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sábado, 8 de novembro de 2014

A verdadeira tarefa da astrologia no século XXI

Robert Hand é possivelmente o astrólogo mais famoso atualmente vivo. Embora muito tempo haja já passado sobre a sequência de livros que editou, os mesmos continuam a ser bastante populares, especialmente o “Planets in Transit”, um livro incontornável, para a interpretação dos trânsitos astrológicos. Estranhamente nenhuma das obras de Hand está traduzida para português.




Com um currículo notável, Hand terminou recentemente o doutoramento em História Medieval, pela Universidade Católica dos EUA.

Há poucos dias, Hand publicou uma interessante mensagem através da sua conta de Facebook, que abaixo se traduz.

“Numa mensagem anterior falei do meu interesse em reconstruir as ligações entre a astrologia tradicional e moderna. Porque havemos de nos importar com isto? A resposta é simples.


Robert Hand (foto retirada do perfil de FB de Hand)


Todas as diferentes formas de astrologia - helénica, hindu, medieval e moderna – têm contributos importantes. Contudo, a síntese entre as formas de astrologia do Ocidente (helenística, medieval e moderna) e do Médio Oriente será mais fácil por duas razões. Em primeiro lugar são todas parte de uma tradição única e agora, uma vez mais, contínua. A astrologia hindu representa um desafio maior, embora, possa também fazer parte de uma eventual síntese. Nesta mensagem vou explicar porque não podemos simplesmente abandonar a astrologia dos séculos XIX e XX e fazer ressurgir algum tipo de combinação de métodos resultantes de formas tradicionais de astrologia.

Em palestras públicas várias vezes afirmei que o objetivo é criar uma astrologia tal qual deveria ter sido se a “experiência de quase-morte” [NT: note-se que a astrologia correu o risco de desaparecer, num processo iniciado no final séc. XVII e que só cessou no final do séc. XIX] nunca tivesse acontecido. Isto é próximo da verdade, mas não a é exatamente. A “experiência de quase-morte” provocou ou permitiu algo que não teria acontecido sem ela. Os astrólogos começam a tentar religar a astrologia com o sagrado. Aqui, refiro-me apenas à astrologia do Médio Oriente e do Ocidente. A astrologia hindu sempre teve e continua a ter, uma ligação com o sagrado, mas com uma tradição espiritual que está muito afastada das tradições do Ocidente. (Por questões de simplificação, quando me referir a “Ocidente” entenda-se que incluo o Médio Oriente. As duas culturas estão muito mais perto uma da outra do que qualquer uma delas está da Índia). Entenda-se que não acredito que de algum modo não haja equivalência ou até superioridade de algumas tradições espirituais indianas (incluindo aqui o Budismo) em relação às do Ocidente, mas a linguagem, os pressupostos culturais, as influências culturais, etc… são muito diferentes e necessitam de uma tradução com um alto nível de sofisticação para se tornarem completamente acessíveis ao Ocidente. Seria melhor se religássemos a astrologia ocidental com o sagrado em termos do sagrado tal como o entendemos no Ocidente, e à medida que a tradução concetual das tradições indianas e orientais fosse avançando, incluiríamos isso também.




Porque perdeu a astrologia ocidental a sua ligação com o sagrado? Quer na Europa, quer no Médio Oriente as religiões vieram à existência, e o Cristianismo e o Islão, que associavam a astrologia com o politeísmo, tornaram-se portanto hostis à astrologia. Com o Islão, a astrologia tornou-se de certo modo aceitável se fosse usada a um nível prático e evitasse assuntos que fossem do domínio da religião. Na Europa, a astrologia era no início completamente rejeitada, ao menos oficialmente. Então, na Europa Ocidental, a civilização colapsou ao ponto da astrologia não poder ser praticada, ao menos a um alto nível de sofisticação, devido à falta de conhecimento do Grego e da ciência grega, etc… Quando a astrologia voltou ao mundo ocidental vinda do mundo árabe, foi aceite com desconforto, mais ou menos nas mesmas condições que o tinha sido no Médio Oriente. Não era suposto se pronunciar sobre o sagrado. A associação entre a astrologia e o sagrado continuou num nível subterrâneo em ambas as culturas, sendo associada à magia, desde à branca à negra e à intermédia entre estes dois polos. Na prática, a astrologia era aceite em ambas as culturas, apenas se não interferisse com o sagrado e não se entrasse em contradição com o livre arbítrio (noutra oportunidade abordarei este assunto!).




Felizmente e por mais estranho que pareça, as mesmas forças que quase destruíram a astrologia no século XVIII, também enfraqueceram fortemente o poder do Cristianismo no Ocidente. No Médio Oriente um ressurgimento do fundamentalismo islâmico (ainda em curso) trouxe uma versão específica da “experiência de quase-morte” à astrologia islâmica.

Então no século XIX, quando a astrologia sofreu um reavivar em Inglaterra, duas linhagens distintas de astrologia emergiram gradualmente, uma linhagem pretensamente científica personificada por A.J. Pearce e uma linhagem religioso-espiritual da qual Alan Leo é provavelmente o melhor exemplo.

O grupo “científico” continuou a tentar fazer aquilo que não teve sucesso no século XVII, tornar a astrologia em algo aceite pela nova ciência. Não funcionou no século XVII e não funcionou também no século XIX. (Os meus comentários sobre esta abordagem científica à astrologia não significam que me oponho a uma abordagem científica à astrologia. O que defendo é uma abordagem científica à astrologia como parte de um esforço em duas frentes para perceber o que realmente é a astrologia, não algo destinado a tornar a astrologia “aceitável” para a ciência conforme esta está presentemente instituída. Isso, estou em crer, não pode acontecer mais por razões religiosas e ideológicas do que científicas).



Um grupo de astrólogos de tendência espiritual religou a astrologia ao sagrado através da Teosofia Blavatskiana. A Teosofia pôs no papel uma filosofia emprestada da religião oriental e que recupera o neoplatonismo clássico tardio. Reconectou a astrologia com ideias como a iluminação, autorrealização, etc…Quaisquer que sejam as suas inadequações como uma filosofia espiritual, preparou o terreno para uma evolução de acordo com estas linhas. A figura mais fortemente associada com esta evolução foi o já falecido Dane Rudhyar que concebeu as astrologias humanista e transpessoal, que enfatizavam o uso da astrologia como uma ferramenta para autorrealização, opondo-se à astrologia da idade média, iminentemente prática e orientada para acontecimentos. Consequentemente isto conduziu ao florescimento da astrologia psicológica pelas mãos de Liz Greene e outros.

Este tipo de astrologia não é bem vista pelos tradicionalistas puros. É visto como algo inconsistente, vago e autoindulgente. Esta não é a minha opinião, são opiniões que ouvi, amplamente expressas entre os tradicionalistas. Esta crítica tem algum fundamento pelo facto de os métodos da astrologia do século XX terem sido tecnicamente rudimentares. O simbolismo astrológico tornou-se tão impreciso que se podia interpretar qualquer coisa de qualquer maneira. De facto, a culpada disto não era a corrente de astrologia espirito-psicológica. A culpa foi da astrologia “científica” de finais do século XVII até ao século XIX, que extirpou à astrologia métodos e princípios que não eram entendidos e que faziam pouco sentido para o seu ponto de vista “científico”. Por exemplo, James Wilson, no seu Dicionário de Astrologia rejeitou completamente as regências. Regências e significadores são o cerne das Astrologias Medieval Ocidental e Hindu. Sem este conceito, o poder e a expressividade da astrologia ficam limitados. Todas as dignidades foram rejeitadas com exceção, e mesmo assim relutantemente, do signo e da exaltação. Deixaram a astrologia com um vocabulário muito limitado que foi tudo com que as escolas espiritual, psicológica e humanística ficaram. De modo a preencher as lacunas simbólicas deixadas por estas supressões, os modos posteriores de astrologia tiveram que expandir o simbolismo do que tinha restado e nesse processo tornaram a linguagem de astrologia menos precisa. Contudo, apesar de tudo isto, estas formas de astrologia espiritual, psicológica e humanística (as três não são de modo algum mutuamente exclusivas) são as maiores inovações da astrologia moderna. A parte da astrologia que é humana e centrada no espírito, que existia de modo claro no mundo antigo (embora não seja facilmente encontrada nos trabalhos práticos), foi recuperada.




Não se entenda que infiro que apenas as grandes inovações da astrologia moderna recaem nas áreas mencionadas no parágrafo anterior. Para começar, a astrologia moderna atualizou o ponto de vista cultural para o mundo moderno de muitos modos. A astrologia medieval estava dirigida para o mundo medieval. Uma mudança era necessária e foi feita. Contudo, neste particular quero abordar uma crítica à tradição feita muitas vezes pelos modernistas, mais concretamente a de que, não estando nós na Idade Média, como pode a astrologia antiga ou medieval ser relevante para nós? Falando como um historiador medievalista, devo dizer que se lermos Bonatti, por exemplo, no que respeita a processos legais, parece desconcertantemente moderno. A nossa cultura é descendente da cultura da Idade Média e somos muito mais parecidos aos nossos antepassados desse período do que muita gente pensa.

Em segundo lugar, a adição dos planetas modernos Urano, Netuno e Plutão foi um grande passo em frente. O grande número de corpos celestes menores em órbita é um pouco mais problemático, mas este é um tema prático. Como podemos lidar com tantos corpos e como dispô-los num tipo de estrutura para análise? Noutra oportunidade abordarei este tema.




Para além disso temos as grandes escolas dos pontos sensíveis que oferecem métodos bastante afastados de qualquer forma tradicional de astrologia (embora não completamente afastadas), a Escola Uraniana ou de Hamburgo e a Cosmobiologia dos Ebertin. Enquanto a escola Uraniana necessita, estou em crer, de alguma filtragem, as caraterísticas de ambas as escolas devem se tornar uma parte permanente da nova síntese. A Escola sideralista de Cyril Fagan e Garth Allen também deu grandes contributos à astrologia moderna, independentemente da ideia que possamos ter de um zodíaco sideral (uma questão para tratar noutra altura). Mais do que tudo, estes desenvolvimentos fizeram-nos olhar para o nosso desenvolvimento histórico nos tempos antigos. Enquanto os seguidores de três destas escolas tenderam a olhar para a astrologia como algo orientado para acontecimentos, não há nada em nenhuma delas que seja incompatível com uma abordagem à astrologia que seja humana e centrada no espírito.

Finalmente há o reavivar da astrologia horária e tradicional, mas este não é efetivamente um contributo para a astrologia moderna, mas as razões desta discussão e as razões porque temos que pensar numa síntese. Esta síntese é a verdadeira tarefa da astrologia do século XXI.

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