Mesmo no meio teosófico as
perceções sobre Deus e a sua natureza são muito variadas. Muitos desconhecem (e
alguns dos que conhecem têm dificuldade em compreender) as noções expressas
pelos Mahatmas na carta ML-10. A própria Virginia Hanson na nota que antecede a
carta escreve o seguinte:
“Agora chegamos àquela que é
provavelmente a carta mais polémica. (…) Estas “notas” fizeram com que algumas
pessoas rejeitassem toda a filosofia oculta por causa da negação do conceito
tradicional de Deus.”
No grupo de Facebook da SociedadeTeosófica das Filipinas, a propósito de uma discussão sobre se a Ciência prova
ou nega a existência de Deus, encontrei uma série de parágrafos escritos por Vicente
Hao Chin Jr. bastante interessantes e que ajudam a perspetivar o conceito de
Deus.
Escreve o teosofista filipino,
cujo currículo pode ser visto aqui:
Vicente Hao Chin Jr. |
“Um aspeto que muitas pessoas negligenciam sobre este tema
é: que tipo de Deus estamos a tentar provar ou refutar? Normalmente assumimos
um Deus que interage com a humanidade e o Universo – um Deus que faz
julgamentos e que responde tal como um ser humano, um Deus que gosta de umas
coisas e que não gosta de outras coisas e que até fica irado e ciumento, que se
arrepende, condena e castiga pessoas à condenação eterna.
Se é este o tipo de Deus do qual estamos a falar, então não
precisamos da ciência para refutá-lo. Apenas usando o raciocínio percebemos que
o Deus antropomórfico semelhante ao homem não pode existir. Esta ideia está
cheia de contradições. Como pode um Deus todo-poderoso ser ciumento e irado? Ou
criar um mundo e uma humanidade sabendo de antemão que ele (ou ela) terá
condenar parte das suas criações conscientes ao tormento e sofrimento eternos?
Como pode ele ter presciência (omnisciência) e ao mesmo tempo mudar de ideias
dependendo das boas e más ações das pessoas?
Do mesmo modo que prontamente afastamos a ideia de Zeus como
sendo Deus, também deveríamos pôr de lado deuses semelhantes ao homem, como
encontramos nas religiões populares. É importante salientar que muitos teólogos
cristãos não subscrevem essas noções vulgares de Deus.
Em 2002, a cantora Britney Spears disse que "Deus tinha uma longa barba branca" e que "cirandava pelo céu" (imagem: www.comeletusponder.com) |
Por isso antes de falarmos sobre se a ciência prova ou refuta
Deus, temos de perguntar: o que significa Deus? Se Deus é o todo da Natureza
como acreditava Spinoza, então não necessitamos da Ciência para prová-lo ou
refutá-lo. Acabámos de definir Deus como tudo o que existe. É uma tautologia.
Se concebemos Deus como um criador e projetista inteligente
– alguém que planeia o Universo – temos de perceber que estamos a regressar a uma
conceção humana de pensador e planeador. Só planeamos ou projetamos quando não
sabemos o que vai acontecer no futuro. Como podemos reconciliar isto com a
alegada omnisciência de Deus? Se Deus planeou, significa que existiu um tempo em
que ele não sabia o que iria acontecer? Se ele já sabia de tudo de antemão,
então não há necessidade de um plano ou de um projeto. E não apenas isto: se
ele é presciente em relação a tudo, então nada pode ele mudar porque uma tal
mudança implicaria que o seu conhecimento estaria errado. E se ele não pode
mudar nada que já se sabia à partida, então ele não é omnipotente – de facto
todo o universo torna-se apenas um completo autómato que funciona de acordo com
este plano, ou de acordo com as leis que o governam.
A necessidade de desemaranhar tais assuntos dos muitos
enganos é a razão pela qual Helena Blavatsky mergulhou profundamente e de forma
abrangente na natureza de Deus, dos deuses e da emanação no seu primeiro volume
de “A Doutrina Secreta”. O seu livro representa um dos mais importantes estudos
jamais escritos sobre teogonia e cosmogonia.
Por exemplo, “A Doutrina Secreta” fala de seres divinos ou
espirituais que são superiores a seres humanos mas que não são Deus no sentido
mais elevado da palavra. São limitados ou imperfeitos mesmo que tenham poderes
sobrenaturais. Estes seres superiores são superiores em relação à humanidade,
da mesma forma que os seres humanos são superiores aos animais e às plantas. Os
animais podem considerar-nos deuses, mas isso não é conceber Deus no sentido
derradeiro.
O Mahatma Koot Hoomi (carta 88) escreveu [NT: esta carta é a
ML-10, identificada como a nº88 na sequência cronológica e pode ser encontrada
na p.53-64 do vol.II das Cartas dos Mahatmas para A.P. Sinnett] : “A palavra
‘Deus’ foi inventada para designar a causa desconhecida daqueles efeitos que o
homem tem admirado ou temido sem entender… a ideia de Deus não é uma noção
inata, mas adquirida…O Deus dos teólogos é simplesmente um poder imaginário…um
poder que até agora nunca se manifestou.”