No final da primeira semana de agosto realizou-se em Haia,
mais uma Conferência Internacional de Teosofia (ITC). Depois da muito
participada edição do ano anterior, esta Conferência teve um ambiente mais
familiar, sendo que o número de presentes terá rondado as sete dezenas. As ITC
constituem um esforço notável de criar pontes de entendimento no movimento
teosófico, que desde sempre foi palco de lutas de egos, divisões, discórdias,
acusações mútuas, incompreensões e equívocos.
Depois do êxito do ano passado, que culminou com a redação
da chamada declaração
de Naarden, a iniciativa foi alvo de alguma oposição, com acusações
da prevalência de um grupo sobre outro, havendo quem tivesse tentado
arrastar problemas particulares de uma Secção nacional da Sociedade Teosófica para
a própria iniciativa (é tão descabido que nem merece que se coloque cá o link).
Sem grandes resultados, estas ações negativas são apenas de um eco já
centenário de oposição ao avanço do movimento teosófico, que continua com
dificuldade em lidar com os tempos modernos. Por um lado tem a concorrência das
diatribes new-age, especialmente sedutoras para aqueles que veem na prática da
espiritualidade uma espécie de hobby, que só encontra espaço em momentos
compartimentados, e por outro lado, num tempo em que os estímulos e a
quantidade de informação são em tal abundância, a Teosofia tem dificuldade em
ser encontrada por aqueles que buscam para além da mediocridade dominante.
Entrada do Carlton Ambassador Hotel, local onde se realizou a ITC 2015 |
Grande parte dos teosofistas de referência dos tempos atuais
estão na casa dos 60 anos e alguns já na dos 70, e não se vislumbra na geração sucessora
um número suficiente de estudantes que permita assegurar a continuação do
movimento, pelo menos em patamar de qualidade semelhante ao atual (onde há já
muito por fazer). Há quem inclusive refira que o movimento está em perigo. A
colaboração entre as várias tradições do movimento é pois crucial para a
sobrevivência do mesmo. Sem uma efetiva cooperação estabelecida em bases sólidas
e eticamente irrepreensíveis, a Teosofia poderá tornar-se apenas uma predileção
de um clube de excêntricos, acabando por se tornar na prática absolutamente
irrelevante. Naturalmente há-de reflorescer noutra altura, como sempre
aconteceu, mas seria absolutamente lamentável que o esforço de muitos que
porfiaram pela Teosofia desde 1875 fosse em vão.
Mas, voltemos à ITC 2015. É opinião de muitos, que esta
Conferência foi novamente excelente, com ótimas intervenções por parte da
grande maioria dos palestrantes.
Como já se escreveu antes,
o tema da ITC deste ano foi: “Helena Petrovna Blavatsky sob diferentes perspetivas
com um só coração”. Tal como sucedeu em relação às últimas edições, os vídeos
da Conferência estão disponíveis no site da ITC e tive a
oportunidade de os visionar na íntegra. Eis a minha seleção.
No primeiro dia, cada uma das organizações presentes
(Sociedade Teosófica de Adyar, Loja Unida de Teosofistas e Sociedade Teosófica
de Point Loma - Blavatsky House) fez uma apresentação sobre as suas origens, as
bases em que assentam e o modo como divulgam os ensinamentos teosóficos. Das três apresentações
feitas, a mais conseguida, do meu ponto de vista, foi a de Herman
Vermeulen, da ST Point Loma. Este primeiro dia contou ainda com o momento
alto da Conferência, a palestra
de Jon Knebel, o teosofista que ficou encarregue de dar continuidade ao
trabalho de edição e publicação da Cartas de Helena Blavatsky, cujo volume I,
da responsabilidade de uma equipa chefiada por John Algeo (recentemente
agraciado com a medalha
Subba Row), foi alvo de enorme controvérsia, pela inclusão de cartas espúrias,
sem o devido aviso ao leitor. Mais de doze anos já passaram sobre a edição
deste polémico volume. Durante a conferência, Knebel anunciou o que segundo
volume sairá algures em 2016 e o terceiro e quarto volumes seguir-se-ão. No
entanto, Knebel continua à procura de mais material e durante a sua palestra anunciou
que ainda iria se deslocar a Adyar para esse efeito, depois de já ter passado
por Londres. Recorde-se que este processo de compilação do material publicado
por HPB iniciou-se em 1924 pelas mãos de Boris de Zirkoff, que era um parente
distante da Velha Senhora. À data da sua morte (em 1981), doze volumes dos
Collected Writings haviam sido publicados. Dara Eklund deu continuidade a este
projeto publicando mais dois volumes e um índice. Contudo sete conjuntos de manuscritos
com a correspondência pessoal de HPB ficaram por publicar, e só quando a equipa
liderada por Algeo iniciou a preparação do primeiro volume é que o projeto saiu
do limbo em que havia ficado depois da morte de Boris de Zirkoff.
Sem dúvida que vale a pena assistir à exposição de Knebel,
que escolheu algumas passagens de cartas de HPB que revelam algumas das
caraterísticas e estados de espírito da fundadora do movimento teosófico
moderno.
No segundo dia, o tema foi “Helena Blavatsky, HPB e
o ciclo messiânico atual”. O decano James Colbert, associado da Loja Unida
de Teosofistas, e um símbolo destas Conferências foi o primeiro orador,
contando com a ajuda de Helena Kerekhazi. A não perder também é a intervenção
de Barend Voorham, que fala do fenómeno denominado Tulku e da diferença entre
Helena P. Blavatsky e HPB. Sobre este tema aproveito para recomendar o livro de
Geoffrey Barborka, “HPB, Tibet and Tulku”.
Da parte da tarde deste segundo dia, discutia-se o modo de
melhor capturar a essência da mensagem de Blavatsky. O teosofista francês
Jacques Mahnich deu uma ótima palestra sobre
o assunto, fornecendo várias linhas de orientação e sugestões para uma
abordagem mais profícua à vasta e para muitos inescrutável obra de HPB.
Joy Mills foi outro dos símbolos do movimento teosófico
atual que esteve presente, embora “à distância” nesta edição da ITC. A
nonagenária norte-americana, residente em Krotona, foi entrevistada de
propósito para o evento. Mills ainda fala com muito entusiasmo sobre o
legado de Blavatsky, e com uma clareza notável. Foi também exibido um vídeo mais
antigo, retratando parte de seminário dado pela mesma Joy Mills sobre a “Ética
de A Doutrina Secreta”. Qualquer dos dois momentos (que estão no mesmo vídeo)
valem a pena, Joy Mills faz uma exposição muito clara e enriquecedora sobre a
obra de Helena Blavatsky.
No terceiro dia, falou-se sobre como manter viva a mensagem de Blavatsky para as gerações futuras. Sabine van Osta, da ST Bélgica, Joop Smits da ST Point Loma e Caroline Dorrance da LUT deram contributos bastantes interessantes. Van Osta falou da possibilidade de aproveitamento das novas tecnologias, Smits sobre como seguir as pegadas de HPB de forma a se tornar num instrutor e Dorrance abordou o método seguido por Robert Crosbie, o fundador da LUT, para disseminação da Teosofia.
De referir que intercalando as várias palestras existiam
discussões de grupo que depois eram sumarizadas em reuniões coletivas. Os
vídeos destas reuniões estão também disponíveis. Naturalmente que quem tiver
mais disponibilidade de tempo deve visionar toda a conferência, mas julgo que a
seleção que fiz acima acaba por capturar o que de melhor teve esta edição da
ITC.