 11 de junho de 2016

A controvérsia sobre o quinto e sexto volumes de "A Doutrina Secreta" (1ª parte)


Outubro de 1888. Era lançado em Londres o primeiro volume de “A Doutrina Secreta”. Dois meses depois sairia o segundo volume. Escrita por Helena Petrovna Blavatsky, “A Doutrina Secreta” tornar-se-ia uma obra incontornável da chamada literatura esotérica. Traduzida em várias línguas, continua a ser alvo de intenso estudo por estudantes de Teosofia (e não só) em todo o mundo, que tentam encontrar respostas para as muitas perguntas sobre a origem do Cosmos e da Humanidade. Uma obra desta envergadura, não poderia, como é óbvio, estar livre de controvérsias. Não vamos falar das acusações de plágio que foram feitas a Blavatsky há mais de 120 anos. Este artigo destina-se sobretudo a explanar os argumentos a favor e contra em relação à legitimidade do quinto e sexto volumes da edição em língua portuguesa, editada pela Pensamento.




Nas discussões que têm lugar entre os falantes de língua inglesa, discute-se o “terceiro volume” (e não o quinto e o sexto), porque aos dois volumes publicados durante a vida de Blavatsky, Annie Besant (a sua sucessora na Sociedade Teosófica, num processo também ele controverso) e G.R.S. Mead (o antigo secretário particular de Blavatsky) somaram-lhe um terceiro, em 1897.

Foi a partir da chamada “versão de Adyar” publicada em 1938 (também esta com seis volumes), que a versão existente em língua portuguesa nasceu. A edição da Pensamento tem 6 volumes, correspondendo os dois primeiros ao volume I original em inglês, o terceiro e o quarto ao volume II e os dois últimos ao tal volume III publicado depois do falecimento da Velha Senhora. Sem ter isto presente, a leitura do artigo resultará numa manifesta confusão.





O VOLUME "MALDITO"

A Loja Unida de Teosofistas (LUT), uma das organizações que é uma das diversas ramificações que nasceram da sociedade matriz, fundada por Blavatsky, Olcott e Judge (e outros menos conhecidos) em 1875, em Nova Iorque, disponibiliza em na internet e publica em livro, a versão fac-simile de “A Doutrina Secreta”.

No prefácio da Theosophy Company, a editora associada à LUT (para aqueles pouco familiarizados com a história do movimento teosófico e as diversas organizações teosóficas aproveito para sugerir a leitura de “A Teosofia e as Sociedades Teosóficas”, que o Lua em Escorpião publicou há cerca de dois anos) podemos ler o seguinte:

“Além da versão original de 1888 – a única autorizada pela Senhora Blavatsky – várias outras edições deste trabalho surgiram. Uma delas, a chamada “Terceira Edição Revista” de 1893, é vítima de vários milhares de alterações, algumas delas triviais, outras verdadeiras mutilações do texto original. Incluída em impressões posteriores desta chamada “Edição Revista” está o espúrio “Terceiro volume” de A DOUTRINA SECRETA, lançado em 1897, seis anos após a morte de H.P. Blavatsky. Compilado a partir de uma miscelânea de papéis encontrados nos seus pertences, este volume não faz parte de A DOUTRINA SECRETA original escrita por H.P.B..


Helena Blavatsky (1831-1891)


A “Terceira Edição Revista” foi seguida por outra de 1938, desta vez em 6 volumes, chamada a “Edição de Adyar”. Além dos índices remissivos, um retrato biográfico da autora, várias alterações tipográficas e a inclusão de material para tentar justificar a publicação do espúrio “terceiro volume”, esta edição de Adyar é substancialmente idêntica à anterior versão “revista”.

Além dessa, outra edição de A DOUTRINA SECRETA foi lançada. Para além de “correções” sem fundamento do Sânscrito usado pela autora e a inclusão de material sectário irrelevante, esta edição é praticamente uma reprodução fiel do texto original. A sua exata autenticidade, contudo, não pode ser determinada sem uma laboriosa comparação com o original [NT: esta é uma referência à edição de Boris de Zirkoff].

A DOUTRINA SECRETA genuína tem apenas dois volumes. Embora originalmente A DOUTRINA SECRETA fosse constituída por quatro volumes, apenas dois foram entregues à tipografia por H.P.B.. Os dois volumes remanescentes, embora completos, ou quase completos, foram retidos por motivos claramente indicados no final do segundo volume da edição original (v.798 [da edição em inglês original; vol. IV da versão em português, p.366]).”


Boris de Zirkoff (1902-1981)

A edição de 1938 serviu de base à tradução para língua portuguesa, mas não só. A única tradução existente noutros idiomas é baseada nesta versão.

Em 1979, a Sociedade Teosófica de Adyar abandonaria esta versão, passando a publicar a versão de Boris de Zirkoff e o “terceiro volume” passou a ser vendido separadamente. O seu conteúdo pode também ser encontrado no volume XIV dos Collected Writings (Escritos Reunidos) de HPB.

Já no presente século, chegaram os primeiros ecos de protesto contra a “edição de Adyar” ao universo teosófico de língua portuguesa, pelas mãos de Carlos Aveline, o líder da LUT luso-brasileira. Neste texto, é referido que:


Carlos Cardoso Aveline
 (Foto: Jornal O tempo de Belo Horizonte)

“Pouco depois da morte da Sra. Blavatsky, Annie Besant estava entre os principais líderes do movimento teosófico quando abandonou a ética e os ensinamentos originais da filosofia esotérica. Ela decidiu então adulterar o texto de “A Doutrina Secreta”, usando a desculpa de “revisá-lo”, e publicou uma edição ilegítima da obra, que foi preparada com ajuda de G. R. S. Mead e outros membros desorientados da Sociedade de Adyar.”

Aveline também “informa” os teosofistas que entendem o inglês e seguindo a mesma linha encontramos o texto do britânico Matthew Webb (também da LUT) no seu excelente site Blavatsky Theosophy.

Durante o século XX a visão de que este 3º volume era espúrio foi predominante, em grande medida como resultado do que escreveu Boris de Zirkoff – possivelmente o teosofista mais importante do século passado – sobre esse volume.




Este artigo que o blogue Lua em Escorpião publica é composto de duas partes centrais. A primeira é o texto de Daniel Caldwell, “O Mito do Terceiro Volume desaparecido de A Doutrina Secreta”, cuja tradução para português foi amavelmente autorizada pelo autor. A segunda parte é uma troca de argumentos bastante elucidativa, exatamente sobre este tema, que teve lugar no melhor fórum de discussão sobre Teosofia, o Theosophy Nexus. Também neste caso um dos administradores da plataforma anuiu ao meu pedido de tradução do conteúdo desta discussão.

Antes de avançarmos para o texto de Daniel Caldwell, queria referir que o objetivo deste artigo é dar ao leitor uma visão abrangente, que abarque os argumentos contra e a favor, para que o mesmo perceba também que é injustificável qualquer postura dogmática sobre este tema, bem como o tom de alguns ataques, absolutamente inaceitáveis entre (supostos) teosofistas.

Continua na próxima semana.

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